Ser jovem hoje - episódio 1 (programa)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco


Papo na Laje é um programa disponível em plataformas virtuais, como o Youtube, e na TV fechada (canal 6, Claro/NET) desenvolvido pelo site de notícias Brasil de Fato em parceria com a TV Comunitária do Rio de Janeiro.

Programa Papo na Laje - episódio 1
Programa Papo na Laje - episódio 1


Autoria: Equipe do Dicionário Marielle Franco

Sobre[editar | editar código-fonte]

Nascido e produzido por jovens militantes das periferias do Rio de Janeiro, o Programa Papo na Laje se apresenta como um programa televisivo interessado nas múltiplas experiências de protagonismo das juventudes de favelas e periferias do estado. Diante das diferentes linguagens da comunicação popular e comunitária, seus idealizadores promovem encontros entre diferentes atores com distintas inserções sociais para “resenhas” que se transformam em episódios temáticos. Como o nome do programa evidencia,  o cenário dessas resenhas é a favela, do topo das lajes das casas de moradores(as). Por isso, toda quinta-feira, às 18 horas, estreia um novo episódio no canal da TV Comunitária do Rio de Janeiro (TVCRio) e no YouTube, e o programa já está em sua segunda temporada de gravações. Dando destaque para a trajetória de cada um(a) dos convidados(as), o programa visa conhecer as ações e os sonhos que os movimentam, além de visibilizar organizações que já atuam nesses territórios, fortalecendo o contato e intercâmbio entre os movimentos sociais em atuação.

Juventudes: fazendo a gira girar[editar | editar código-fonte]

Ser jovem hoje - episódio 1 (live) - A reflexão sobre “ser jovem hoje” traz, neste episódio, várias das facetas das juventudes da atualidade. Juventudes mesmo, no plural. Para além de uma marcação geracional, que carregaria, em si, certas percepções de mundo, “ser jovem hoje” é também interagir com as continuidades e descontinuidades do passado, do presente e do futuro. É ser criança, ser adulto e ser velho. É, portanto, aprender com as lideranças e também com as “crias”, porque o futuro, na verdade, é o agora. E nós transitamos pelo tempo e pelo espaço. É isso que faz a gira girar!

A conversa realizada entre três jovens de uma mesma geração transcende o espaço temporal. É a partir de experiências compartilhadas como vivência favelada e os caminhos que se encontram e circulam neste percurso - que também é de potência, de luta e de construção de futuro -que as juventudes são construídas. É ser jovem e ser mãe. É ser jovem e ser do movimento estudantil. É ser jovem e ser trabalhador(a). Neste sentido, tanto as crianças são parte da construção, quanto os “velhos-jovens”, que são referência de luta e de organização comunitária. Até mesmo porque, para esses jovens, o olhar de quem vive no território é que faz a diferença, independente das gerações.

Com especial atenção para o protagonismo das juventudes durante a pandemia, assumindo as redes do território desde a entrega de cestas básicas à comunicação comunitária, o que é reivindicado por eles(as) é que são as juventudes que têm construído soluções de uma maneira mais democrática, pois, quando existem, as políticas públicas para favelas e periferias não contemplam as especificidades de cada território, e muitas vezes não atendem àquelas pessoas que reconhecidamente têm maior necessidade. O senso comunitário e a solidariedade que é mantida em torno dos territórios é o que faz a política acontecer. Afinal, são os jovens que sempre estiveram à frente dos grandes movimentos sociais no Brasil e fora dele. Nas favelas e periferias, o protagonismo atual é das juventudes.

Territórios: quem vive faz a diferença[editar | editar código-fonte]

A construção da identidade dos jovens está fortemente imbricada com o pertencimento ao território, como uma comunidade de sentidos, nucleada pelo conceito de cria. Cria é quem vive a favela, enfrenta cotidianamente seus  problemas, busca soluções individuais e coletivas para superá-los, estabelece uma teia de relações com outros moradores, sabe como os demais vivem o dia a dia, conhece as potências e inovações que emergem nos múltiplos coletivos e nos becos.

O conceito de cria articula a identidade pessoal com a memória coletiva, com as relações sociais, com os recursos existentes em um dado território, com as necessidades e com as potencialidades, com os dramas comuns com as organizações coletivas. É um conceito nucleador e mediador, que dá sentido aos sentimentos coletivamente compartilhados. São aqueles que falam e entendem a sua língua, de pessoas que não aprenderam a falar bonito e nem a ouvir bonito. A língua aparece como parte do processo de dominação na escola tradicional e como possibilidade de comunicação e aprendizagem quando os professores populares falam como os jovens das favelas.

Porém, a noção de território explode os limites geográficos quando ela é tratada a partir das identidades construídas ao longo das trajetórias de luta, das opções políticas e das contingências vivenciadas por cada um, em um processo que se constrói junto, mas não tem fim: Território Direitos Humanos, Território Artista de Periferia, Território Mãe Militante.

