Mínimo Vital de Água
O Mínimo Vital de Água é a defesa do direito fundamental à água para pessoas que foram historicamente alijadas dos direitos sociais fundamentais.Em março de 2023, o Núcleo de Defesa do Direito do Consumidor (Nudecon) e o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública Estadual do Rio de Janeiro, com apoio da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde, entraram com a Ação Civil Pública do Mínimo Vital de Água. Esta ação visa garantir gratuidade no fornecimento de 25m³ de água potável por mês para famílias em situação de vulnerabilidade.
Autoria: Joyce Enzler e Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Sobre[editar | editar código-fonte]
*Texto originalmente publicado no Portal Casa Fluminense e reproduzido na íntegra pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco[1].
A Ação Civil Pública do Mínimo Vital de Água surgiu durante a pandemia no estado do Rio de Janeiro após uma série de denúncias sobre falta de água em favelas e periferias de toda a metrópole. De mensagens de denúncias que chegavam até a Ouvidoria estadual a pedidos de ajuda nas redes sociais, a sociedade civil se reuniu para exigir o básico: acesso à água em meio a uma crise sanitária.
A Ação Civil Pública do Mínimo Vital de Água, ou a ACP da água como ficou conhecida, tem como principal objetivo garantir o acesso a esse direito humano básico a todos, assegurando uma litragem mínima para as famílias viverem. A medida chega como uma contraposição à ideia de que a água seja tratada como uma mercadoria. A ideia é que o governo do Rio decrete essa obrigatoriedade, com isso cada casa receberia um volume mínimo vital e pagaria apenas o excesso como já ocorre hoje no Maranhão, por exemplo.
O ouvidor da Defensoria Pública do Estado do Rio, Guilherme Pimentel, conta que durante a pandemia ficou evidente como o racismo ambiental e a injustiça hídrica iriam definir quem sobreviveria à crise sanitária.
“Quando a pandemia chegou no Brasil, todos falavam ‘lave as mãos’, mas somente as periferias e as favelas se perguntavam: ‘mas como se eu não tenho água em casa?’. Nós ficamos muito preocupados com essas famílias, então soltamos o primeiro chamado emergencial que foi o ‘Onde está sem água no Rio de Janeiro?’ para mapear que territórios estavam sem abastecimento. Com esses movimentos, conseguimos identificar 140 locais com problema crônico de falta d’água.”, conta o ouvidor.
Enquanto o poder público pouco se pronunciava sobre esse assunto, a sociedade civil trazia tema para o holofote. Coletivos e organizações fizeram com que essa discussão fosse pautada.
Falta de Água e Pandemia[editar | editar código-fonte]
O monitoramento “Onde está sem água no Rio de Janeiro?”, lançado pela Ouvidoria Geral da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em março de 2020, mapeou 140 bairros e favelas de 14 municípios do Estado, que não estavam recebendo abastecimento de água potável fornecida pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), durante a pandemia. A pesquisa coletou o total de 397 denúncias relatando a falta de água permanentemente ou na maioria da rotina dos moradores.
Entre elas, a favela do Tabajaras, situada na Zona Sul da cidade do Rio, totalizou 93 denúncias, seguida da Rocinha com 27 e do Alemão com 14. Além disso, o Complexo da Maré, teve 11 denúncias na pesquisa realizada pela ouvidoria, e também chegou a ficar 20 dias consecutivos com falta d’água em dezembro de 2022, segundo apuração realizada pelo Maré de Notícias.
O problema de abastecimento de água é recorrente no Rio. Os moradores vivem sempre na insegurança de não saberem se vão acordar com acesso à água em casa. Em julho deste ano, mais de 50 bairros da Baixada Fluminense foram afetados pela falta d’água devido às fortes chuvas que atingiram o Rio. Nesta segunda-feira (28/08), cerca de 300 bairros da metrópole foram afetados pela paralisação do sistema Guandu, com um prazo de 72h para as empresas normalizarem o abastecimento.
Dias quentes e verão[editar | editar código-fonte]
À medida que o verão se aproxima, os moradores do Rio se preparam para enfrentar não só o calor extremo, mas também a escassez de água. A coordenadora de mobilização da Casa Fluminense, Fabbi Silva, alerta sobre esse contexto que se aproxima, a ACP corre contra o relógio hoje.
“Com o verão vem o desespero da torneira vazia e os gastos com carro pipa e objetos para armazenar água. As doenças também vem no pacote de falta de assistência e água. A ACP quer justamente minimizar os impactos da falta de água para quem não pode pagar comida e água ao mesmo tempo. Ou se come ou se bebe? Esse jeito de lidar com essa situação não é aceitável.”, contextualiza Fabbi.
