Feira Josué de Castro - artesanato e identidade cultural

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco


Entrevista com a artesã Francis Oliveira, indígena, integrante da Rede Carioca de Agricultura Urbana (Rede CAU) e expositora da 3a edição da Feira Agroecológica Josué de Castro – Sabores e Saberes, realizada, em 2022, no pátio da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), Unidade Técnico-Científica incorporada à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com sede no Rio de Janeiro.

Autoria: Artesã Francis Oliveira (entrevistada); Joyce Enzler (entrevistadora).

Introdução[editar | editar código-fonte]

Artesanato de Francis Oliveira – Foto- Joyce Enzler

Na terceira edição da Feira Agroecológica Josué de Castro – Sabores e Saberes, no pátio da ENSP, em 11/08, além da tradicional compra de alimentos sem agrotóxicos, destacou-se uma consciência ecológica da comunidade Fiocruz, com a entrega de cápsulas de cafés e papéis usados para as artesãs, que transformam o que deveria ir para o lixo em brincos, brinquedos, luminárias, colares, bolsas e carteiras.

Apesar da chuva e ventania que fez voar buchas, folhas e especiarias, houve uma movimentação pela feira em busca não somente de alimentos de verdade, mas dos bolos e pães da Sumaya Bezerra, das tapiocas do Elias Benício  e dos artesanatos de Francis Oliveira, Cirlene Alves Manhães e Valdirene Militão. Para dar início a uma série de entrevistas, com o objetivo de dar visibilidade aos produtores de alimentos e artesanatos da Feira Josué de Castro, o Dicionário de Favelas Marielle Franco abre espaço para o debate sobre agroecologia, sustentabilidade, Arte e território na entrevista com a artesã da Rede Carioca de Agricultura Urbana (Rede CAU) Francis Oliveira.

A Feira Josué de Castro reúne trabalhadores de diferentes favelas e periferias do Rio. No caso da presente entrevista, é realizada com uma das integrantes da Frente de Mulheres da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Confira a entrevista e leia também a matéria sobre a feira.

“Eu sou a pessoa que não pôde viver no seu hábitat: esse é o meu legado”, afirmou Francis Oliveira.

   Francis Oliveira – Arquivo pessoal

Entrevista[editar | editar código-fonte]

Feira Josué de Castro: Fale um pouco sobre você.

Francis Oliveira: Eu sou Francisca Gomes de Oliveira, mas assino os meus trabalhos e sou conhecida como Francis Oliveira. Sou artesã, moradora de Camorim e de descendência indígena.

FJC: Você faz parte da Rede Cau?

Francis: Sim. Venho trabalhando e fazendo a minha militância pelo artesanato na Rede Cau. Cheguei a esta rede por meio do Comitê de Mulheres da Zona Oeste.

FJC: Quando você começou na Feira Josué de Castro?

Francis: Estou desde 2015.  A feira estava na parte de trás, perto do Centro de Saúde, porque o pátio da Escola estava em obra. Nessa época, éramos eu, Rita, Maraci, Russo, Elias da tapioca, Sumaya e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

FJC: Conta um pouco do seu processo de trabalho.

Francis: Trabalho com reciclagem e reaproveitamento. Eu venho trabalhando tanto os nossos rejeitos, como o papel, que eu reciclo e reutilizo, quanto os rejeitos da natureza, como as fibras de bananeira, palha de carnaúba. No Ceará, na minha infância, aprendi a trabalhar com a carnaúba, mas como não tem no Rio de Janeiro, então aprendi a utilizar a folha de bananeira aqui.

FJC: Há quanto tempo você é artesã?