Enquanto o território físico e social, encapsulado pelo conceito de cria, demarca a separação entre o interior e o exterior, entre o dentro e o fora, entre o nativo e o estrangeiro, o território como identidade construída politicamente rompe barreiras físicas e sociais, cria novas possibilidades, redes de relações que englobam aqueles que juntos querem transformar a realidade.

A transversalidade cria/não cria diferencia os moradores daquelas pessoas que falam da favela mas não vivem a favela. Também inclui o Estado e suas políticas públicas que tratam de forma homogênea situações singulares, assim como mercado que vampiriza as inovações produzidas nas favelas, sem que haja retorno financeiro para os moradores. Já o território construído politicamente permite aos jovens favelados circular por outros espaços e criar novas inserções sociais, bem como trazer projetos para dentro da favela. Por fim, a articulação entre o território que delimita e o que explode os limites físicos possibilita entender as relações de desigualdade e exclusão a partir da chave do racismo estrutural e a possibilidade de mudança e fabulação de uma nova realidade a partir da construção do comum.

Militância: tirar a venda dos olhos[editar | editar código-fonte]

A reflexão sobre ser jovem hoje, neste episódio, aparece atravessada pelo processo de tomada de consciência sobre a complexidade da realidade que os cerca, e que na imagem trazida por eles é representada pela “retirada de uma venda dos olhos”. Tal processo é experienciado - em oposição à ideia de racionalizado - nos primeiros contatos com os movimentos sociais que acessam as juventudes, em especial os grêmios escolares e movimentos estudantis.

Tal experiência é relatada como uma espécie de choque que provoca um ímpeto de mobilização ao redor. Fala-se abertamente sobre a preocupação em contagiar e expandir essa experiência para as pessoas que vivem ao redor sem ter “noção do que se passa”, ou seja, sem desenvolver uma capacidade analítica que permita a construção de uma visão crítica sobre como processos sociais mais complexos - de natureza econômica, racial e política - estruturam e atravessam o dia a dia das populações faveladas e periféricas.

Nota-se também que a escola é o espaço preferencial desse despertar de consciência dos jovens sobre os problemas sociais, mas não de um ponto de vista moral ou estritamente didático: do ponto de vista do seu potencial agregador, de reunião das juventudes num mesmo espaço de socialização, que está longe de ser indisputado. Em oposição aos professores tradicionais que repassam a responsabilidade da formação ao interesse do próprio indivíduo, em sua fala, os jovens destacam a importância dos esforços de aproximação e de “tradução” da realidade realizados pelos educadores do campo popular. Numa perspectiva que endossa a concepção freiriana de educação, enfatiza-se a importância da utilização de múltiplas linguagens e de recursos artísticos variados no processo de ensino-aprendizagem que têm marcado iniciativas no campo popular tais como os pré-vestibulares sociais. E apontam que o diferencial entre esses espaços é precisamente o fato de que os educadores populares vêm do território, têm a mesma origem dos educandos e, portanto, tendem a apresentar maior sensibilidade às dificuldades que se apresentam ali, preocupando-se com a adaptação das linguagens utilizadas nesse processo.

Diante disso, torna-se evidente que os movimentos sociais desempenham um papel fundamental nesse processo de tomada de consciência política e social, que é, em si, tão doloroso quanto empolgante. Nas palavras repetidas por eles: “tão libertador quanto desesperador”, pois, diante do momento de tensão que o país vem passando, enxergar a realidade é um sofrimento que vem acompanhado de um forte senso de responsabilidade. O diálogo evidencia claramente a ideia de que “a militância é uma caminhada que não acaba mais” pois, uma vez retirada a venda dos olhos, a juventude percebe que sempre esteve à frente dos grandes movimentos da história e se pergunta o que é possível fazer pela sua própria comunidade e pelas próximas gerações.

Ação coletiva: a gente fazendo pela gente[editar | editar código-fonte]

O discurso dos jovens nesse episódio explicita a noção de que os moradores contam com a solidariedade, a organização e a responsabilidade diante das situações que os afligem. Na ausência das políticas públicas tiveram que enfrentar a pandemia com ações coletivas a partir de sua organização e do seu conhecimento da realidade.

É no cruzamento entre a política pública (praticamente ausente, que, quando ocorre, se faz de forma homogênea e inefetiva) com a ação filantrópica (que se supõe salvadora, mas que não sabe “quem é quem”) que se fortalece a identidade de cria. Cria, aquele que conhece as pessoas em suas singularidades – sabe quem precisa e do que precisa - e por isso pode desenvolver uma ação coletiva que atende as necessidades, respeita as diferenças e é respeitado pelos moradores que não tentam obter vantagens. Sua ação coletiva pode ser traduzida como o Olho no Olho: sabe que não adianta só distribuir cesta básica para uma senhorinha que não tem como carregar o peso, tem que levar a cesta até a casa dela.