Vale lembrar que além da falta ou dificuldade de acesso a água no Rio, a situação das periferias ficou mais complexa após o leilão da CEDAE. Em “Leilão da Cedae completa um ano sem propor mudanças nas periferias”, mostramos que contratualmente existem brechas e acordos entre poder públicos e as novas empresas concessionárias que dificultam o fornecimento nas favelas.
Momento atual da ACP[editar | editar código-fonte]
A ACP foi iniciada no Dia Mundial da Água, em 22 de março de 2023, depois que a Defensoria Pública do Rio aceitou o pedido da Ouvidoria. A instituição já havia feito um mapeamento de denúncias de falta de água em diferentes territórios da metrópole. Foi solicitado a adoção de diversas medidas para a garantia do acesso à água como direito humano básico, desde a Tarifa Social até a gratuidade ao mínimo vital de água para quem não tem condições de pagar por ela.
Esse passo foi fruto de diversos encontros e mediações com a sociedade civil que vêm acontecendo desde 2021, e apesar desse apoio para a judicialização do caso, é o esforço e a pressão da população que vem mantendo esse processo em movimento. A coordenadora de mobilização da Casa Fluminense, Fabbi Silva, destaca que a ACP só existe devido à mobilização da sociedade civil organizada. “Somos nós que brigamos para que seja garantido o direito à água para a população que precisa dela para sobreviver”, explica a coordenadora.
Mas só a população não consegue impactar a ACP para que ela seja bem sucedida. A Ação está com audiência marcada para 13 de setembro, mas após uma série de cancelamento e redefinição de datas, a expectativa de quem está acompanhando a ACP é pouca. Fabbi conta que ainda existe uma grande dificuldade para que as instituições públicas, em geral, reconheçam o que já está garantido nos tratados internacionais: que a água é um direito humano.
“Estamos lutando para garantir a marcação da audiência e que as organizações sejam aceitas como Amicus Curiae, é um processo importante que garante o comprimento das medidas já garantidas em tratados internacionais”, conta a coordenadora.
Amicus curiae ou Amigo da Corte é uma pessoa ou organização que, após ser admitida pelo responsável do caso, pode participar do processo fornecendo informações importantes para a resolução e andamento da Ação. Essa participação está prevista no Código de Processo Civil e é mais uma forma de intervenção popular. Essa participação é muito relevante, principalmente em um caso que tem um grande impacto social. Mas, como descrito por Fabbi, a ACP da Água está vivendo um impasse no processo de admissão da participação do amigo da corte.
Impacto da ACP[editar | editar código-fonte]
Uma Ação Civil Pública visa não apenas garantir um acesso da sociedade civil aos seus direitos, mas também promover uma mudança na relação entre o Estado e a população. Abrindo espaço para a participação civil dentro dos cenários públicos políticos, lutando contra a continuidade histórica de desigualdades e injustiças econômicas, de raça, gênero e climática.
Se bem-sucedida, a ACP da Água poderá impactar positivamente a sociedade como um todo ao proporcionar melhorias significativas na vida, principalmente, na população de favelas e periferias. O ouvidor Guilherme explica que hoje, as desigualdades que vivemos no Rio são fruto de uma continuidade histórica, que não fazem mais parte da Constituição, da legislação, mas que continuam acontecendo no dia a dia da população periférica.
A ACP da água é um espaço de proposição que muda a lógica de participação social nas decisões da cidade, do estado e do país. Para ele, além de influenciar políticas públicas que respeitem os direitos humanos fundamentais, o papel da ACP da Água é fazer com que as organizações, os profissionais do direito, atuem de forma conjunta, com o intuito de trazer transformações reais para a população. E, nesse caso, assegurar que o acesso à água seja uma realidade para todos.
“Quando a gente propõe outra relação do estado com a população, estamos defendendo que a gente consiga deixar essa continuidade histórica da colonização escravocrata para trás e de fato tornar o que tá no papel uma realidade. Ela (a ACP) é sobretudo uma proposta de alteração dessa relação entre o estado e a população”, afirma o Ouvidor.
A ACP do Mínimo Vital de Água é composta por: Fase, Casa Fluminense, Ondas, Leau/UFRJ, Faferj, Fam-Rio, MAB, MST, CMP, Associação de Moradores Jardim Maravilha na Zona Oeste, Data_Lab e Nossas, além da Ouvidoria e da Defensoria (Nudecon).
Vídeo sobre Mínimo Vital de Água[editar | editar código-fonte]
Ver também[editar | editar código-fonte]
Água e saneamento básico na Rocinha
Primeiras formas de acesso à água na Chatuba de Mesquita, Baixada Fluminense
- ↑ CASA FLUMINENSE. ACP da Água: a luta pela justiça hídrica no Rio de Janeiro. 2023.