Sustentabilidade e ação ambiental nas favelas

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Iniciativas sustentáveis nas favelas brasileiras incluem a campanha que transforma óleo reciclado em cestas básicas, o uso de energia solar no Vidigal, a Horta-Escola Comunitária Maria Angu na Favela da Kelson's, e o biossistema de saneamento ecológico do Vale Encantado, que trata 100% do esgoto da comunidade. Esses projetos, envolvendo reciclagem, energia renovável, agricultura urbana e saneamento ecológico, destacam-se como modelos de práticas sustentáveis em áreas urbanas vulneráveis. Conheça iniciativas sustentáveis protagonizadas pelas favelas e periferias brasileiras!

Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco.

Iniciativas[editar | editar código-fonte]

Campanha transforma óleo reciclado em cestas básicas[editar | editar código-fonte]

A campanha “Seu óleo de cozinha usado pode transformar vidas”, realizada pelo G10 Favelas em parceria com a OXMA, segue em vigor com o principal objetivo de engajar bares e restaurantes para darem um destino correto às grandes quantidades de resíduos de óleo, contribuindo também para as doações de cestas básicas.[1]

De acordo com Gilson Rodrigues, presidente do G10 Favelas, a adesão dos restaurantes à campanha, fazendo o descarte correto de óleos, além de contribuir para a preservação do meio ambiente, evitando problemas nas redes de esgoto das cidades, ajudam famílias em situação de insegurança alimentar. “Para cada litro de óleo coletado, a OXMA doa recursos ao G10 Favelas para ações de combate à fome”.

“Somos agentes de transformação e nosso propósito é de impacto socioambiental. Queremos conscientizar mais proprietários de bares e restaurantes sobre a importância do descarte correto de toda essa matéria-prima, evitando danos ao meio ambiente. E com o G10 Favelas estamos fazendo a diferença, os recursos gerados, a partir da coleta desse material, serão destinados a ajudar centenas de famílias em situação de insegurança alimentar”, explica Murilo Bachiavini Marcondes, CEO da OXMA.

A expectativa é que mais bares e restaurantes passem a fazer parte dessa parceria e descartem todo o resíduo de óleo de cozinha corretamente. A campanha teve início no estado de São Paulo e já tem grande potencial de expandir para todo o país. Os restaurantes participantes recebem ainda o selo de responsabilidade social “Coleta Sustentável e Impacto Social” emitido pela OXMA.

Energia solar no Vidigal[editar | editar código-fonte]

Projetos de energia solar já existem em outras favelas da Zona Sul carioca, como no Chapéu Mangueira e na Babilônia, ambos no Leme, e no Santa Marta, em Botafogo. Os sistemas instalados nesses territórios mostram como a energia solar não só é possível, como é desejável nas favelas, territórios com grande potencial para a geração desse tipo de energia. Existem, no entanto, alguns desafios para a sua implementação, como os custos dos equipamentos, a necessidade de uma infraestrutura que suporte o peso dos painéis solares e, ainda, o bom funcionamento do sistema regular de energia, fornecido pela Light.[2]

O sistema de energia solar funciona de forma integrada à rede comum de eletricidade. A energia captada pelos módulos fotovoltaicos, como são chamadas as placas, entra na rede onde o sistema é instalado. Uma parte é usada por aparelhos elétricos ligados na mesma hora. O excedente entra na rede da concessionária, por onde é redistribuído. Toda a energia gerada se traduz em descontos na conta de luz.

O equipamento instalado na ONG Ser Alzira é fruto da doação de uma empresa do setor de energia solar. A oportunidade chegou por intermédio de Hans Rauschmayer, especialista no tema, fundador da Solarize Treinamentos e integrante do Grupo de Trabalho (GT) de Justiça Energética da Rede Favela Sustentável (RFS), além de outras empresas parceiras.

Inauguração do sistema de energia solar aconteceu em dezembro de 2021. Foto de Aline Fornel.
Inauguração do sistema de energia solar aconteceu em dezembro de 2021. Foto de Aline Fornel.

A intenção é que a instalação do sistema fotovoltaico no Ser Alzira seja apenas um primeiro passo. Além de inspirar outras instituições e os próprios moradores, a proposta é pensar formas de viabilizar cursos técnicos de instalação de painéis solares, como ocorreu em outras favelas. Assim, haveriam pessoas na própria comunidade aptas para realizar manutenções e novas instalações dentro e fora do território. Para este sonho se tornar realidade, no entanto, é necessário conseguir recursos para baratear ou disponibilizar o curso de forma gratuita aos moradores do Vidigal.

A produção de eletricidade por meio da energia do sol não gera emissão de gases poluentes. Por isso é chamada de energia limpa. A energia solar é, também, um tipo de energia renovável, por não ter origem em recursos finitos. É, portanto, um tipo de energia visto como aliado ao meio ambiente e não prejudicial à saúde humana. Pouco a pouco, esse tipo de geração tem se popularizado nas favelas cariocas por meio do treinamento de moradores, instalações de baixo custo e, também, por conta do trabalho de educação ambiental de coletivos e lideranças comunitárias.

Ser Alzira de Aleluia sabe bem quais são os pontos positivos de receber a energia solar e já projeta a ampliação do sistema para o futuro. O sonho é construir uma usina solar fotovoltaica no Vidigal. A meta parece ambiciosa, mas projetos como esse já vêm sendo desenvolvidos em favelas próximas, como no Morro da Babilônia, no Leme.

