Renato Dória (entrevista): mudanças entre as edições
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Material de pesquisa do Projeto do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao '''Dicionário de Favelas Marielle Franco'''. | |||
[[File:Renato Instituto Histórico Jacarepaguá.jpeg|thumb|center|600px|Renato Instituto Histórico Jacarepaguá.jpeg]] | A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz- Mata Atlântica, em parceria com a Cooperação Social da Fiocruz. Nesse episódio, o entrevistado é Renato Dória, membro do Instituto Histórico de Jacarepaguá. [[File:Renato Instituto Histórico Jacarepaguá.jpeg|thumb|center|600px|Renato Instituto Histórico Jacarepaguá.jpeg]] | ||
== Entrevista == | |||
== Entrevista | |||
{{#evu:https://www.youtube.com/watch?v=MNeeyIOguDw}} | {{#evu:https://www.youtube.com/watch?v=MNeeyIOguDw}} | ||
== Transcrição da entrevista == | == Transcrição da entrevista == | ||
Quero deixar claro que eu posso falar de Jacarepaguá porque eu tive oportunidade de participar de algumas pesquisas junto com o professor Leonardo da UFF (Universidade Federal Fluminense) que atualmente está no grupo de História Local. E foi um grupo pioneiro que estuda as lutas por terras em Jacarepaguá, quando aqui era periferia rural da Capital Federal. Antes de ser o Estado da Guanabara, e de ser transferida para Brasília. | |||
== História de Jacarepaguá == | |||
Jacarepaguá e toda zona oeste era região que abastecia a cidade do Rio de Janeiro de várias mercadorias – e produtos artesanais, gêneros alimentícios. E era conhecido como sertão carioca. O cinturão verde do distrito federal. | |||
Os principais conflitos deste período foram na década de 40, um pouco depois da legalização do partido Comunista do Brasil. Um tempo depois este partido deu uma contribuição muito relevante para organização dos lavradores e pequenos produtores da região de Jacarepaguá e Zona Oeste – eles tiveram muita importância para ajudar na organização destes grupos de pequenos lavradores, pequenos agricultores, na luta pela terra, que foi muito explosiva, muito sangrenta, teve muita morte. Os jornais de grande circulação e pequena circulação noticiam sobre isto assim de forma bastante rica. Manchetes de Jornais. Estes conflitos explorem 45 em diante. Quando o partido comunista é legalizado e durante os dois anos que ele fica legal eles organizam comitês populares democráticos, com pauta mínima. E na sua maioria eram as pautas dos moradores locais. E ia desde serviço básico de esgoto até pauta de reforma agrária, regularização fundiária, reconhecimento dos posseiros como os legítimos donos da terra. | |||
Nestes períodos esses posseiros estavam sendo ameaçados de despejo por bancos: banco de crédito móvel, companhias de saneamento, companhia imobiliária, particulares, neste período que vai da década de 40 a 60. Pós 64 é um período de muitos conflitos pela posse da terra numa região predominantemente rural. E por causa desses conflitos, a estrutura fundiária se altera, de uma configuração rural, mudando bem lentamente para uma estrutura do tipo urbana. Tendo em vista os despejos essas terras vão sendo estocadas e depois loteadas, fracionadas, e depois ocupadas por moradias, comércio. E esse uso mais rural vai desaparecendo. Mas permanece, nas partes mais próximas do maciço da Pedra Branca ainda mantém muito forte essa atividade rural, agrícola. Não se extinguiu totalmente. | |||
== Os conflitos pela terra == | |||
E aí já na década de 70 mais ou menos, tem já alguns conflitos pela posse da terra, mas na perspectiva da moradia. Porque as obras do antigo Estado da Guanabara, muitos investimentos são feitos na região. | |||
Uma das primeiras favelas removidas da região neste período – foi uma que existia na Via 9 – atual Avenida Ayrton Senna – ali haviam só barracos e foram removidos em 1972, mais ou menos. Surgem nesta época os conflitos de terra por moradia. E muda a forma de organização. E a maioria desta luta são moradores de favelas. Isto vai de 70, 80, 90 até hoje. E tem momentos que isto se intensifica no período do Estado da Guanabara, mas aqui não tinham tantas favelas. Nós vimos este conflito na Cidade de Deus, Anil. | |||
