Da Cidade Partida à Cidade Integrada: Dilemas e Diretrizes das Políticas Públicas de Segurança no Rio de Janeiro.

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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A cidade do Rio de Janeiro tem como marca a violência e a segregação no espaço urbano.

Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco.

A gramática da violência[editar | editar código-fonte]

A gramática da violência urbana que possibilitou a retórica da guerra tem sido o pano de fundo de diversas ações violentas contra as populações habitantes das favelas e subúrbios cariocas, estigmatizados como um mal a ser combatido por darem “origem à violência na cidade”.  Dessa gramática, algumas ações foram mobilizadas e tiveram apoio expressivo de parte da população carioca infringida pela cultura do medo: A chacina de Acari (1990) vitimando 11 jovens, A chacina da Candelária (1993) que vitimou 7 menores e a chacina de Vigário Geral (1993), que massacrou 21 pessoas residentes. Em 2021, vimos a cena se repetir de forma drástica com a morte de 27 civis na favela do Jacarezinho realizada pela Polícia Civil no dia 6 de maio sob o governo de Cláudio Castro (PL), considerada a maior chacina promovida por forças policiais da história da cidade.

A cidade partida (dividida)[editar | editar código-fonte]

Esses temas se entrelaçam e reforçam a narrativa de que a cidade do Rio é uma “cidade partida”. Nesta se analisa a cidade como sendo dividida entre aqueles compreendidos e legitimados como cidadãos e os “outros”. Esses atores, quando mobilizados dentro da narrativa de repartição da cidade, figuram em um cenário onde a guerra se faz presente no cotidiano carioca, uma guerra que polariza o “nós” (legitimados pelo direito à cidadania) e os “outros” (os que compartilham o espaço urbano, mas não correspondem à essa cidadania).

Desde a década de 90 essa narrativa tem ganhado uma dimensão cada vez maior na percepção dos problemas da cidade e na formulação de políticas públicas de segurança e planos de ação. Politicamente, essa narrativa é utilizada para convocar e mobilizar uma violência entendida como necessária à solução do problema: mapear e controlar através da coerção estatal aqueles que causam perturbação na vida e no cotidiano da cidade. Essa violência, articulada como mediadora do conflito desenhado, justifica as ações e os excessos cometidos pelo Estado e pelas polícias dentro deste cenário de “guerra”. Infrações contra o direito dos habitantes das favelas, chacinas, aumento da taxa de letalidade policial e políticas de segurança militarizadas fazem parte dessa guinada ao Estado de Exceção.

A política de morte[editar | editar código-fonte]

Apesar dessas chacinas possuírem semelhanças em termos de território e direção da violência aplicada, podemos observar uma mudança no modo de operação do Estado e das polícias a partir do ano de 2018 com a intervenção federal ocorrida na cidade do Rio e da eleição de Wilson Witzel (2019-2021) como governador do Estado.

A política de morte intensificada no governo de Witzel abriu caminhos para operações cada vez mais violentas e a ocupação dos territórios periféricos cada vez mais militarizados. As declarações públicas realizadas pelo governador como “A polícia vão mirar na cabecinha e… fogo!" promovem uma mudança importante para a gestão de segurança na cidade, a guerra deixou de ser um artefato retórico para se transformar em algo real e concreto, um modelo de ação equipado por tecnologias cada vez mais modernas de extermínio e combate ao “inimigo”.

Lançado no dia 19 de janeiro de 2022, o programa de segurança do governo Cláudio Castro chamado “Cidade Integrada” parece dar continuidade à ideia de que o Rio de Janeiro é uma cidade partida. Não apenas fazendo um grotesco trocadilho entre a semântica adotada para dar contorno à retórica da guerra que mobilizou o termo “cidade partida” para separar cidadãos e inimigos, mas sim como forma de analisar as falhas do programa. Desde o lançamento do Cidade Integrada, a ocupação da favela do Jacarezinho nos mostra que a integração proposta por Claudio Castro para o Rio de Janeiro é a mesma adotada por diferentes programas de segurança que já foram vigentes na história da cidade: a eliminação de corpos periféricos considerados inimigos, como a do jovem Jonathan Ribeiro de Almeida, de 18 anos no dia 26 de abril de 2022.

Consequências[editar | editar código-fonte]

Do ponto de vista político, em um ano que serão realizadas as eleições para o governo do Estado, a elaboração de políticas públicas de segurança para uma cidade como a do Rio de Janeiro passa a ser crucial.

Nesse sentido, as propostas apresentadas como soluções para o problema de segurança devem ser pensadas na chave da corrida eleitoral. Se a narrativa da cidade partida permanecer como política pública de segurança, as ações violentas contra as populações habitantes das favelas e periferias do Rio de Janeiro continuarão sendo intercorrentes e cada vez mais corpos favelados sendo executados.

Ver também[editar | editar código-fonte]