Trabalho escravo

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Trabalho análogo à escravidão (Código Penal), forçado ou obrigatório (Convenção nº 29 da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho) é um fenômeno de caráter global que viola gravemente os direitos humanos ao cercear a liberdade e agredir a dignidade do indivíduo. Diferentemente dos mecanismos de escravidão dos períodos imperial e colonial, este tipo de conduta se constitui em um crime e está atrelado subalternamente às dinâmicas trabalhistas contemporâneas.

Autores: Vitor Martins e Clara Polycarpo.

Sobre[editar | editar código-fonte]

Trabalho escravo é um crime amplamente reconhecido ao redor do globo através dos países membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em sua 30ª Convenção Geral, ocorrida em 1930 na cidade de Genebra (Suíça), entre outros, e é repreendido por leis trabalhistas em diversos países. No Brasil, o crime de redução a condição análoga à de escravo consta no artigo 149 do Código Penal desde o decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, porém sem detalhamento dos seus elementos típicos. Somente em 1956, a partir de um decreto legislativo, o Brasil aderiu aos termos da Convenção 29 adotada pela OIT referente à supressão do trabalho forçado[1], sendo ratificado em 25 de abril de 1957, promulgada em 25 de junho de 1957 e finalmente entrado em vigência no território brasileiro em 25 de abril de 1958[2]. Mesmo assim, o país só passou a reconhecer a incidência do trabalho escravo em seu território, diante da OIT, em 1995, quando passou a criar uma força-tarefa especializada para resgatar pessoas encontradas nessa situação. O crime previsto pelo Código Penal recebeu em 2003 uma tipificação detalhada, por meio da lei 18.803, mantendo-se a pena de reclusão de 2 (dois) anos e multa, além de pena correspondente a eventuais violências ocorridas durante a execução do crime[3]. A penalidade pode ser ampliada pela metade caso o crime seja cometido contra menores de idade ou em decorrência de raça, religião ou origem.

Trabalho escravo, racismo e suas relações[editar | editar código-fonte]

No Brasil, as formas contemporâneas de escravidão podem ser entendidas a partir da dinâmica desencadeada desde, principalmente, meados do século XX. De fato, a escravidão contemporânea se diferencia da escravidão moderna em si: distintamente ao período colonial e imperialista, o trabalho escravo não é mais assegurado institucionalmente. A escravidão moderna constituiu-se num processo de conformação da economia mercantilista europeia e sua expansão marítima e imperial ao poder religioso ocidental e às teorias eugênicas racistas. Sob a monocultura agrário exportadora e o racismo contra as populações não brancas, foram criados os pilares que deram fundamento ao processo de escravização dos povos africanos nas Américas e em outras partes do globo. Sendo assim, a escravidão ocorreu de maneira institucionalizada como forma de garantir a ocupação e o desenvolvimento das economias ocidentais naquela época.

Este modelo de expansão colonial perdeu hegemonia a partir da transição do mercantilismo ao capitalismo, bem como da demanda por mão-de-obra para exploração de recursos do próprio continente africano. Entretanto, a escravização desses povos durante o período colonial é o que dá sustentação aos arranjos modernos de trabalho escravo do capitalismo contemporâneo, como parte da estruturação da ordem social e econômica racista e predatória. Como aponta Florestan Fernandes (2006)[4], o desenvolvimento do capitalismo na periferia não é capaz de eliminar o subdesenvolvimento - e a dependência-, isto é, as formas pré-capitalistas de relações econômicas são mantidas, mantendo também os focos de desenvolvimento econômico pré-capitalistas e suas estruturas sociais e políticas arcaicas. Na fase de emergência do capitalismo monopolista, não há, portanto, destruição de estruturas racistas e predatórias, mas, afinal, fortalecimento das mesmas. Nesse sentido, apontar para o trabalho escravo ou para o processo de deterioração das formas de trabalho na contemporaneidade - expressa em processos precarização dos empregos e de flexibilização de legislações sobre o trabalho -, passa por reconhecer que os atingidos por tais políticas ou condutas foram forjados no centros dos modelos coloniais de expansão das nações ocidentais.

