Morro do Andaraí

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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O Morro do Andaraí é uma favela situada no bairro do Andaraí, na zona norte do Rio de Janeiro e junto com outros favelas vizinhas faz parte do Complexo do Andaraí. Surgiu em 1930 nas encostas do bairro, onde também foram criadas, progressivamente, a Favela do Arrelia (1891), Morro do Andaraí (1930), Buraco Quente e Jamelão (1941) e Morro do Cruz (1950).

Autoria: Informações do verbete reproduzidas, pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco, a partir de dados secundários da internet.
Vista do Morro do Andaraí.

História

Autoria: Darci Beira Silvério, Nancy de Oliveira e Mara Fernandes, através de depoimento para o projeto Condutores de Memória[1].
Crianças no Morro do Andaraí.

Primórdios

Localizado no bairro de mesmo nome, o Morro do Andaraí teve sua ocupação ainda no início da década de 1930. Sua denominação é de origem tupi, sendo uma corruptela de andirá-y, que significa “rio dos morcegos” ou “rio que não nasce da queda”. Esse rio descia as encostas da Serra do Andaraí e se estendia pelos seus dois vales, Andaraí Grande e Andaraí Pequeno, onde abundavam frutas silvestres que atraíam os morcegos para suas margens. Posteriormente, o nome do principal rio da região mudou, mas as referências que deram origem ao nome do local permaneceram vivas na memória.

O atual bairro do Andaraí foi o que restou do Andaraí Grande e, originalmente, fazia parte de uma grande faixa da terra, a Sesmaria do Iguaçu, doada aos padres jesuítas por Estácio de Sá, ainda em 1565. Nessa região, os jesuítas cultivaram a cana-de-açúcar e construíram vários engenhos de açúcar. Posteriormente, com a saída dos jesuítas, os engenhos foram substituídos pelas fazendas de café. Assim, até o início do século XIX, essa região ainda mantinha suas características rurais. Com a decadência da cultura cafeeira, as fazendas foram divididas e o perfil do bairro começou a se alterar. Já no fim do século XIX, o bairro começou a ser ocupado por várias fábricas e passa a se caracterizar como bairro operário, a partir da construção de vilas operárias como alternativa de moradia para a população trabalhadora atraída para a região. Mas muitas dessas pessoas não encontraram moradia nessas vilas operárias e nem tinham condições de pagar o preço do aluguel que passou a ser cobrado no bairro. Desse modo, começaram a ocupar as áreas de encosta da região, entre elas o Morro do Andaraí.

Seu Darci, um dos moradores mais antigos do morro, lembra em , que onde existe hoje o Morro do Andaraí havia uma fazenda que foi desapropriada, cujas terras passaram a ser controladas por “grileiros”. Ele conta que as terras foram divididas: uma metade era controlada pelo Baita e pelo Bernardinho; a outra, pelo seu Candinho. Conta também que seu pai pagava aluguel pelo terreno onde havia construído um barraco, e, mesmo quando ele morreu, a família continuou o pagamento até conseguir finalmente comprar o terreno.

Mudanças do tempo

As moradoras Mara Fernandes e Sônia Guida se lembram com orgulho das experiências vividas pela comunidade. Contam que, ao longo dos anos, muitas coisas mudaram: as casas de madeira foram, aos poucos, substituídas pelas casas de alvenaria, os caminhos de barro foram pavimentados, as bicas d’água se transformaram em redes de água encanada, e as valas negras, por sua vez, em redes de esgoto. Lembram-se das latas d’água na cabeça e de todas as lutas travadas pela melhoria das condições de vida. Essas lembranças reforçam o espírito de solidariedade que unia todas as pessoas que lá moravam nessas conquistas.

Mas, apesar dos problemas, as pessoas do Morro do Andaraí também se recordam de que aquela era uma época ainda mais tranqüila, quando a qualidade da educação oferecida pelas escolas públicas era garantida, e o emprego ainda era mais fácil. Lembram-se da importância e da antiguidade da atividade fabril no bairro e das possibilidades de emprego que a região da Grande Tijuca oferecia por meio das fábricas que funcionavam nas redondezas como a Confiança, a América Fabril, além da Brahma e da Souza Cruz, entre outras.

Eu tenho 71 anos e moro no Morro do Andaraí desde 1931. Fui fundador do Clube Santo Agostinho e tenho parente no centro do morro. Meus pais vieram para o Andaraí em 1915 [...]. Quando meu pai chegou, só havia duas casas aqui, e a nossa foi a terceira. Naquele tempo não existia nada, era tudo mato. As casas eram feitas de estuque [...]. Essa água que existe hoje naquela época não existia. Em 1942 teve um surto de tifo muito grande na rua Santo Agostinho e morreram duas pessoas. Em 1969 foi fundada a Associação de Proprietários do Morro do Andaraí [...]. Eu trabalhei na América Fabril por 38 anos, coisa que ninguém mais consegue hoje em dia. Naquela época, se a gente saísse do emprego, no dia seguinte já estava empregado. Havia muita fábrica aqui no Andaraí e nós não ficávamos desempregados. Darci Beira Silvério, Morador do Morro do Andaraí e fundador do Clube Santo Agostinho.

