Reconhecimento Facial no Rio de Janeiro

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Reconhecimento Facial é uma forma de se identificar pessoas a partir de das características e padrões biométricas da face. Dentro do espectro da Segurança Pública, sistemas de reconhecimento facial são bases de dados com esses tipos de informações biométricas com o intuito de serem usadas pelas forças de segurança (privadas ou estatais) e seus agentes.

Os tipos de uso são extremamente diversos mas, dentre os mais conhecidos, estão as câmeras de reconhecimento facial espalhadas pela cidade para serem usadas pelas forças policiais. No Rio de Janeiro, há uso tanto pela PMERJ link , PCERJ link e também na Baixada Fluminense link. As críticas advindas de especialistas se avolumam desde 2018, quando elas começaram a ser usadas oficialmente.

Nesse contexto, o reconhecimento facial é um tipo de [perfilamento racial], um termo utilizado para designar práticas entres agentes de segurança e trabalhadores do Poder Judiciário que procura enquadrar um perfil de sujeito criminoso a partir de atributos físicos, raciais, étnicos, entre outros, evidenciando a conduta racista dessas instituições.

Autoria: Leonardo Coelho.

Sobre

O uso de sistemas de Reconhecimento Facial no Estado do Rio de Janeiro é de conhecimento público desde 2018, quando foi anunciado um convênio entre o Disque Denúncia e a empresa Staff of Technology Solutions que, há época, permitiria que "cerca de 1.100 dos criminosos mais perigosos do estado sejam automaticamente reconhecidos quando passarem por uma das câmeras que compõem o sistema denominado Facewatch"[1].

Imagem mostra uma pessoa segurando um tablet com rostos de pessoas
Demonstração de software que o Disque Denúncia passa a utilizar em parceria com The Staff of Security, em que compartilha seu banco de dados de foragidos da justiça com câmeras de segurança que utilizam sistema de reconhecimento facial.


Já em 2019 foi possível ver vieses racistas no uso de reconhecimento facial[2].


O termo “perfilamento racial” se refere ao processo pelo qual as forças policiais fazem uso de generalizações fundadas na raça, cor, descendência, nacionalidade ou etnicidade ao invés de evidências objetivas ou o comportamento de um indivíduo, para sujeitar pessoas a batidas policiais, revistas minuciosas, verificações e reverificações de identidade e investigações, ou para proferir um julgamento sobre o envolvimento de um indivíduo em uma atividade criminosa. O perfilamento racial resulta diretamente na tomada de decisões discriminatórias. Há exemplos de agências de aplicação da lei que visam as pessoas afrodescendentes são frequentes em diferentes países.

Quer seja em decorrência das atitudes e práticas individuais de policiais ou da cultura ou políticas discriminatórias de agências de aplicação da lei, o perfilamento racial é uma prática de longa data em muitas instituições. Além disso, as preocupações contemporâneas com o terrorismo e a migração continuam a aumentar a pressão sobre os agentes, o que frequentemente os leva a recorrer a estratégias equivocadas de perfilamento e discriminação racial em seus esforços para estabelecer a segurança pública.

A prática de perfilamento racial viola uma série de princípios e direitos fundamentais estabelecidos no direito internacional dos direitos humanos. Estes incluem o princípio da não discriminação e da igualdade perante a lei, assim como o direito à proteção igual pela lei. Por natureza, o perfilamento racial se afasta do princípio básico do estado de direito de que determinações referentes à aplicação da lei devem ser baseadas na conduta de um indivíduo, não em sua filiação a um grupo étnico, racial ou nacional. O perfilamento racial pode também impactar negativamente a habilidade das pessoas gozarem de outros direitos humanos, incluindo os direitos à vida, liberdade e segurança, privacidade, liberdade de ir e vir, proteção contra prisão arbitrária e outras intervenções, uma eficaz remediação, e a proteção dos melhores interesses da criança[3].

Campanha contra o perfilamento racial

Com o aprofundamento da geração e utilização das tecnologias entre agentes de segurança, uma campanha foi realizada a fim de deter totalmente o uso de tecnologias digitais de reconhecimento facial na segurança públicas. Em documento assinado por diversas entidade e pessoas, a justificativa se dá justamente pelo fato do reconhecimento facial para pessoas suspeitas se basear em características que acabam por reproduzir e estimular o racismo durante as operações policiais, aumentando a violência dessas instituições com as populações pretas nas cidades.

Segundo o documento, "essas tecnologias têm ocasionado uma série de graves abusos e violações a direitos humanos em todo o mundo. Um exemplo, retratado no documentário Coded Bias, é o uso do reconhecimento facial pela polícia do Reino Unido e a associação incorreta (até o ano de 2018) de 98% dos rostos apontados como correspondentes a pessoas foragidas. Diante dessas preocupações, cidades como São Francisco e Oakland, nos Estados Unidos, baniram o uso de reconhecimento facial em locais públicos.