Na década de 80 também. O que demonstra que é um problema da própria estrutura da região, da estrutura fundiária. É o modelo de explorar a terra através de grandes propriedades. O que hoje são os grandes condomínios. Porque é uma região com grandes glebas de terra e isto mostra o tipo de investidor. São pessoas milionárias – riquíssimas. Empresas multinacionais. Odebrecht, Carvalho Hosken, desde a década de 70 e 80, removendo favelas, e construindo condomínios na região. | |||
É a concentração de extensas áreas de terras. Eu comecei a participar das lutas por terra em Jacarepaguá. Eu uma vez estava numa atividade do SINPRO – Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro – era a história sobre os trabalhadores no Brasil – e lá eu conheci alguém ligado ao grupo de comunicação popular, a Cláudia Santiago ([[Núcleo Piratininga de Comunicação - NPC|Núcleo Piratininga de Comunicação]]). Era no Centro, aos sábados na Praça Seca. | |||
Uma vez ela me convidou para uma atividade no curso de comunicadores e era em Jacarepaguá. Nós fomos para uma atividade – era no Arroio Pavuna – na casa de uma moradora. Foi ai que eu tomei conhecimento desses conflitos. E aí conheci duas lideranças da região do movimento social de luta por moradia: [[Maria Zélia Carneiro Dazzi (entrevista)|Dona Zélia]] e [[Dona Jane (entrevista)|Dona Jane]], do Arroio Pavuna e [[Vila Autódromo: remoção e resistência|Vila Autódromo]]. Através delas é que comecei a contribuir. | |||
== O que me move na luta == | |||
Eu não tenho problema de moradia, não estou começando por remoção. Eu pago aluguel com certa tranquilidade. Claro que tem épocas que fica apertado, não é necessidade pessoal, mas é mais pura questão de solidariedade mesmo, de apoio mútuo, de me reconhecer enquanto classe trabalhadora e de ter a consciência e pela experiência de saber que só se organizando com solidariedade e apoio mútuo que vamos conseguir reverter todos esses quadros de injustiça numa sociedade de classes que tem não só a dominação de classe, mas a exploração de classes. Tipo quem plantou o café, quem colheu o café, quem secou o café, e por aí vai. | |||
No grupo de história local, eu procurei contribuir com um olhar dos trabalhadores, na produção do conhecimento da história. As pesquisas que eu faço, eu tento sempre colocar este olhar – direcionar o olhar para valorizar as experiências dos trabalhadores: sejam escravos lavradores, a pessoa que produz, enquanto trabalhador, e não enquanto empregador. E se faz confusão que mistura empregador com trabalhador. | |||
Existem pesquisas que focam o olhar na historiografia de Jacarepaguá, foca na visão de colocar no seu devido lugar as lutas dos trabalhadores. Vejo isto também neste nosso projeto, Memórias e Cartografia. | |||
Já no final do século XIX já tem informações de rebeliões dos escravos. O século XX todo é atravessado pelo problema da terra, na perspectiva dos conflitos. Quem ocupa terra, nela trabalha e nela vive - vem sistematicamente no século XX - é pressionado a sair, seja através de ações judiciais de despejo, seja através de pressão de particulares, seja através dos próprios governos da época. | |||
Atualmente é a questão fundiária. O que está consolidado hoje, na ocupação das terras, não é o modelo que privilegia a pluralidade de classes sociais. A gente vê certas terras sendo ocupadas para áreas de empreendimentos comerciais, residenciais e pouca estrutura de serviço público para atender a população, como escolas, hospitais, postos de saúde sociais. Você vê mais construções de Shopping Center e Condomínio. Eu já morei na Estrada dos Bandeirantes, no Camorim e quando passo lá, hoje em dia, eu fico surpreso como a região alterou significativamente nos últimos 5 anos. E de serviços de estrutura, de serviço público não tem nada. E houve um sequestro porque a maternidade Leila Diniz que existia no Curicica hoje em dia está na Barra – perto do Lourenço Jorge. Por outro lado, tinha um campo de futebol próximo ao Riocentro, era do América. Hoje lá é um shopping. Isto mostra a característica da ocupação desta área. | |||
