Piauí - a escalada ininterrupta da violência: mudanças entre as edições
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Edição das 12h39min de 15 de agosto de 2023
Esse verbete faz parte do relatório "Máquina de moer gente preta: a responsabilidade da branquitude", produzido pela Rede de Observatórios da Segurança.
Há um ano o Piauí foi incluído no monitoramento da Rede de Observatórios da Segurança Pública. Desde então, observamos um cenário crescente de violência(s) e insegurança. O estado apresenta o terceiro maior registro de eventos envolvendo armas de fogo entre os sete estados monitorados e é o segundo no Nordeste. Quando olhamos as ações de policiamento na região, fica atrás apenas da Bahia e de Pernambuco, com 843 registros. Mesmo o estado tendo o menor contingente policial do Brasil, com apenas 6 mil policiais para atuar nos 224 municípios.
Relatório
Aliás, o baixo número de policiais causa uma série de problemas. Metade desses agentes está na capital Teresina e o restante se divide entre os demais municípios. O que deixa um terreno propício para a interiorização do crime. O que percebemos é que não há um plano de segurança e que a polícia trabalha às cegas. Proporcionalmente, o número de vitimização de agentes do Estado no Piauí, com 37 registros, é maior que em São Paulo, que teve 100 casos, porque por lá a tropa chega a 50 mil homens.
A polícia do Piauí é historicamente violenta. O Estado tem pouco controle sobre a instituição. As corregedorias não são suficientes para vetar a brutalidade das ações policiais que focam nas regiões de periferia com maior densidade populacional. Em Teresina, por exemplo, uma das concentrações de ações de policiamento se dá na Zona Sul, distante 15 minutos de carro do centro da cidade, região que aparece nos meios de comunicação televisivos e jornais online como um bairro inseguro, violento, com constantes registros de homicídio e de tráfico de drogas.
Os eventos nos bairros periféricos evidenciaram uma face da insegurança, do medo e das ações violentas contra pessoas que vivem em condições de desigualdade social. São áreas povoadas por ocupações urbanas irregulares – que em outros lugares recebem o nome de favela, mas em Teresina são chamadas de vilas – habitadas por pessoas de baixa renda e que acabaram ocupadas, em um primeiro momento, por “galeras” e, atualmente, por grupos criminais. Nesses locais, a polícia invade as casas sem mandado e pratica espancamentos e torturas. Há também denúncias da atuação de milícias.
Dessa forma, a população teresinense, em especial os mais jovens, vive na presença constante da violência, tendo as forças coercitivas do Estado e as organizações criminais como os principais agentes de processos de violência.
Em relação à categoria violência contra crianças e adolescentes, o Piauí tem casos de repercussão nacional. Em janeiro de 2021, uma menina de 10 anos engravidou após um estupro praticado pelo primo de 25 anos na zona rural da capital. O aborto legal não foi autorizado pela família. Um ano depois, a mesma criança, agora com 11 anos, foi novamente violentada, dessa vez por um tio, e encontra-se grávida de quase dois meses. De novo, a mãe não autorizou a interrupção legal da gestação. Há uma falha enorme em toda a rede de proteção a crianças e adolescentes quanto aos casos de violência sexual.
Já os casos de feminicídios e violência contra mulher monitorados evidenciam outra dimensão da violência, igualmente preocupante. No período analisado, foram registrados 136 casos. Quando olhamos para dentro do estado, essa violência cresce ano a ano sem que existam ações ou um plano para a resolução da questão. As mulheres enfrentam diversas situações de violências, insegurança e desproteção.
Os dez bairros da capital que apresentaram maior incidência de casos de violência contra mulher estão localizados na Zona Sudeste da cidade, periferia de Teresina. Os eventos com maior registro foram: tentativa de feminicídio/agressão física, com 69 ocorrências, o próprio feminicídio, com 42, e violência sexual/estupro, com 23. Os dados exprimem uma realidade que há tempos vem se mostrando abissal para os piauienses. Dessa forma, por meio desta análise, visamos contribuir com incidência em políticas para os segmentos sociais e áreas aqui mencionadas com intenção de mitigar o aumento exponencial das dinâmicas de violência no estado.
É preciso destacar o alto número de linchamentos. O Piauí é o segundo do país e o primeiro do Nordeste em eventos envolvendo duas ou mais pessoas que agridem outra – podendo ou não levar à morte. Foram 34 crimes deste tipo. E é sabido que quando policiais vão atender esse tipo de ocorrência, primeiro batem no sujeito que já foi vítima de espancamento e depois tomam as medidas necessárias. Com isso, podemos dizer que José de Souza Martins tem razão quando diz que a maior parte dos casos de linchamento tem a participação de agentes públicos.
O estado teve ainda três eventos registrados de violência contra LGBTQIA+ no período de monitoramento da violência. Sabemos que esse número baixo carrega consigo a subnotificação de casos invisibilizados pela imprensa. Em decorrência das ações do Observatório da Segurança do Piauí, coordenado pelo Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens da Universidade Federal do Piauí, o governo lançou em junho de 2022, por meio da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Piauí, o primeiro protocolo estadual: Protocolo Cidadão de Produção de Dados de Violência Contra LGBTQ - Tirando os dados do Armário. A iniciativa é um avanço significativo. Precisamos ter real noção do problema para que ele deixe de existir.
Ver também
- Violência urbana no Brasil ontem e hoje (disciplina acadêmica)
- Violências em territórios faccionados do Nordeste do Brasil: notas sobre as situações do Rio Grande do Norte e do Ceará (artigo)
- Máquina de moer gente preta: a responsabilidade da branquitude (relatório)
- Chacinas em favelas no Rio de Janeiro