Sem infraestrutura e acesso à saúde, população periférica é mais prejudicada por variações no clima (artigo)
Artigo mostra como ondas de calor, quedas bruscas na temperatura, falta de água e ausência de verde agravam condições de vida nas periferias da Grande São Paulo.
Autoria: Jacqueline Maria da Silva[1]
Introdução
Só no último mês, a cidade de São Paulo registrou os dias mais quentes do ano, em uma onda histórica de calor, seguidos por quedas bruscas de temperatura, que chegaram a variar até 11º de um dia para o outro, segundo boletim do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Esta instabilidade é um dos efeitos das mudanças climáticas com graves consequências, em especial para os moradores das periferias, mais vulneráveis a catástrofes climáticas.
Sem áreas verdes próximas de casa, com acesso restrito à rede de esgoto e com problemas crônicos de moradia, abastecimento de água e limpeza urbana, as famílias periféricas têm a saúde, segurança e bem-estar diretamente impactados pelas mudanças climáticas.
“Minha casa tem uma porta e uma janela para entrada de ar, mas não posso deixar aberta porque tem barata e rato. O cheiro do esgoto é muito forte, um fedor insuportável”, detalha a faxineira Marlene da Conceição, 61, moradora de São João Clímaco, na zona sul de São Paulo.
Nem o fato de morar em frente a um posto da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) garante água para o banho noturno. Por isso, ela armazena água em garrafas PET para beber, um hábito diário adquirido após dias de torneira vazia em casa.
“Não consigo dormir [no calor] nem com o ventilador ligado. Preciso ficar sem roupa e com toalha molhada no pé”, conta. Já nos dias de frio e chuva, o vento costuma carregar folhas que entopem as passagens de água de córregos da região e aumentam as pragas urbanas em casa.
- Justiça climática: Pessoas da classe C e D se sentem mais inseguras com eventos climáticos (70%) do que pessoas da classe A e B (56%). A preocupação também é maior entre negros (64%), em comparação aos brancos (58%), segundo a pesquisa Justiça Urbana, do Greenpeace.
Há 30 quilômetros dali, a vendedora Ana Carolina Ferreira, 32, conta que já parou no pronto-socorro por conta da instabilidade climática. “Com essas temperaturas que sobem e descem, a minha saúde fica bagunçada. A gente espera horas pelo ônibus no tempo e quando chega está superlotado. Nem todos os carros têm ar-condicionado”, desabafa a moradora do bairro Padroeira, em Osasco, na Grande São Paulo.
A falta de áreas verdes nas periferias é um dos problemas que intensificam a instabilidade climática, já que a vegetação ajuda a controlar a temperatura. Porém, quando não há políticas de preservação, as árvores também ficam vulneráveis. É o que ocorre na Fazenda Aricanduva, na zona leste de São Paulo, onde mora a estilista Kátia Neves Vasques, 49, que se queixa das queimadas constantes em matas próximas da sua casa.
“Elas afetam muito minha respiração”, conta, lembrando que para ela as quedas bruscas de temperatura são ainda piores do que as ondas de calor, já previstas em recorde para o próximo verão, que se inicia em 22 de dezembro. “A gente tem que ficar encapado dentro de casa. Eu tenho problema de circulação, preciso esquentar meus dedos porque eles ficam brancos e começam a formigar”.
Racismo ambiental
Infraestrutura precária, alta densidade populacional e desigualdades de acesso aos serviços de saúde e às áreas verdes nas periferias são algumas evidências do chamado racismo ambiental, que afeta diretamente os moradores dessas áreas, segundo a geógrafa Nara Leme, 29, moradora de Tucuruvi, na zona norte da capital paulista.
“Eles são os mais impactados por eventos climáticos e pelas temperaturas extremas, sobretudo as mulheres pardas e pretas, que geralmente são a maioria em bairros mais pobres”, diz Nara. “A paisagem [das cidades] nos conta uma história sobre quem tem e quem não tem acesso ao bem-estar – seja social, econômico, logístico e, por que não, climático”.
- Desigualdade Racial: Os negros são os que mais residem em domicílios sem acesso a serviços de saneamento e com inadequadequações, segundo a pesquisa “Desisgualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”.
É exatamente pela falta de infraestrutura urbana que o calor extremo, as quedas bruscas de temperatura, o frio excessivo, as chuvas intensificadas e a baixa umidade do ar podem prejudicar mais as pessoas que vivem nas periferias do que aquelas de bairros mais nobres.
Os impactos são sentidos diretamente na saúde, em especial da população negra periférica, que já tem uma expectativa de vida menor e menos acesso aos serviços de saúde básicos, elevando os riscos de agravamento de doenças pré-existentes.
“Quando faz muito frio ou quando chove, o transporte fica pior ainda. Eu nem costumo sair [nesses dias] porque aqui na periferia tem bastante enchente. É bem estressante, fico ansiosa porque é horrível viver com medo de perder as coisas. A gente nunca sabe”, conta Ana Carolina, de Osasco.
A situação crítica vivida pela vendedora ilustra como o racismo ambiental também impacta a saúde mental da população periférica, forçada a adaptar suas vidas para se prevenir de ameaças climáticas, com medo de perdas materiais e da própria vida.
“É um impacto psicológico significativo, incluindo sentimentos de impotência e frustração. É fundamental considerar as consequências psicológicas ao abordar questões de vulnerabilidade relacionadas ao clima”, pontua a geógrafa Nara, reforçando ser urgente elaborar e implementar políticas públicas que garantam a sobrevivência da população mais vulnerável diante do aquecimento global.
Efeitos na saúde
As ondas de calor intenso podem causar diminuição na pressão arterial (hipotensão), cefaléia, desidratação, falta de apetite e fadiga, alerta a auxiliar de enfermagem, Dayana Alcântara, 27, moradora do Capão Redondo.
Já com as quedas bruscas de temperatura, o ar fica mais úmido e as narinas começam a suar, o que costuma provocar coceira e coriza. O contato da mão com nariz aumenta o risco de proliferação de germes e vírus que causam doenças respiratórias como gripes, resfriados, bronquite e pneumonia.
Com a colaboração de Dayana, a Agência Mural reuniu dicas de como cuidar da saúde com tantas variações climáticas. São ações individuais que não combatem o racismo ambiental, mas que podem trazer mais conforto:
Em dias quentes
- Ingerir água frequentemente, no mínimo dois litros e meio por dia. Não espere a temperatura subir nem ter sede para fazer isso
- Usar roupas claras e leves para melhorar a sensação térmica
- Manter a casa arejada e limpa, se possível com as portas e janelas abertas para ventilar
- Em dias de clima seco, colocar um balde de água no quarto antes de dormir. A água vai evaporar e ajudar na umidificação do ambiente
Quando esfria
- Beber água e se hidratar também com bebidas quentes, como chás e caldos, que ajudam a aquecer o corpo
- Manter-se agasalhado e proteger as extremidades do corpo com meias e luvas. Os pés são a região com menor circulação sanguínea do corpo, por isso é importante mantê-los aquecidos
- Não faça fogueira ou queime objetos para manter a temperatura do ambiente. Isso pode causar acidentes graves
Ver também
- ↑ Reportagem publicada originalmente pela Agência Mural de Jornalismo das Periferias.