Existe hoje uma desproporção entre os grupos que se servem do aparelho estatal, para executar as políticas que servem estes grupos. Eles estão mais organizados do que os moradores da favela. Embora eu observe, os moradores de favela tem um grau de organização muito elevado, mas o problema é que os grupos que se utilizam do Estado eles se utilizam da legalidade – por ser Estado – se valem das forças de violência de repressão. O estado tem o monopólio da justiça, da polícia e da injustiça também. Só o Estado tem o direito de ser injusto. | |||
Os grupos que ocupam o Estado, para executar seus interesses, tem toda uma estrutura – se valem da violência, se valem da justiça e das leis. Enquanto do outro lado para os moradores da favela só resta organização, solidariedade e apoio mútuo, é a única saída que tem. Só dessa forma podemos reverter essa correlação de forças. | |||
Eu não tenho tanta atuação nos movimentos sociais. Eu não sou parte deste grupo “O gigante acordou”. Porque o lugar da mobilização deles é a internet e eu prefiro a rua. Se articular pela internet é complicado – você envia algo e não se sabe aonde vai. Ontem eu conversei com um jovem de um grupo chamado “O gigante acordou”, ele disse que tinha mais de 2 milhões de pessoas aderindo. Ainda é uma novidade. E eu só tenho 5 anos de militância – sei mais pela leitura de informação. | |||
A organização é fundamental a partir de seus locais de referência, moradia, trabalho, estudo. Deve partir da base, do cotidiano. Na internet vai do abstrato para o país. Os saberes – quem vive – conhecimento acadêmico. Tanto conhecimento de vida e o de leitura se complementam, mas para mim tem mais valor o conhecimento de quem vive. | |||
A contradição está na forma do conhecimento. O conhecimento era sempre restrito a algumas classes. Na idade média estava nas ordens religiosas. A transmissão de conhecimento de leitura até século XIX também. Depois só quem podia pagar, podia ter os filhos para continuar os estudos. E o conhecimento cientifico surge de uma classe, e está ainda ligada à classe dominante, classe média. E a maioria que não estuda, acaba se submetendo. | |||
Educação é importante também. Uma sociedade onde se valoriza o direito às leis escritas, acaba dominando quem tem o domínio da escrita. O que complica é a divisão do trabalho. Os militantes que praticam, fazem a luta, mas quem pensa é a academia. Tem que ter a oportunidade do militante que está na luta, ir para Universidade e estar se aprofundando. Mais oportunidade de acesso à instrução à classe pobre em geral, todos – camelô, diarista, cabeleireiro. E a pessoa da academia tem que estar na luta. Precisa se comprometer.<br /> | |||
[[Category:Temática - Habitação]][[Category:Temática - Depoimentos]][[Category:Memória]][[Category:Jacarepaguá]][[Category:Vídeo]] | [[Category:Temática - Habitação]][[Category:Temática - Depoimentos]][[Category:Memória]][[Category:Jacarepaguá]][[Category:Vídeo]] |
Edição das 18h10min de 24 de fevereiro de 2022
Material de pesquisa do Projeto do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao Dicionário de Favelas Marielle Franco.
A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz- Mata Atlântica, em parceria com a Cooperação Social da Fiocruz. Nesse episódio, o entrevistado é Renato Dória, membro do Instituto Histórico de Jacarepaguá.
Entrevista
Transcrição da entrevista
Quero deixar claro que eu posso falar de Jacarepaguá porque eu tive oportunidade de participar de algumas pesquisas junto com o professor Leonardo da UFF (Universidade Federal Fluminense) que atualmente está no grupo de História Local. E foi um grupo pioneiro que estuda as lutas por terras em Jacarepaguá, quando aqui era periferia rural da Capital Federal. Antes de ser o Estado da Guanabara, e de ser transferida para Brasília.
História de Jacarepaguá
Jacarepaguá e toda zona oeste era região que abastecia a cidade do Rio de Janeiro de várias mercadorias – e produtos artesanais, gêneros alimentícios. E era conhecido como sertão carioca. O cinturão verde do distrito federal.
