Saúde da População Negra Carioca: regulamentando a Lei 7749/22

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Lei Lenora Mendes Louro - Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra - 7749/22.
Lei Lenora Mendes Louro ( 7749/22): Programa Municipal de Saúde Integral da População Negra
Lenora Mendes Louro (1968-2007), médica, organizar o Primeiro Seminário de Saúde da População Negra do Município do Rio de Janeiro
Lenora Mendes Louro (1968-2007), médica, organizar o Primeiro Seminário de Saúde da População Negra do Município do Rio de Janeiro.
As Cinco Metas do PMSIPN para a população da cidade do Rio de Janeiro
As Cinco Metas do PMSIPN para a população da cidade do Rio de Janeiro


O desenvolvimento de políticas públicas e sua regulamentação por meio de leis é uma importante intervenção em saúde das populações socialmente vulneráveis. Isto posto, em que pese o município do Rio de Janeiro ter sido um dos primeiros a ter um Comitê Técnico de Saúde da População Negra para o enfrentamento do racismo institucional (Cruz, Miranda, Silva, 2017), muito antes da lei federal 12.288/2010, o Estatuto da Igualdade Racial, a cidade não possuía uma regulamentação municipal. Por meio de uma coalização de instituições do controle e movimento sociais (também uma importante intervenção em saúde das populações vulneráveis), foi promulgada a LEI Nº 7.749, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2022 (Lei Lenora Mendes Louro ) que institui o PROGRAMA MUNICIPAL DE SAÚDE INTEGRAL PARA A POPULAÇÃO NEGRA. O caminho até a promulgação exigiu uma grande mobilização. Com a tramitação do projeto, além da sensibilização do parlamento, buscou-se sensibilizar o Executivo para relevância da lei. Todavia, em que pese a o PL Lenora Mendes Louro ter sido aprovado por unanimidade pela Câmara Municipal, o prefeito vetou importantes artigos da lei. Se mantidos os vetos, a lei perderia seu potencial de enfrentamento do racismo institucional na Rede de Atenção à Saúde (RAS) no município do Rio de Janeiro. A intervenção de marketing social agora tem outro foco: a derrubada dos vetos pelos(as) vereadores(as) cariocas. Neste sentido, o Comitê Técnico de Saúde da População Negra (CTSPN) fez ainda um trabalho de advocacy (defensoria) diretamente no parlamento municipal (março de 2023). E para subsidiar o trabalho de defensoria (advocacy), o CTSPN distribuiu para os(as) parlamentares e também pelas redes sociais sua análise com as justificativas para a derrubada dos vetos. Com uma lei justa e argumentos sólidos contra os vetos da Prefeitura, a Câmara derrubou os vetos e promulgou a lei. O desafio que se impõe agora é sua implantação e implementação no ponto do cuidado, seja na Atenção Básica, seja na Atenção Especializada. Para vencer este desafio, mais ações são necessárias com foco no sistema. Neste sentido, vale destacar a intervenção de defensoria que mobilizou a Comissão Especial de Combate ao Racismo, da Câmara Municipal, para convidar o Secretário de Saúde para uma Audiência Pública. Nesta audiência, a Comissão ouviu o movimento social pró-saúde da população negra (vide apresentação em anexo), representado por Louise Silva, do Comitê Técnico de Saúde da População Negra. A Comissão, presidida pela Vereadora Mônica Cunha, levantou informações sobre as iniquidades étnico-raciais nos resultados do SUS municipal (Vigilância, outra relevante intervenção em saúde das populações vulneráveis). Todavia, como o Secretário de Saúde faltou, não justificou a ausência e nem mandou representação, a Comissão não pode inquirir o Secretário sobre as ações previstas para implantação do Programa. A ausência também significa algo. Por meio da Audiência Pública, o Legislativo cumpre o seu papel de fiscalizar o Poder Executivo e assegurar que os direitos previstos na lei sejam colocados em prática. Com a lei aprovada, o Judiciário e o Controle Social têm uma recurso objetivo para a fiscalização das ações e omissões do Executivo. A coalizão entre controle social e legislativo municipal manteve a pressão sobre o Executivo. Assim, em 29/05 aconteceu a reunião na Secretaria Municipal de Saúde. Participaram da reunião com o Secretário de Saúde da cidade do Rio, Daniel Soranz, para exigir o cumprimento da Lei 7.749/2022, que criou o Programa Integral de Saúde da População Negra no município, a vereadora Mônica Cunha, presidenta da Comissão Especial de Combate ao Racismo, o vereador Edson Santos, a Secretária Municipal de Meio Ambiente, Tainá de Paula, bem como Louise Silva e Isabel Cruz, representando o Comitê Técnico de Saúde da População Negra. Vereadores e vereadoras junto com o Controle Social trabalham no sentido de sensibilizar o Secretário para a urgência de implementação desta política. Afinal, este foi um dos encaminhamentos da Audiência Pública realizada pela Comissão em 19 de maio próximo passado. Por ser uma política ou legislação baseada em evidência e construção democrática, só cabia ao Secretário dizer: cumpra-se! E assim foi feito. Segundo Soranz, o programa será iniciado em 15 dias. Controle social e legislativo seguem