Eu sou da Formiga - Meu nome é André
Por Euro Mascarenhas - Núcleo Piratininga de Comunicação
O Morro da Formiga está localizado na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro. Uma favela com uma grande vitalidade cultural. Lar da escola de samba Império da Tijuca, também conserva como uma de suas mais fortes tradições, a Folia de Reis. É com muito orgulho que André Leonardo Silva de Carvalho, o André da Formiga, fala da comunidade onde nasceu e ainda vive. Um lugar em que ele aprendeu os princípios de cooperação e coletividade.
Para André a experiência dos mais velhos sempre chamou a sua atenção, fosse através da postura ou uma palavra amiga vinda deles. Mas foi a figura da mãe que foi central para a formação de André da Formiga. Maria Aparecida da Silva veio de Minas Gerais para o Rio de Janeiro com 14 anos, deixou toda a sua família para trás em busca de uma vida melhor. No Rio, Maria trabalhou nas casas das madames ricas, e posteriormente como merendeira.
Acabou indo morar no Morro da Formiga, onde conheceu Francisco Borges de Carvalho, com quem casou-se e teve 3 filhos, um deles era André. Ele relata que mesmo com muitas dificuldades, recebeu um bom exemplo da matriarca. André nunca chegou a passar fome, ainda que a situação fosse apertada, a mãe fazia das tripas o coração para dar aos filhos a educação que necessitavam.
A casa de pau a pique onde André nasceu se transformou em uma construção de alvenaria, com a ajuda dos vizinhos, a residência foi toda remodelada. Para ele, a casa é um símbolo da união e ajuda mútua que existe na favela, quando mutirões são organizados para erguer ou reformar o lar de um morador e quase todos os demais estão envolvidos.
Ainda assim, André sente falta de algumas coisas que parecem ter desaparecido um pouco do morro, como as velhas brincadeiras de girar peão, bola de gude e pique pega. Além disso a própria geografia do lugar mudou, alguns campos de futebol deixaram de existir, como o campo do Mato, onde André mais jogou bola na infância, e o campo da Rocinha. Ambos foram tomados pelo matagal. O único campo remanescente é o da Raia. Um dos sonhos de André é restaurar o campo do Mato.
A influência das jornadas de junho de 2013
André da Formiga sempre foi uma pessoa muito ligada ao seu lugar de origem, mas como muita gente pensa, acreditava que a única forma de mudança social seria pela via partidária. Durante as jornadas de junho de 2013, passou a ter contato com pessoas do asfalto e demais coletivos de luta do Rio de Janeiro. Essa troca o fez mudar de ideia, André passou a entender a necessidade dele também por a mão na massa e ser mais proativo em relação às melhorias que gostaria de ver para a sua comunidade e as demais.
Outra coisa que foi fundamental para que tivesse uma mudança de paradigmas foram as leituras que André realizou sobre pan-africanismo e questões raciais. O fruto disso foi a realização de projetos com cunho racializado, buscando conversar principalmente com as crianças do Morro da Formiga, a quem ele chama carinhosamente de “molecadinha”. Para André é muito importante que as crianças da favela já cresçam tendo consciência de outros valores, que não sejam da civilização branca cuja lógica é baseada em competitividade. Ele passa a entender que todo esse espírito solidário que existe entre moradores das favelas é uma herança africana.
Através da Folia de Reis, uma das manifestações culturais mais tradicionais da Formiga, André procura disseminar valores coletivos com as crianças que participam, sempre tentando trazer uma discussão interessante em meio a brincadeira. Outro projeto que ele está desenvolvendo é um espaço de contraturno. Um lugar para exibição de filmes, lanches, cursos e brincadeiras com a “molecadinha”. Algumas organizações como o Sindiscope (Sindicato de Servidores do Pedro II) e Sindipetro (Sindicato dos Petroleiros) já tem somado forças para esta ação, além de outros coletivos (Ocupa Alemão, Favela Quilombo Rua).
Uma frente de trabalho que André também busca abrir é o plantio e cuidado com a terra. Por ser uma área verde, o Morro da Formiga o inspirou a pensar em uma ação ambiental. O projeto teria como eixo proporcionar às crianças da favela um alimento saudável, que não tivesse o uso de agrotóxicos, incluindo o cuidado com a terra, o ar, o respeito à natureza. O trabalho já tem um nome: Formiga Verde.
A formação em história
André da Formiga já foi porteiro, entregador de jornal e tudo o que se possa pensar em termos de trabalho braçal. Mas aquilo que ele realmente almeja ser é historiador. Ele tornou-se aluno da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Para conseguir passar na prova contou com a ajuda de um pré-vestibular universitário, uma iniciativa que une moradores do próprio Morro da Formiga, Borel e Salgueiro, capitaneada pelo coletivo Brota na Laje. O curso também é uma parceria com o colégio particular Oga Mitá, vizinho das favelas, que cede a estrutura para a realização do pré-vestibular.
Além de história, André sempre foi bem durante o período de escola nas disciplinas de geografia e português. Ele não sabe dizer se isto foi por causa dos bons professores que teve na rede pública, ou se as matérias de exatas sempre lhe pareceram distantes. Fato é que a história, mais do que todas, causava um grande interesse.
“Em outro momento da vida, a gente sabe que muito do que a gente aprende na escola foi algo construído segundo determinados interesses. Há muitas mentiras dentro dessa história que sempre entendemos como fatos. E é por isso que eu me interesso por história, para que eu possa esmiuçar aquilo que já estudamos e trabalhar esse conteúdo com a molecada, passar para uma geração futura” (André da Formiga).
André vê a história como uma chance de ao menos não repetir os erros que já cometemos como humanidade, uma oportunidade de expansão das possibilidades. Ele quer devotar à comunidade da Formiga o conhecimento e formação que adquirir. “A história é fundamental, no sentido de podermos fazer a devida leitura de tudo o que nos diz respeito” (André da Formiga).