Na década de 1960, em decorrência das políticas de desenvolvimento econômico formuladas pelos governos militares, a mão-de-obra aliciada (e forçada) foi utilizada, principalmente para expandir a fronteira agrícola na região Amazônica e alimentar o agronegócio. Oriundos de municípios pobres e com baixo Índice de Desenvolvimento Humano, milhares de trabalhadores (também chamados de "peões") foram sendo recrutados a serviço de fazendeiros (ALFAIA; FLEURY, 2014)[5]. Desde, principalmente, a Constituição Federal de 1988, esforços têm sido feitos - sejam eles governamentais ou não - com o intuito de coibir e combater o trabalho escravo contemporâneo. Denúncias documentadas de trabalho escravo se intensificaram a partir do início dos anos 1970, notadamente na Amazônia Legal. Esbarravam, porém, no negacionismo do Estado, o qual passou a ser pressionado em instâncias internacionais por várias ações de organizações da sociedade civil (como a Comissão Pastoral da Terra): no Parlamento europeu, na OIT, na Sub Comissão de Direitos Humanos da ONU, no na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Essa pressão resultou no reconhecimento oficial da realidade do trabalho escravo e na criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (1995). De 1995 a 2010, foram resgatadas 39.127 pessoas, fruto de 2.772 ações de fiscalização[6]. Em 2003, com a adoção do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, novas ações foram formuladas, tais como a "Lista Suja" do trabalho escravo, que mantém um cadastro com os dados dos empregadores flagrados em práticas de trabalho escravo no Brasil. Contudo, mesmo após a Constituição Federal, que garantiu formalmente a igualdade de direitos entre trabalhadores urbanos e rurais, o que se observa, na prática, é um completo afastamento entre direito formal e relações cotidianas de trabalho. Para tanto, estabelecer uma relação entre um tipo de conduta trabalhista criminosa e a escravidão requer, necessariamente, criar conexões entres estes modelos a fim de compreender suas origens, características e formas de operacionalização no mundo contemporâneo.

Segundo a OIT no Brasil, o trabalho escravo contemporâneo "pode assumir diversas formas, incluindo a servidão por dívidas, o tráfico de pessoas e outras formas de escravidão moderna. Ele está presente em todas as regiões do mundo e em todos os tipos de economia, até mesmo nas de países desenvolvidos e em cadeias produtivas de grandes e modernas empresas atuantes no mercado internacional."[7] A organização Repórter Brasil, que mantem o programa "Escravo Nem Pensar!", afirma que "o termo "trabalho escravo contemporâneo" é usado no Brasil para designar a situação em que a pessoa está submetida a trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívidas e/ou condições degradantes. Estas são as características enunciadas na definição do crime de redução a condição análoga à de escravo, objeto do artigo 149 do Código Penal Brasileiro. Não é necessário que os quatro elementos estejam presentes: apenas um deles é suficiente para configurar a exploração de trabalho escravo."[8]

Embora o trabalho escravo seja um termo utilizado para se referir a qualquer indivíduo submetido a tais condições, no Brasil, em especial, o fenômeno deve ser analisado mediante as características históricas e sociais do país, sobretudo as heranças culturais coloniais e conservadoras - já que a escravidão é praticada, em particular, sobre as populações negras e de origem nordestina que atuam nos campos em razão da produção agropecuária nacional. O racismo, enquanto elemento estruturante da ordem social e econômica brasileira, é peça fundamental na reprodução das formas de exploração atual. Sua operacionalização, institucional e estrutural, serve como método para submeter determinados grupos ao trabalho escravo. Essa concepção está calcada na desigualdade racial, mas se renova nos processos de migração interna decorrentes da urbanização e industrialização do país. Dessa forma, a busca por trabalho nas regiões mais industrializadas ou com maior poder econômico por indivíduos de origem nordestina, especialmente, é acompanhada por reações xenofóbicas que visam fragilizar a integridade dessas populações, tornando-as vulneráveis à exploração laboral e ao trabalho análogo à escravidão.

O resgate de trabalhadores de uma empresa terceirizada contratada por vinícolas da serra gaúcha durante a safra da uva em março de 2023 é um trágico exemplo das relações xenofóbicas e racistas que envolvem o trabalho escravo. No episódio, 194 dos 207 resgatados eram baianos em estavam alojados em instalações inadequadas. As vítimas afirmaram que os baianos possuíam uma forma de tratamento mais hostil, com uma ala diferenciada para o grupo e sofriam violência constantemente. Após o resgate, houve reações contrárias às denúncias feitas pelo Ministério Público do Trabalho: um vereador de Caxias do Sul chegou a afirmar que era normal que as vinícolas "fossem ter esse tipo de problema" ao contratarem nordestinos para a safra. Na ocasião, o vereador fez uma defesa da contratação de trabalhadores argentinos, afirmando que eles seriam "limpos e organizados", dando a entender que tais características não eram encontradas nos baianos já que sua única seria "viver na praia tocando tambor"[9].

A preferência pela escravização de corpos pobres e, sobretudo, negros, ocorre a partir do não reconhecimento dessas populações como dotadas de direitos e capacidades para uma relação positiva num determinado processo produtivo. Dessa forma, o que se viola é a integridade dessas pessoas no ambiente de trabalho - e sua própria dignidade humana. Para Honneth[10] (2003), somente o reconhecimento intersubjetivo e recíproco entre as partes pode resultar numa plena realização social - nesse contexto, laboral. Numa cultura racializada e fortemente impactada pelo escravismo, a reciprocidade para reconhecer o outro se perde, ocasionando em condutas violentas que inferiorizam grupos desfavorecidos nesse quadro.