vigilantes. Se necessário, o Ministério Público também pode ser acionado! Marche & Demarches na regulamentação da lei O Secretário de Saúde demonstrou que democracia participativa não é seu referencial de trabalho quando ignorou o que foi pactuado na reunião. O Secretário ignorou a necessidade de formação de um GT para propor coletivamente um modelo de gestão, incluindo equipe mínima e dotação, publicando, em 27/06, uma resolução que cria um “Núcleo” com as mesmas atribuições do Comitê Técnico de Saúde da População Negra. Desta vez, ele inclui na publicação partes do texto proposto pela Comissão de Vereadoras(as) e da lei, simulando atender à demanda. Esta resolução foi apresentada, em reunião do Comitê Técnico, dia 29/06, por uma “representante do Gabinete”. Diante do processo, da forma e do conteúdo, com profunda indignação, o Comitê rechaçou in totum a resolução e constituiu comissão para dar encaminhamento à criação da área técnica para gestão do Programa junto à Secretaria. A Comissão designada pelo Comitê Técnico de Saúde da População Negra, logo após a reunião, dirigiu-se ao Gabinete para retomar as tratativas para implantação do Programa com a gestão de uma área técnica. A chefia do Gabinete recebeu a Comissão e agendou uma reunião com o Secretário de Saúde para 12 de julho. Até a reunião, todos os agentes públicos serão mobilizados para garantia do cumprimento da lei no propósito de garantia dos recursos para o enfrentamento do racismo institucional no acesso à saúde. Avançando na regulamentação da lei Lenora Mendes Louro No dia 12 de julho de 2023 aconteceu a reunião da representação do Comitê Técnico de Saúde da População Negra com o Secretário Municipal de Saúde Daniel Soranz. Na ocasião, foi entregue ao Secretário uma proposta elaborada pelo CTSPN para instalação de um grupo de trabalho. A proposta enfatiza que o Comitê Técnico de Saúde da População Negra – CTSPN atua em conjunto com o órgão técnico a ser criado, desde a sua estruturação, assim como a gestão democrática dos programas de saúde como um princípio basilar do SUS. Pela proposta, o GT, com duração prevista de 60 dias, tem as seguintes atribuições: (1) estruturar a criação da instância/órgão técnico com representantes da Secretaria Municipal de Saúde, do CTSPN , representação do Legislativo Municipal e movimento social negro, entre outros; (2) elaborar plano de trabalho da instancia/órgão técnico baseado nas submetas para a melhoria dos resultados em saúde da população negra com acompanhamento do CTSPN; e (3) realizar o IV Seminário Carioca de Equidade em Saúde da População Negra com apresentação do PMSIPN, da equipe gestora do Programa e Plano de Trabalho, até 27/10/2023. O Secretário recebeu a proposta e expressou sua disposição para a implantação do Programa. Leu e comentou cada ponto da proposta e a acolheu praticamente sem alteração. Ato contínuo, deu início ao trabalho solicitando à Comissão que apresentasse os nomes para compor o GT de modo que a Resolução pudesse ser publicada imediatamente no Diário Oficial. Prontamente, a Comissão junto com servidores(as) e representações de parlamentares e ONGs relacionou os nomes já acordados para o trabalho, finalizando a Resolução. Uma nova etapa do desafio se inicia. Para a governança, podemos agora contar com o referencial do Quintuple Aim (criado pelo Institute for Healthcare Improvement – IHI, organização internacional sem fins lucrativos, referência global em segurança e qualidade), que em 2023 aponta que o acesso à saúde deve ter como base as seguintes premissas: (1) experiência do cuidado, (2) saúde populacional, (3) redução de custo per capita, (4) bem-estar dos(as) profissionais de saúde e (5) equidade nos resultados terapêuticos de saúde. Desde sempre estas 5 metas estiveram na premissa da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e demais políticas de equidade do SUS. É uma conquista dos movimentos sociais ter a equidade em saúde como um indicador para acreditação das instituições. A etapa do relatório do GT foi finalizada em 11/10/2023 (Rio de Janeiro, 2023). De modo sucinto o relatório recomenda a criação de uma Assessoria Técnica Especial no Gabinete da Secretaria que deve trabalhar no modelo de rede-teia, e apresenta o plano de metas do Programa. A teia, símbolo Adinkra Ananse- Ntont, que representa a complexidade da vida e a sabedoria necessárias à Rede de Atenção à Saúde (RAS) para o alcance dos propósitos constitucionais e democráticos do SUS. A teia do PMSIPN deve ser uma rede tecida pela gestão democrática, pela prática profissional ética, baseada em evidência e nos direitos humanos, igualmente pela participação social, em conformidade com toda a Rede de Atenção à Saúde (RAS) e, sempre que necessário, com a rede socioassistencial. A mensagem chave é: No enfrentamento das ideologias opressivas, toda atenção é pouca✊🏾 Participe (da organização comunitária, mais uma intervenção, ou de coalizão, também uma intervenção) e compartilhe nas suas redes (marketing social, é mais uma intervenção) esta iniciativa pela defesa de um direito humano fundamental – a saúde!