Valmiria (entrevista)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social. Neste episódio, a conversa é Valmiria.

Autoria: Material de pesquisa do Projeto do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao Dicionário de Favelas Marielle Franco.

Entrevista[editar | editar código-fonte]

Transcrição da entrevista[editar | editar código-fonte]

Militância política[editar | editar código-fonte]

Sou Valmiria, sou moradora há muitos anos de Jacarepaguá, desde 1981, uma das fundadoras da Associação do Tanque. Nesta época ingresso no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), que tinha uma função muito interessante- a luta pela libertação de Cláudio Campos, que estava preso pela lei de segurança nacional. Tínhamos uma ação junto à população de levar esta história. Posterior a isso, continuei militante e detectei que em Jacarepaguá havia um grande conflito pela questão da terra e decidi que esta seria a minha trincheira de luta.

Nessa época, na década de 80, havia a questão da grilagem da terra, hoje se fala em milícia, num poder paralelo, mas naquela época também havia perigo. Na Baixada, por exemplo, havia grupos de extermínio. Mas aqui na região de Jacarepaguá a própria questão da polícia institucional- ela também tinha seus tentáculos na especulação- visto que tinham pessoas que possuíam um acesso enorme nos batalhões, e era uma luta muito desigual. Porque você não estava com uma força armada, você era militante, você tentava convencer pela força da luta e da necessidade da luta. Você não tinha outros aparatos que precisava. Apesar de que também naquela época a gente podia contar com alguns segmentos da sociedade civil, que muito nos auxiliavam. Tínhamos uma retaguarda e também tinha um corpo jurídico de terra muito interessante que era Walter Elizio, Baldez, Florinha, então nós estávamos, assim digamos, tínhamos uma retaguarda que a gente podia contar. Não sei se a gente pode falar isto, mas naquela época, na década de 80, na questão da grilagem da terra- hoje você fala milícia que tomam conta, mas antigamente não era tão diferente, porque tinha o poder paralelo nesta história. Na Baixada tinham os grupos de extermínio, mas em Jacarepaguá a polícia institucional se envolvia na especulação pois tinha grileiro que tinha acesso junto aos batalhões, junto com os coronéis e a luta era muito desigual. Naquela época podíamos contar com Eliomar Coelho, com a Regina Gordilho, com a irmã dela advogada, que ajudou na libertação de alguns moradores que estavam presos no alto do morro pela PM, inclusive o Jorge da Costa, na Covanca.

E a polícia, esperando anoitecer, porque eu não sei, mas contamos com a irmã da Regina Gordilho. Ela conseguiu libertar eles. Naquela época a polícia temia os advogados. Então nós tínhamos esse alicerce tanto da defensoria pública – que sempre nos atendeu muitíssimo bem, mas também viviam despencando porque o estado…é um estado burguês, que realmente não está aí para resolver as questões da população, porém tem servidores muito comprometidos com as causas populares. Por exemplo Baldez, Elizio e Florinda.

Especulação[editar | editar código-fonte]

Mais para frente, moro hoje no Curucica, e a gente vê o Boom da especulação imobiliária no Curicica, no Camorim. Os mega prédios, que descaracterizaram totalmente a região de Jacarepaguá- porque tinha um planejamento na questão da postura   de edificações e isto foi totalmente pro espaço. Hoje você não respeita mais o habite-se, hoje tem prédios de 30 andares, numa região que não cabia isso, no seu plano original.

Hoje nós estamos num retrocesso político muito grande porque está aí a especulação- o pessoal está sendo deslocado- a questão da Vila Autódromo- felizmente ali tem uma resistência muito grande. A Vila Autódromo sempre é a bola da vez, porque é um local de muita preciosidade a nível econômico e resiste. Acho que a gente deve dar todo apoio- imagino que devem ter batido nas portas deles pessoas ameaçando de morte, porque na nossa região, a gente sabe que isto é mais cotidiano, essa questão.

Ameaças[editar | editar código-fonte]

Já tive medo, no início da década de 90- inclusive tive um embate forte com um grileiro da Covanca, que tinha entrada no 18º Batalhão. Primeiro ele me chamou para conversar: “Valmiria, eu acho que você não precisa disso. Puxa, a gente pode fazer um acordo”. Eu falei: “Cara, como fazer um acordo com você, não tem como”. “ Aí você vai sair perdendo. Você é uma mulher. Eles são radicais. Pensa nos seus filhos. Como você pode dar uma vida boa para eles.”. Eu disse: “Não, essa não vai ser a minha”.

