Lançamento do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Autoria: Juliana Krapp (Icict/Fiocruz)[1].

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O lançamento do Dicionário de Favelas Marielle Franco, 16 abril de 2019, na Biblioteca de Manguinhos, na Fiocruz, no Rio de Janeiro foi marcado por homenagens à vereadora carioca, assassinada brutalmente em 2018, cujo nome batiza o dicionário. 

Lançamento[editar | editar código-fonte]

A cientista política Sônia Fleury, coordenadora do projeto, destacou como a militante, cria da Maré, conseguiu transcender a divisão entre favela e asfalto. E como a mobilização após sua morte acabou servindo como fator para a união e o engajamento de jovens da cidade. “Eles [os assassinos e mandantes do crime] pensaram que, matando Marielle, calariam sua voz. Mas não conseguirão fazê-la calar. O dicionário é um instrumento para aqueles que, como nós, compartilham da ideia de que nossa sociedade não pode ser discriminadora. É uma busca por reconhecer a importância da favela, a importância de suas lideranças e da população que está criando uma nova cidade. A tentativa de abraçar uma sociedade mais rica e plural. Perdemos uma pessoa querida, mas não sua potência. O dicionário é um instrumento dessa potência, um instrumento para a voz de Marielle. Não só a Marielle Franco, mas outras Marielles que têm falado em defesa da emancipação, da cidadania e da inclusão social.”

Presentes à cerimônia, os pais da vereadora receberam uma placa homenageando a filha. “Marielle não acreditava que poderia acabar com a violência no Rio, mas sim que, com uma atuação segura e honesta na Câmara Municipal, poderia ajudar a amenizá-la. Infelizmente, não conseguiu. Por outro lado, seu assassinato acabou transmitindo para a sociedade do Rio que é possível, sim, com honestidade e com trabalho, diminuir um pouco essa violência”, narrou seu pai, Antônio Francisco da Silva Neto.

Na íntegra[editar | editar código-fonte]

Vivência como conhecimento[editar | editar código-fonte]

WikiFavelas é uma iniciativa em prol da consolidação da cidadania plena, definiu a deputada estadual Mônica Francisco, que destacou como a plataforma promove o enlace “entre a produção acadêmica e as experiências vividas no chão da favela”. “O dicionário materializa o compromisso não só com a pesquisa acadêmica, com a produção do conhecimento e com os valores emancipatórios pelos quais lutamos. Materializa, também, a responsabilidade pela descriminalização das favelas”, afirmou. “Já dizíamos que a favela é cidade. Depois passamos a dizer que é potência. Hoje a favela e a periferia vêm, a partir dos processos de redistribuição democrática das universidades, produzindo epistemologia. Vêm se repensando e se ressignificando. E vêm produzindo a reorganização do pensamento a partir das experiências vividas em seu território”.

A importância da experiência cotidiana na construção de saberes também foi destaque na fala de Cleonice Dias, líder comunitária na Cidade de Deus e representante do Conselho Editorial da WikiFavelas. “Nosso dicionário celebra a articulação entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento dos intelectuais orgânicos da favela. A favela já produz conhecimento quando, por exemplo, faz uma ata e registra momentos históricos no tempo de silêncio, ou no tempo de grande mobilização, ou no tempo de esvaziamento que estamos vivendo hoje”. Inerente a essa rede de saberes, o silêncio ocupa espaços cruciais. Evocando cenas recentes de violência e horror, como o desabamento dos prédios em Muzema e episódios da disputa entre milícias e traficantes, Cleonice reforça como a população tem se mantido calada. “O silêncio dos moradores é ensurdecedor. Eles não podem falar. É uma marca dos dias atuais. Um silêncio que é fabricado pela sabedoria da sobrevivência, da resiliência, da resistência. Não é preciso que seja dada nenhuma ordem [para que se calem]. É a sabedoria das avós que levam seus netos à escola. Ou que chegam às seis da manhã ao posto de saúde. É parte da resistência de ir e vir, de teimar em ser. Há um aprendizado de resistência no silêncio”, defende.

Direito à comunicação[editar | editar código-fonte]

O lançamento do Dicionário de Favelas Marielle Franco também marcou o 33º aniversário do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). “O dicionário para nós é um presente. Pois canaliza uma série de ideias e de atividades que já exercíamos, na busca pela defesa efetiva e cotidiana dos direitos humanos. Atua em linhas fundamentais também para o Icict, como a construção da ideia de ciência cidadã, a busca por diálogo permanente com a comunidade. Atua na preservação de direitos que são muito caros, como o direito à informação e à comunicação. E também na busca pela diversidade e pluralidade”, explicou Rodrigo Murtinho, diretor do Icict.

Não há, afinal, favela no singular, defende Sônia Fleury. “Favela não é algo homogêneo. O poder público não pode tratar favela como se fosse uma coisa única, uniforme. O que há é uma realidade rica, favelas com grupos diversos, histórias e lideranças próprias, maneiras diferentes de se socializar. É preciso aceitar a diversidade das favelas. Ignorar essa diversidade não é algo que ocorra por falta de dados, técnicos ou teses, por.simples falta de conhecimento: é um ato político.  É um ato político de não reconhecer essa realidade como sendo parte da História e da cidade. É contra esse desconhecimento que buscamos usar seu contrário: a potência de conhecimentos vários.”

A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, reforçou como a WikiFavelas simboliza a potência de encontros que têm, hoje, significado singular. “O dicionário representa um encontro entre trabalho acadêmico e vivências. Mas um encontro que tem significados diferentes do que aqueles da época em que iniciei minha trajetória científica, quando os abismos eram maiores que os de hoje, pois num período anterior à possibilidade de muitos jovens engajados na militância política terem cursado a universidade e a pós-graduação. E me refiro a um encontro que é maior até que o encontro de saberes. É um encontro pela cidade. Por outro projeto de cidade que não pode ser perdido”, definiu.

Nísia também reforçou que a Fiocruz tem mantido relação longeva com a temática das favelas, em atividades, pesquisas e acervos de naturezas diversas. Uma experiência que inclui, por exemplo, o uso do teatro em ações de saúde feitas na Favela de Manguinhos, pelo diretor e ator teatral Luiz Mendonça. A trajetória do pesquisador Victor Valla, referência em educação popular. Os arquivos do médico Victor Tavares de Moura, que atuou na criação dos parques proletários. O acervo de fotos do antropólogo americano Anthony Leeds, que registrou na década de 1960 uma série de imagens de favelas do Rio de Janeiro, e que está a cargo da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). “A criação deste Dicionário de Favelas vai permitir novos acervos e experiências”, aponta.

 Ver também[editar | editar código-fonte]