Ao invés da filantropia que vem de fora com a pretensão de ser salvadora, surgem lideranças locais que iniciam ações capazes de revitalizar espaços públicos, incentivar a leitura, mobilizar as crianças em aulas de esporte. É o cuidado de quem se preocupa com o outro, o comum do pobre que se preocupa com o pobre, o Nós por Nós. Essa noção vai além da própria ação porque se fundamenta em um conjunto muito sólido de valores construídos a partir de uma vivência comum, uma experiência compartilhada na qual as pessoas se sentem dependentes dos demais e também responsáveis por eles. Não se trata de uma visão ingênua, já que percebem que muitas pessoas não têm noção das razões que os levam a viver assim, têm a venda nos olhos. No entanto, são capazes de se solidarizar com os demais.

A segmentação entre o que é dentro e fora – cria e não cria – delimita a separação entre a ação dos moradores da ação estatal e também a ação filantrópica. Isso não quer dizer que deixem de buscar melhorias por meio das políticas públicas e de projetos sociais para os moradores no território. Outra clivagem importante é a que se estabelece entre a produção local e sua apropriação pelo mercado. A favela produz arte, moda, música etc., mas o lucro não é apropriado pelos moradores, fica fora da favela. É um circuito que leva a produção para um circuito de consumo externo, no qual eles não detêm o controle. Os jovens da favela não aprenderam a falar em dinheiro.

O NÓS POR NÓS, portanto, embora potente, tem limites demarcados.

Desigualdade de sonhos: fabulando o futuro[editar | editar código-fonte]

Neste primeiro episódio da série “Papo na Laje”, os jovens em roda, ao falarem de sonhos, trazem como um dos elementos a “transformação da realidade”, ou seja, em seus discursos a ação lúdica e imaginativa está integrada à ação concreta. É o sonho como motor de mobilização e realização para a transformação da realidade em que se vive.

Mas o sonho aqui apresentado não se limita a uma mera ação individual, mas sim a uma ação que é fruto de um sujeito coletivo. O sonhar só encontra sentido e potência quando partilhado: sonhar junto, em roda, com a sua comunidade. E nesse sentido, o território e seus habitantes são uma das preocupações centrais do sonho coletivo desses jovens, se traduzindo, por exemplo, em “trazer projetos para a comunidade”, na preocupação com as crianças, com seus vizinhos e amigos.

Eles consideram que muitos desses conhecidos da sua comunidade possuem uma “venda nos olhos”, que limita a existência à rotina de trabalho, escola e casa, tendo uma ausência de outras perspectivas. E aí a desigualdade dos sonhos surge como uma crítica, porque os sonhos da “zona sul” da cidade, lá no asfalto, são diferentes dos sonhos da favela, onde muitas vezes não são apresentadas oportunidades de uma existência além da rotina ordinária. Mas para isso, mais uma vez, a solução é o “sonhar junto” para transformar a realidade.

O sonho de uma cidade mais acolhedora, onde as crianças possam brincar em segurança nas ruas aparece também nas falas dos jovens. Aliás, as crianças são citadas recorrentemente ao longo do episódio, e em especial quando se fala dos sonhos, como uma representação simbólica desse sonhar e do futuro que se presentifica. E são crianças que também sonham, como o sonho de uma delas partilhado no episódio de, quem sabe um dia, poder saborear, toda semana, estrogonofe e bolo de abacaxi no lanche da escola?

O episódio[editar | editar código-fonte]

Convidados: Palloma Soares e Patrick Pereira.

Apresentadora: Juliana França.

Ficha técnica[editar | editar código-fonte]

Direção Colegiada Moysés Corrêa

Sistema Brasil de Fato RJ Coordenação Geral Rodrigo Marcelino

Coordenadora Editorial Mariana Pitasse

Produção Executiva Amanda dos Santos Costa

Direção e Roteiro Dieymes Pechincha

Produtora de Conteúdo Sintropia Produções

Direção de Fotografia Chico Brun

Edição Tuany Zanini

Som e Trilha Sonora Chico Brun

Still João Victor Portugal Stefano Figalo

Programação visual Giulia Santos Juliana Braga

Pesquisa Clivia Mesquita

Reportagem Jéssica Rodrigues

Operadores de câmera Chico Brun

Assistência de câmera Tuany Zanini

Correção de cor Tuany Zanini

Designer de som Chico Brun

Produção de locação Amanda dos Santos Costa

Motorista Luiz Roberto Machado

Conselho Político Breno Rodrigues Caroline Barbosa Rufino Otavio Cleverson Portilho Dieymes Pechincha Dulce Pandolfi Fernando Veloso Itamar Silva Leonardo Nogueira Nilza Valéria Ricardo Pinheiro Rodrigo Marcelino Taiso Motta Tayane Cardoso Tuany Zanini

Associação Lima Barreto Educação e Comunicação Captação de projetos Fernando Veloso

Coordenação Administrativa Aline Bernardino

Agradecimentos Morro do Guararapes LC do Corte Lelo Reis Flavinho

Morro da Formiga Carol Sousa

Morro da Caixa D’água Vagner da Quentinha Vavinha e Bodinho da laje Júnior Cabeça Laudelina Dias Patrícia Amalia

Ver também[editar | editar código-fonte]