Francis: Eu comecei criança, no Ceará. Meus tios tinham uma Olaria e eu produzia bonecos, bichos, janelas de argila. Mas o primeiro dinheiro que eu ganhei foi com palha de carnaúba, menina ainda, elaborando chapéus e tranças. Estava muito envolvida com a Arte, continuei buscando esse caminho da arte, só que aí eu vim para o Rio de Janeiro. Não porque eu quis, vim com a minha família, era criança ainda. Então, eu continuei a minha vida toda buscando a Arte, produzir, criar... mas engravidei e precisei segurar a minha onda com os meus filhos, criar, educar. Mais tarde, percebi que além de amar ser artesã, poderia fazer a minha renda aumentar com  o artesanato. Eu sempre tenho um salário fixo, mas também o meu artesanato no cantinho. Quando meus filhos eram pequenos, não tinha uma banca, não tinha como fazer isso. Só depois que meus filhos cresceram, que eu comecei  realmente me colocar para o artesanato, para a Arte, criando as minhas peças e vendendo.

FJC: Onde você expõe seu trabalho?

Francis: Já expus na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Porém, atualmente só estou na Feira Josué de Castro, na Ensp/Fiocruz. Também divulgo o meu artesanato nas redes sociais digitais e recebo encomendas pelo WhatsApp.

FJC: O que é identidade cultural e como você e seu artesanato se encaixam nesse conceito?

Francis: Para mim é o tudo que  envolve trabalho, alimento e arte, por onde caminham seus avós e  seus ancestrais.  Me encaixo nas brechas que consegui captar de meu avô, me encaixo pelo meu trabalho onde busco o cuidado comigo e  com a terra.

FJC: Por que você diz sempre que não tem pauta em nenhuma feira para o artesanato?

Francis: Não se discute esse assunto. O artesanato é  só uma banca de artefatos nas feiras. Sempre me senti desterrada, começando pelos meus antepassados que foram obrigados a deixar a sua terra. Eu não vim para o Rio porque eu quis, fui trazida, não pude escolher. Na militância, dentro do Comitê de Mulheres da Zona Oeste, participei de uma pesquisa chamada Pesquisa Militante e foi nesse momento que me percebi sem lugar, sem território. Então, eu fui pelo meu corpo. Meu corpo é meu primeiro território.

Na Aldeia Maracanã, conheci o José Guajajara e eu falei que era descendente de índio, mas eu me sentia constrangida de me assumir como indígena e ele me estimulou a me encontrar e me reconectar com o meu povo, a minha Cultura.

FJC: Mas por que você acha que não tem muito espaço? As pessoas não procuram artesanato nas feiras?

Francis: O pessoal vem procurar sim. O trabalho fica sendo conhecido, tanto na UERJ quanto aqui, na Fiocruz, esse não é o problema. O problema é você ter pauta para o artesanato, dar visibilidade a ele. Se você não dá visibilidade...

FJC: Quando você fala em dar visibilidade, seria, por exemplo, ter uma roda de conversa na feira e chamar uma representante do artesanato também?

Francis: Isso. Ter gente para falar do artesanato, ter gente para falar desse movimento dentro do Brasil, o que ele é, por onde ele vem? O que é artesanato?

FJC: E o que é artesanato?

Francis: Artesanato para mim é uma técnica milenar e que vem resistindo até os dias de hoje, em várias culturas E com essa resistência chega a mim, a nós, principalmente  as mulheres. Quando digo não chamam,  é porque é necessário falar desse lugar nas feiras agroecológicas. Que, como e por que este artesanato está  na Feira Josué de Castro?

FJC: Hoje em dia você chamaria o seu artesanato de indígena após se reconhecer como uma descendente dos povos originários?

Francis: Ah! Ficou mais militante ainda. Como eu sou uma indígena dizimada que não vivi como o índio aldeado lá no início. Então, eu sou o recomeço disso. Eu sou essa pessoa que foi trazida para um lugar (choro), que não pode viver no seu hábitat, mas que a terra está no DNA. A terra sou eu, por isso eu preciso trabalhar por ela. Então, eu venho pela reciclagem, pelo reaproveitamento. Esse é o meu legado.

Francis Oliveira e Cirlene Alves Manhães – Foto: Joyce Enzler
Cordões produzidos com papel reciclado – Foto de Joyce Enzler
Brincos produzidos com papel reciclado – Foto de Joyce Enzler
Carteiras e bandejas de fibra de bananeira – Foto de Joyce Enzler