Antigamente se comia farinha com café, no café da manhã. Hoje, nós comemos pão com manteiga e outras coisas. Nós perdemos muitas indústrias de nossa região, como a companhia de cerveja Brahma, que era na rua José Higino, a fábrica Confiança na Maxwell, a companhia América Fabril. Tinha ainda a fábrica de projétil e armamentos, outra fábrica que era na rua Ferreira Pontes, onde agora é o Banco do Brasil, tínhamos a Merck do Brasil, que foi para Jacarepaguá. Tivemos também a fábrica de tecidos e rendas na rua São Miguel, que acabou, e perdemos também a Souza Cruz, que oferecia muito emprego para a comunidade [...]. Minha mãe se casou na rua Leopoldo e eu vim morar no Morro do Andaraí com um ano de idade. Aqui tive meus filhos e meus netos. Somos três irmãos e nós sempre moramos aqui [...]. Entre 1942 e 1945, minha irmã conseguiu trazer o secretário de Saúde, dr. Guilherme Romano, aqui no morro. A água que nós usávamos, que era da rua Santo Agostinho, vinha de um rio onde era despejado esgoto, porque o morro estava crescendo muito. Nessa época, houve um surto de tifo no morro. Nancy de Oliveira, Moradora do Morro do Andaraí.

O lobisomem do Andaraí

Entre todas essas lembranças, também havia muitas histórias pitorescas e curiosas, que povoavam o imaginário local. Entre elas, a história do lobisomem do Andaraí. Segundo seu Darci Beira Silvério, certa vez algumas pessoas da comunidade resolveram fazer uma festa junina em noite de lua cheia e decidiram que, naquele dia, pegariam um tal lobisomem que andava rondando por ali. Sentaram-se na esquina da rua Diogo e aguardaram. Então, desceu seu Angenor, irmão de d. Bernardina, que morava no número 463. Ele pegava de madrugada no trabalho e, ao passar pela turma de prontidão, perguntou o que o grupo fazia por lá aquela hora e recebeu a pronta resposta: “Hoje, nós vamos pegar o lobisomem!”. Seu Angenor desceu a rua e, algum tempo depois, pôs o paletó na cabeça e começou a subir o morro “de quatro”. Ele conta que foi uma correria só e não ficou ninguém para contar história

O Grêmio Recreativo

Outra referência importante para moradores e moradoras do Andaraí é o Grêmio Recreativo Santo Agostinho. Lembram-se de que, embora o clube tenha sido fundado em 21 de abril de 1967, sua história começou bem antes, em novembro de 1949, embaixo de uma árvore, uma mangueira, no alto da rua Santo Agostinho. O primeiro presidente de honra foi o sr. José Marquês de Oliveira, mais conhecido como Zé Boas Condições. Seu Darci lembra-se de que a primeira sede do clube foi construída com doações de moradores e moradoras e com recursos do bingo organizado por ele. Importante local de sociabilidade para as pessoas do local, o Grêmio Recreativo Santo Agostinho também traz em sua história as marcas das conquistas da comunidade.

Eu acho que antigamente o pessoal tinha mais consciência política, em termos de querer um país melhor, uma condição de vida melhor. Hoje as pessoas não ligam muito para isso [...]. Muitos querem um país melhor, condições de vida melhor, mas não lutam para isso. Hoje em dia poucos jovens têm essa vontade. Mara Fernandes, Moradora do Morro do Andaraí.

Primeira comunidade do Favela-Bairro

A comunidade foi a primeira a ter um plano de urbanização em 1994, quando surgiu o programa Favela-Bairro. Trinta anos depois, as melhorias de infraestrutura, habitação e serviços sociais são lembranças distantes de um raro momento de intervenção do Poder Público. Sem manutenção e novos investimentos, os problemas se multiplicam no ritmo de crescimento da população.

Reprodução do projeto piloto do programa Favela Bairro, que completa 30 anos - Foto Fernando Frazão,Agência Brasil

“O plano piloto de 94 foi desenhado para uma comunidade que tinha cerca de 5 mil pessoas. No último levantamento, de 2010, já eram 30 mil. Agora, deve ter muito mais que isso, uns 40 ou 50 mil. Tudo ficou completamente defasado. As vias estão sobrecarregadas, as partes de esgoto e pluvial nunca foram modernizadas. Nada teve manutenção e, com esse crescimento desordenado da comunidade, tudo foi só piorando”, analisa Fernando Pinto, presidente da Associação de Moradores e Amigos do Morro do Andaraí (Amama).

A cozinheira Maria Elisabete conta que, em meio à situação precária, é o espírito de coletividade que ajuda a comunidade a se manter de pé.

“O maior problema aqui é a falta de água. É a reclamação que mais ouço. Felizmente, tenho a sorte de morar em um lugar onde quase nunca falta. E as pessoas vão tentando se ajudar. Eu ofereço a minha casa para o pessoal tomar banho e resolver outras coisas. Sem falar nas questões de esgoto. Quando cai qualquer chuvinha, os ralos entopem”, disse Elisabete.

Escola Comunitária

O Morro do Andaraí também foi vanguarda quando abrigou a primeira escola comunitária, encampada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, nos anos de 1980:

Atualmente

Conheça mais sobre o Morro do Andaraí abaixo:

Instituições e grupos locais

O Morro do Andaraí conta com instituições locais atuantes, como a associação de moradores, além de projetos culturais e artísticos e grupos com atuação social. Conheça mais abaixo:

Ver também