Rio de Janeiro - velhos erros levam a recordes de morte

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

O Rio de Janeiro seguiu sendo um dos estados com o maior número de registros de eventos letais. Foram 4.545 casos, ou 21% do total para os sete estados observados: Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.

Autoria:  Silvia Ramos
Esse verbete faz parte do relatório "Máquina de moer gente preta: a responsabilidade da branquitude", produzido pela Rede de Observatórios da Segurança.
Jacarezinho, RJ.

O conflito[editar | editar código-fonte]

No dia 09 de setembro deste ano, o ex-chefe da Polícia Civil e candidato a deputado federal Allan Turnowski foi preso acusado de envolvimento com o jogo do bicho e por fazer parte de esquemas criminosos, como o planejamento da morte do bicheiro Rogério de Andrade e a interferência em investigações policiais para prejudicar adversários políticos. Mas Turnowski já havia tido destaque no noticiário anos antes.

Ele estava à frente da Polícia Civil quando declarou que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 (ADPF das Favelas) – decisão da Suprema Corte brasileira que restringe operações policiais em favelas enquanto durar a pandemia de coronavírus – não seria mais cumprida.

Neste último ano de monitoramento da Rede, o Rio de Janeiro seguiu sendo um dos estados com o maior número de registros de eventos. Foram 4.545 casos, ou 21% do total para os sete estados. Os registros de ações de grupos criminais, apesar de pouco expressivos numericamente (22 eventos nos últimos 12 meses), apontam para mudanças que já temos observado nos últimos anos.

São casos de extorsão de comerciantes, como os que têm ocorrido na região do Rio das Pedras, um dos berços das milícias, e outros de construção de barricadas que atrapalham o deslocamento dos moradores e o patrulhamento dos policiais, como o que registramos em Bangu. Além de toques de recolher, disputas de territórios entre milicianos e grupos do tráfico, como em Del Castilho e Inhaúma e, a cobrança por serviços controlados por milicianos ou por operadores do tráfico, como registramos no Morro do Dezoito.

A consolidação e a expansão do controle de grupos milicianos em territórios da Zona Oeste do Rio de Janeiro foram acompanhadas do progressivo crescimento de territórios do interior do estado sob controle de grupos do tráfico. Nessa expansão, confrontos, tiroteios e mortes são certezas que deixam vulnerável uma parcela expressiva da população.

O aumento nos lucros desses grupos criminais vem não só do aumento territorial, mas também da diversificação de atividades criminosas, sendo rotineiro acompanharmos casos de grupos do tráfico se dedicando a atividades que anteriormente eram executadas apenas por milicianos e vice-versa.

Lógica do confronto[editar | editar código-fonte]

As polícias fluminenses assistem a esse processo e respondem de maneiras muito diferentes a depender do grupo criminoso. Sabemos que realizam menos operações policiais em áreas de milícias e que a letalidade policial se concentra especialmente em regiões de domínio do tráfico. Essa lógica vem se aprofundado nos últimos anos. Nesses últimos 12 meses, assistimos a um aprofundamento na lógica do confronto. Em outubro de 2020, após quatro meses de reduções históricas no número de ações policiais no Rio, Allan Turnowski deu a senha que levaria o Rio de volta ao patamar de mais de cem mortes por mês.

Em entrevista ao Jornal O Globo, o ex-chefe de polícia disse que a decisão do Supremo Tribunal Federal não impediria a realização de operações no Rio porque o estado vivia em situação de “exceção”.

Máquina de moer gente preta - balanço[editar | editar código-fonte]

A responsabilidade da branquitude após a entrevista do ex-chefe de polícia Allan Turnowski e suas consequências.

O estado do Rio registrou as duas maiores chacinas em operações policiais na história do Rio de Janeiro: no Jacarezinho, em 2021, com 27 mortos, além de um policial, e na Vila Cruzeiro, em 2022, com 23 mortos. A violência vai além desses recordes: se somarmos todas as mortes registradas nos cinco estados do Nordeste que compõem a Rede mais o estado de São Paulo, totalizam 281 mortos em 12 meses. No Rio de Janeiro esse número totalizou 306 mortes.


Vitimização em ações de policiamento agosto de 2021 a julho de 2022 (%)

Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo

MORTOS: 9,57 2,09 8,52 4,52 1,04 52,35 21,91


MORTOS E FERIDOS (CRIANÇAS E ADOLESCENTES) agosto de 2021 a julho de 2022 (%)

Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo

MORTOS: 8,33 0,00 16,67 0,00 16,67 41,67 16,67

FERIDOS: 2,71 1,90 5,15 5,15 2,44 63,14 19,51


Prisões e apreensões de adolescentes em ações de policiamento agosto de 2021 a julho de 2022 (%)

Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro São Paulo

PRISÕES: 7,19% 4,52% 14,51% 8,79% 7,88% 21,36% 35,75%


APREENSÃO DE ADOLESCENTES

Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro São Paulo

4,87% 6,33% 11,36% 14,45% 6,17% 19,64% 37,18%


No Rio, 27,8% das operações são motivadas por cumprimentos de mandados e 21,9% por repressão ao tráfico de drogas. Dessas operações só 21,3% resultam em prisões.

Enquanto São Paulo, com menor registro de operações que o Rio de Janeiro (750), consegue registrar 35,7%.

O Rio de Janeiro precisa de uma mudança de rumos na segurança pública o quanto antes. Repetir os velhos erros e investir em ações policiais violentas, com violações dos direitos humanos, sem inteligência ou investigação nos trouxe até aqui. Temos registrado recordes de mortes promovidas por policiais e, ao mesmo tempo, visto o crime se expandir e diversificar sua atuação, mantendo parcelas expressivas da população sob o controle violento e a exploração financeira. A violência policial vem acompanhada da corrupção quando a proteção à vida passa a ser um serviço a ser vendido e não garantido pelas forças do Estado. Quem paga mais, leva.

Fonte: Rede de Observatórios da Segurança

Ver também[editar | editar código-fonte]

·        Chacinas em favelas no Rio de Janeiro

·        Rede de Observatórios da Segurança

·        GENI (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos)

. Máquina de moer gente preta: a responsabilidade da branquitude (relatório)