No Brasil, país com a terceira maior população encarcerada do mundo, o uso de tecnologias de reconhecimento facial na segurança pública levaria ao agravamento de práticas racistas que constituem o sistema penal. Todavia, apesar da gravidade desses prejuízos, essas tecnologias já estão na grande maioria dos estados brasileiros. Na Bahia, desde 2018, câmeras de reconhecimento facial foram instaladas com a finalidade oficial de combate à criminalidade, mas sem a comprovação de se ter efetivamente atingido tal objetivo"[4].

Apoio Parlamentar

A campanha foi aderida por parlamentares de todas as regiões do Brasil, fazendo com que mais de 50 deles, de diferentes partidos, apresentassem projetos de lei pelo banimento do reconhecimento facial em espaços públicos. Desse modo, a iniciativa #SaiDaMinhaCara demonstra um consenso multipartidário sobre o caráter invasivo e discriminatório dessa tecnologia, principalmente quando aplicada sob uma pretensa narrativa de segurança pública. Com essa "chuva" de projetos de leis, o Brasil entrou na tendência mundial de restringir determinados usos de tal tecnologia.

Até agora, 12 estados e o Distrito Federal tiveram PLs apresentados no Brasil, seja no nível estadual ou municipal. São eles: Bahia, Ceará, Espírito Santo, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo.

As razões para o banimento são várias. Estudos comprovam que essa tecnologia é falha e cheia de vieses, com margem de erro particularmente gritantes quando se trata de rostos de pessoas negras, principalmente se forem mulheres ou pessoas trans. O resultado disso é que, se essa tecnologia é utilizada pela polícia e identifica erroneamente alguém, torna-se bem difícil argumentar contra uma máquina que você é você e não alguém procurado pela Justiça[5].

Banimento em São Paulo

No estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou a suspensão do edital do Smart Sampa, programa lançado pelo prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), que prevê a compra de 20 mil câmeras inteligentes de segurança com tecnologia de reconhecimento facial.

A decisão acolhe um pedido da Bancada Feminista, mandato coletivo do PSol na Câmara Municipal de São Paulo. O edital já havia sido suspenso pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) no ano passado, a pedido de organizações que apontavam riscos de perfilamento racial com o uso da tecnologia, fomentando abordagens discriminatórias de pessoas pretas e pardas.

Na decisão, o juiz Luis Manoel Fonseca Pires, da 3ª Vara da Fazenda Pública, menciona o risco de perpetuação de práticas racistas com o uso da tecnologia.

“Inúmeros pesquisadores de diversas áreas (direito, psicologia, sociologia, tecnologia de informação entre outras) e instituições renomadas (do Brasil e do exterior) apontam para riscos concretos de reprodução do racismo estrutural no uso do sistema de monitoramento por reconhecimento facial porque essa tecnologia reproduz padrões de discriminação incorporados na cultura e na dinâmica institucional das sociedades sem permitir qualquer revisão desses graves comportamentos”, diz a decisão.

O juiz afirmou que o edital não é claro a respeito do processamento de dados, o que pode expor informações sigilosas da população e ferir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). No entanto, cabe recurso[6].

Ver também

Perfilamento Racial e Racismo Institucional

Elemento suspeito: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro (pesquisa)

Parem de nos matar! Violência estatal e racismo nas favelas e periferias (live)

  1. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-12/rio-comeca-implantar-busca-de-criminosos-por-reconhecimento-facial
  2. https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/11/151-pessoas-sao-presas-por-reconhecimento-facial-no-pais-90-sao-negras.shtml
  3. ONU Diretos Humanos. Prevenindo e Combatendo o Perfilamento Racial de Pessoas Afrodescendentes: Boas Práticas e Desafios. Disponível em: 1821669-S-DPI-RacialProfiling_PT.pdf (acnudh.org).
  4. #TireMeuRostoDaSuaMira. Carta aberta pelo banimento total do uso de tecnologias digitais de reconhecimento facial na segurança pública. Disponível em: Home PT - #TireMeuRostoDaSuaMira.
  5. IDEC. Parlamentares de todas as regiões do Brasil apresentam projetos de lei pelo banimento do reconhecimento facial em espaços públicos. 20 jun 2022. Disponível em: Parlamentares de todas as regiões do Brasil apresentam projetos de lei pelo banimento do reconhecimento facial em espaços públicos | Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.
  6. Metrópoles. Justiça suspende compra de câmeras com reconhecimento facial em SP. 18 mai 2023. Disponível em: Justiça suspende compra de câmeras com reconhecimento facial em SP | Metrópoles (metropoles.com).