“Nós estamos tendo a coragem e a ousadia de pensar em uma usina elétrica para atender o maior número de pessoas na favela. Estamos nos preparando, porque as leis estão sendo feitas para beneficiar as usinas de pequeno porte e, assim, quem sabe, possamos atender a nossa comunidade. Esse é o objetivo daqui a alguns anos.” — Elma de Aleluia, uma das fundadoras do Ser Alzira de Aleluia

Horta-Escola Comunitária Maria Angu[editar | editar código-fonte]

Em 2021, Walmyr Júnior, professor e e fundador da Horta Comunitária Maria Angu e seus companheiros começaram a sonhar com a criação de uma horta na comunidade da Favela da Kelson’s, no Complexo da Maré. Isso só foi possível através de uma organização horizontal de vários atores sociais que se uniram em prol da elaboração de um projeto para ser enquadrado no edital interno do Instituto de Estudos Avançados em Humanidades (IEAHu) da PUC-Rio.[3]

Com o recurso em mãos, convocaram diversos colaboradores voluntários para construir os canteiros e mobilizar a nossa comunidade a participar do projeto. Uma das atividades de mobilização que vale destacar foi a celebração do dia das crianças em 12 de outubro de 2021. O objetivo foi aproximar as crianças da favela da história do local onde vivem. Os voluntários fizeram uma caça ao tesouro em que as pistas falavam sobre locais importantes da comunidade e o tesouro foram mudas de árvores nativas da Mata Atlântica para serem plantadas na comunidade pelas crianças. Além dessas plantas serem comestíveis, o que também ajuda na segurança alimentar da comunidade, elas ajudam a reduzir o impacto do déficit arbóreo no território, reduzindo os impactos das mudanças climáticas e das ilhas de calor.

A ação do grupo entra em cena com o intuito de promover essa relação de aproximação entre o alimento e quem o consome. Após a mobilização da comunidade, iniciaram a construção de uma horta-escola, urbana, orgânica, agroecológica e comunitária para o desenvolvimento da temática socioambiental no território.

Chamaram a iniciativa de Horta Comunitária Maria Angu. A escolha do nome vem do resgate da memória da favela homônima na Leopoldina, que, em 1964/1965, sofreu com remoções promovidas pelo governo Carlos Lacerda, que a extinguiu totalmente. Seus moradores foram removidos para a Vila Kennedy, na Zona Oeste, para casas ainda em construção na época.

Crianças plantando mudas na Horta-Escola Comunitária Maria Angu. Foto Maria Helena Pereira da Silva


Iniciamos o projeto da horta para garantir alimento orgânico plantado e colhido na comunidade, facilitar a relação dos moradores da favela com o meio ambiente e promover o envolvimento da comunidade com mecanismos sustentáveis e ecológicos. Tudo isso ajuda a proporcionar uma melhor qualidade de vida e bem-estar para a população favelada, a garantir a segurança alimentar, e a capacitar agentes comunitários de transformação, para intervirem no território de maneira a contribuir para o desenvolvimento socioambiental e humanitário do território e de nossos moradores. Esses objetivos são imprescindíveis para despertar na população o desejo de plantar o que se come e de consumir o que é saudável para seu corpo.

Nossa dinâmica participativa incentivou moradores a desenvolverem um olhar mais proativo em relação às soluções para demandas socioambientais locais. A aproximação com a natureza fortalece os laços e a organização comunitária, além de proporcionar o desenvolvimento de habilidade no plantio e construção de hortas em formatos verticais através de oficinas realizadas pela equipe.

No curso do desenvolvimento da horta, entre o primeiro e o segundo plantio, colhemos beterraba, alface, couve, salsinha e cebolinha, coentro, beringela, quiabo, jiló, rúcula e agrião. A comunidade pôde ver os alimentos orgânicos crescerem e serem distribuídos após a colheita para duas creches da comunidade. Levamos também duas atividades socioambientais para as crianças das mesmas creches beneficiadas pelas colheitas. A distribuição de alimentos que estruturamos fortalece as redes de cooperação locais e garante a entrega de alimentos produzidos na favela para a própria comunidade.

Biossistema de saneamento ecológico do Vale Encantado[editar | editar código-fonte]

Biossistema de saneamento ecológico do Vale Encantado.

O Vale Encantado, comunidade situada na Floresta da Tijuca, Rio de Janeiro, considerada como incubadora de práticas sustentáveis inaugurou em junho de 2022 um biossistema para tratamento de todo o esgoto da comunidade e painéis solares na sede cooperativa local. Esses dois projetos, bem como os demais que existem na comunidade, contaram com a participação, a qualificação e o trabalho dos moradores que, há décadas, buscam sua subsistência de maneira sustentável. Os lançamentos do biossistema interligando toda a comunidade e dos painéis solares representam mais uma conquista do Vale, que já é considerado um modelo a ser seguido por outras favelas.[4]

Assim, o biossistema começou a ser construído em 2015, através de uma parceria com os pesquisadores da PUC-Rio, que ganharam um edital da FAPERJ. Com esse recurso, construíram um biodigestor de porte e tamanho apropriados para tratar o esgoto de todas as casas da comunidade. Porém, neste primeiro, por falta de recursos, só completaram a conexão de cinco casas ao sistema, apesar da capacidade de tratar o esgoto de todas as 27 casas da comunidade.

Em 2021, a Rede Favela Sustentável (RFS), através da organização gestora Comunidades Catalisadoras (ComCat), e o Instituto Ambiente em Movimento, através da ONG Alemã Viva Con Agua, com a parceria técnica da Taboa Engenharia, atraíram os recursos para conectar todas as casas do Vale Encantado à rede de saneamento ecológico.

Com a inauguração em junho de 2022, o sistema entrou completamente em funcionamento, interligando a todas as casas e tratando 100% do esgoto da comunidade. O Vale Encantado tornou-se a primeira favela com 100% de esgotamento ecológico no Rio de Janeiro.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas e referências[editar | editar código-fonte]