Resumindo, depois desta conversa com este grileiro e de não aceitar um acordo com ele, eu realmente tive que andar com pessoas tomando conta de mim. Eu tinha um companheiro, que aonde eu ia, ele ia. Naquela época eu morava ao lado do 18º Batalhão, na Estrada do Pau Ferro. Lá tinha um coronel, ele era servidor público, mas tinha uma questão política com seu grileiro lá, que bancava eles. Acho que o tráfico tem o arrego, mas o grileiro também tem o arrego. Era difícil.

Eu andei durante 2 anos, com uma pessoa sempre tomando conta de mim. Não vou dizer o nome, para não expor.

Manifestações[editar | editar código-fonte]

Eu faço parte das manifestações, a princípio veio com um estouro muito grande, uma coisa deu na cabeça da sociedade e ela foi para a rua protestar, até então era o aumento da tarifa, mas depois vimos que eram outras manifestações e houve um momento que eu temi pela democracia no Brasil. Eu temi.

Porque parecia uma coisa assim, eu estou no meio da manifestação, a gente tem roupa, leva vinagre e aí teve momento e a mídia capturou isso para seu interesse próprio, ou seja, para desmontar o processo democrático. Nós vivemos no estado de direito democrático no nosso país. Então eu vi que parecia que ia ter um golpe, que poderia dar uma guinada à direita, mas depois ao mesmo tempo, com a opressão que teve, teve muita violência, principalmente no Norte e Nordeste do país- foram muito violentos na repressão…e aí as redes sociais também ajudou a perceber, que ali poderia estar incutido um outro sistema e então desmontou uma intenção que poderia estar por trás- eu tive essa impressão.

As manifestações estão aí. Estamos fazendo manifestação “Fora Cabral”, “Fora Eduardo Paes”- dois governos que não representam a população. Eles representam o empresariado, a especulação, os megaeventos. Mas nas manifestações também têm infiltrados que quebram bancos, que roubam, que não é genuíno da manifestação política, porque nós nas manifestações, nunca foi para uso próprio, para questões pessoais. Sempre foi coletivamente por um ideal. Hoje, este comportamento, com meus 30 anos na luta é uma novidade- roubar, quebrar banco. Mas a gente sabe que tem manifestantes que estão reivindicando o direito sagrado de viver com dignidade. Mas eu apoio e vou quando posso.

Os governos também refletiram um pouco, botaram o pé no freio, porque estavam muito à vontade.

Eu acho que a retomada da Aldeia Maracanã é uma pequena vitória. O rumo do governo Sérgio Cabral de não derrubar a escola no complexo do Maracanã foi importante. Também precisamos de muito mais. Aqui em Jacarepaguá, por exemplo, a gente tinha a Escola Silveira Sampaio que é referência em esporte e ia ser derrubada. Fomos fazer uma manifestação lá, dar um abraço na escola e não tinha ninguém lá. Mas nós ficamos sabendo através da Subprefeitura que a escola não vai ser mais derrubada, que mudaram o traçado da BR que estão fazendo.

O que me move?[editar | editar código-fonte]

Eu sou militante partidária. Essa coisa nos renova sempre. Eu era do 8, depois fui para o Partido dos Trabalhadores, e hoje estou no Partido Comunista. Essas coisas nos movem, porque nada está resolvido, tudo está para ser feito ainda. Então essas coisas realmente me movem, para continuar na luta. Porque isto é coisa da juventude. Eu tenho 58 anos, tenho 4 netos e 1 neta de 17 anos e continuo na luta.

Hoje tem a questão do Horto e a gente está lutando lá com a Emília. Cada dia tem uma luta e a gente não pode parar de lutar, não dá para ir pra casa ver novela. Não dá só cuidar de neto. Eu cuido de neto e tenho a militância. Ontem fui a uma reunião do coletivo de mulheres do meu partido, levei minha neta de 6 anos, minha filha tinha que trabalhar e não tinha com quem deixar.

O compromisso é com a humanidade.

Veja também[editar | editar código-fonte]