Os principais conflitos deste período foram na década de 40, um pouco depois da legalização do partido Comunista do Brasil. Um tempo depois este partido deu uma contribuição muito relevante para organização dos lavradores e pequenos produtores da região de Jacarepaguá e Zona Oeste – eles tiveram muita importância para ajudar na organização destes grupos de pequenos lavradores, pequenos agricultores, na luta pela terra, que foi muito explosiva, muito sangrenta, teve muita morte. Os jornais de grande circulação e pequena circulação noticiam sobre isto assim de forma bastante rica. Manchetes de Jornais. Estes conflitos explorem 45 em diante. Quando o partido comunista é legalizado e durante os dois anos que ele fica legal eles organizam comitês populares democráticos, com pauta mínima. E na sua maioria eram as pautas dos moradores locais. E ia desde serviço básico de esgoto até pauta de reforma agrária, regularização fundiária, reconhecimento dos posseiros como os legítimos donos da terra.
Nestes períodos esses posseiros estavam sendo ameaçados de despejo por bancos: banco de crédito móvel, companhias de saneamento, companhia imobiliária, particulares, neste período que vai da década de 40 a 60. Pós 64 é um período de muitos conflitos pela posse da terra numa região predominantemente rural. E por causa desses conflitos, a estrutura fundiária se altera, de uma configuração rural, mudando bem lentamente para uma estrutura do tipo urbana. Tendo em vista os despejos essas terras vão sendo estocadas e depois loteadas, fracionadas, e depois ocupadas por moradias, comércio. E esse uso mais rural vai desaparecendo. Mas permanece, nas partes mais próximas do maciço da Pedra Branca ainda mantém muito forte essa atividade rural, agrícola. Não se extinguiu totalmente.
Os conflitos pela terra
E aí já na década de 70 mais ou menos, tem já alguns conflitos pela posse da terra, mas na perspectiva da moradia. Porque as obras do antigo Estado da Guanabara, muitos investimentos são feitos na região.
Uma das primeiras favelas removidas da região neste período – foi uma que existia na Via 9 – atual Avenida Ayrton Senna – ali haviam só barracos e foram removidos em 1972, mais ou menos. Surgem nesta época os conflitos de terra por moradia. E muda a forma de organização. E a maioria desta luta são moradores de favelas. Isto vai de 70, 80, 90 até hoje. E tem momentos que isto se intensifica no período do Estado da Guanabara, mas aqui não tinham tantas favelas. Nós vimos este conflito na Cidade de Deus, Anil.
Na década de 80 também. O que demonstra que é um problema da própria estrutura da região, da estrutura fundiária. É o modelo de explorar a terra através de grandes propriedades. O que hoje são os grandes condomínios. Porque é uma região com grandes glebas de terra e isto mostra o tipo de investidor. São pessoas milionárias – riquíssimas. Empresas multinacionais. Odebrecht, Carvalho Hosken, desde a década de 70 e 80, removendo favelas, e construindo condomínios na região.
É a concentração de extensas áreas de terras. Eu comecei a participar das lutas por terra em Jacarepaguá. Eu uma vez estava numa atividade do SINPRO – Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro – era a história sobre os trabalhadores no Brasil – e lá eu conheci alguém ligado ao grupo de comunicação popular, a Cláudia Santiago (Núcleo Piratininga de Comunicação). Era no Centro, aos sábados na Praça Seca.
Uma vez ela me convidou para uma atividade no curso de comunicadores e era em Jacarepaguá. Nós fomos para uma atividade – era no Arroio Pavuna – na casa de uma moradora. Foi ai que eu tomei conhecimento desses conflitos. E aí conheci duas lideranças da região do movimento social de luta por moradia: Dona Zélia e Dona Jane, do Arroio Pavuna e Vila Autódromo. Através delas é que comecei a contribuir.
O que me move na luta
Eu não tenho problema de moradia, não estou começando por remoção. Eu pago aluguel com certa tranquilidade. Claro que tem épocas que fica apertado, não é necessidade pessoal, mas é mais pura questão de solidariedade mesmo, de apoio mútuo, de me reconhecer enquanto classe trabalhadora e de ter a consciência e pela experiência de saber que só se organizando com solidariedade e apoio mútuo que vamos conseguir reverter todos esses quadros de injustiça numa sociedade de classes que tem não só a dominação de classe, mas a exploração de classes. Tipo quem plantou o café, quem colheu o café, quem secou o café, e por aí vai.
No grupo de história local, eu procurei contribuir com um olhar dos trabalhadores, na produção do conhecimento da história. As pesquisas que eu faço, eu tento sempre colocar este olhar – direcionar o olhar para valorizar as experiências dos trabalhadores: sejam escravos lavradores, a pessoa que produz, enquanto trabalhador, e não enquanto empregador. E se faz confusão que mistura empregador com trabalhador.
Existem pesquisas que focam o olhar na historiografia de Jacarepaguá, foca na visão de colocar no seu devido lugar as lutas dos trabalhadores. Vejo isto também neste nosso projeto, Memórias e Cartografia.
Já no final do século XIX já tem informações de rebeliões dos escravos. O século XX todo é atravessado pelo problema da terra, na perspectiva dos conflitos. Quem ocupa terra, nela trabalha e nela vive - vem sistematicamente no século XX - é pressionado a sair, seja através de ações judiciais de despejo, seja através de pressão de particulares, seja através dos próprios governos da época.
Atualmente é a questão fundiária. O que está consolidado hoje, na ocupação das terras, não é o modelo que privilegia a pluralidade de classes sociais. A gente vê certas terras sendo ocupadas para áreas de empreendimentos comerciais, residenciais e pouca estrutura de serviço público para atender a população, como escolas, hospitais, postos de saúde sociais. Você vê mais construções de Shopping Center e Condomínio. Eu já morei na Estrada dos Bandeirantes, no Camorim e quando passo lá, hoje em dia, eu fico surpreso como a região alterou significativamente nos últimos 5 anos. E de serviços de estrutura, de serviço público não tem nada. E houve um sequestro porque a maternidade Leila Diniz que existia no Curicica hoje em dia está na Barra – perto do Lourenço Jorge. Por outro lado, tinha um campo de futebol próximo ao Riocentro, era do América. Hoje lá é um shopping. Isto mostra a característica da ocupação desta área.
Existe hoje uma desproporção entre os grupos que se servem do aparelho estatal, para executar as políticas que servem estes grupos. Eles estão mais organizados do que os moradores da favela. Embora eu observe, os moradores de favela tem um grau de organização muito elevado, mas o problema é que os grupos que se utilizam do Estado eles se utilizam da legalidade – por ser Estado – se valem das forças de violência de repressão. O estado tem o monopólio da justiça, da polícia e da injustiça também. Só o Estado tem o direito de ser injusto.
Os grupos que ocupam o Estado, para executar seus interesses, tem toda uma estrutura – se valem da violência, se valem da justiça e das leis. Enquanto do outro lado para os moradores da favela só resta organização, solidariedade e apoio mútuo, é a única saída que tem. Só dessa forma podemos reverter essa correlação de forças.
Eu não tenho tanta atuação nos movimentos sociais. Eu não sou parte deste grupo “O gigante acordou”. Porque o lugar da mobilização deles é a internet e eu prefiro a rua. Se articular pela internet é complicado – você envia algo e não se sabe aonde vai. Ontem eu conversei com um jovem de um grupo chamado “O gigante acordou”, ele disse que tinha mais de 2 milhões de pessoas aderindo. Ainda é uma novidade. E eu só tenho 5 anos de militância – sei mais pela leitura de informação.
A organização é fundamental a partir de seus locais de referência, moradia, trabalho, estudo. Deve partir da base, do cotidiano. Na internet vai do abstrato para o país. Os saberes – quem vive – conhecimento acadêmico. Tanto conhecimento de vida e o de leitura se complementam, mas para mim tem mais valor o conhecimento de quem vive.
A contradição está na forma do conhecimento. O conhecimento era sempre restrito a algumas classes. Na idade média estava nas ordens religiosas. A transmissão de conhecimento de leitura até século XIX também. Depois só quem podia pagar, podia ter os filhos para continuar os estudos. E o conhecimento cientifico surge de uma classe, e está ainda ligada à classe dominante, classe média. E a maioria que não estuda, acaba se submetendo.
Educação é importante também. Uma sociedade onde se valoriza o direito às leis escritas, acaba dominando quem tem o domínio da escrita. O que complica é a divisão do trabalho. Os militantes que praticam, fazem a luta, mas quem pensa é a academia. Tem que ter a oportunidade do militante que está na luta, ir para Universidade e estar se aprofundando. Mais oportunidade de acesso à instrução à classe pobre em geral, todos – camelô, diarista, cabeleireiro. E a pessoa da academia tem que estar na luta. Precisa se comprometer.