Desde sua origem, o trabalho escravo também está intimamente ligado ao setor latifundiário e agropecuário no Brasil, correspondendo a ampla maioria dos casos de resgate. A presença da conduta no setor é tamanha que a bancada ruralista, representada em frente parlamentar, buscou nos últimos anos flexibilizar o que se entende por trabalho escravo. Em 2017, um ano e alguns meses após o impeachment da presidente Dilma, o governo federal chegou a emitir uma portaria em favor dos ruralistas, que relativizava as condições para se considerar um trabalho análogo à escravidão. Nesse sentido, a portaria entendia que não necessariamente trabalho forçado e jornada exaustiva comportavam as características que denominam o que é trabalho escravo. Contudo, seus efeitos foram suspensos ainda naquele ano pelo STF. Ainda assim, há projetos de lei e outras tentativas de flexibilização da lei sobre o trabalho escravo.

Na atualidade, a dinâmica do trabalho escravo e do racismo ainda estabelece fortes conexões com a reforma trabalhista e a terceirização em curso no Brasil, expondo um relacionamento íntimo entre condutas criminosas na esfera do trabalho e a agenda neoliberal contemporânea. Segundo dados da própria Detrae[11] (Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo), entre 2010 e 2013, 9 em cada 10 trabalhadores resgatados eram oriundos de trabalhos terceirizados. Isso acontece devido à falta de fiscalização das empresas contratantes e do poder público sobre as condições de trabalho proporcionadas por terceirizadas. Por outro lado, a plataformização do trabalho e sua desregulamentação também indicam maior suscetibilidade à submissão de indivíduos ao trabalho análogo à escravidão. O Brasil ocupa espaço central nessa nova configuração da divisão internacional do trabalho, como lugar de abundante mão-de-obra com baixos custos e precarizada mediante desigualdades sociais e raciais, tornando-o mais efetivo na aplicação da agenda neoliberal de flexibilização do trabalho.

É importante salientar que os efeitos da desregulamentação dessas novas formas de trabalho, como as por plataformas digitais, bem como a flexibilização das leis trabalhistas, são sentidos sobretudo em populações faveladas e periféricas que, ao fazerem parte do grande contingente de desempregados na atual crise do trabalho - estratégia calcada na filosofia neoliberal para manutenção de baixos salários -, não vêm outra saída que não se inserir em postos precarizados como maneira de garantir renda e subsistência em meio a tal quadro. Nesse sentido, esses corpos - historicamente desumanizados - são submetidos à informalidade a acabam por ter sua dignidade violada. Sendo assim, o trabalho como valor humano é superado em meio ao processo de precarização dos empregos, levando a condições análogas à escravidão.

Embora passos tenham sido dados no sentido de enfrentar o problema, atualmente não há ninguém preso no Brasil por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão e “as políticas de combate a estes regimes de exploração ainda são insuficientes, dependendo de ações de projetos e organizações da sociedade civil para trazer atenção aos casos”[12] (p. 7, PENA, LOPES, 2023). Além disso, o debate atual ainda não prioriza as intersecções possíveis, como a desigualdade no processo de regularização fundiária no país, os efeitos do racismo sobre essas condutas e o impacto negativo das novas leis trabalhistas sobre o trabalho precário e, com ele, o trabalho escravo. Sendo assim, o trabalho escravo se apresenta como um problema complexo e seu combate não deve ser entendido de maneira isolada, necessitando ser analisado através das relações que possui com as formações culturais, econômicas e políticas do país.

Panorama Global[editar | editar código-fonte]

  • Em 2021, 49.6 milhões de pessoas viviam em situação de escravidão moderna (Isso significa que 1 em cada 150 pessoas vivendo no mundo). . Desse total, 28 milhões de pessoas realizavam trabalhos forçados e 22 milhões estavam presas em casamentos forçados.
  • Em 2021, 10 milhões de pessoas a mais estavam em situação de escravidão moderna em comparação com as estimativas globais de 2016.
  • Das 27,6 milhões de pessoas em trabalho forçado, 17,3 milhões são exploradas no setor privado; 6,3 milhões eram vítimas da exploração sexual comercial forçada e 3,9 milhões do trabalho forçado imposto pelo Estado.
  • Quase quatro em cada cinco vítimas de exploração sexual comercial forçada são mulheres ou meninas, Com isso, mulheres e meninas representavam 4,9 milhões das pessoas vítimas da exploração sexual comercial forçada, e 6 milhões das pessoas em situação de trabalho forçado em outros setores econômicos, em 2021.
  • Um total de 3,31 milhões de crianças são vítimas de trabalho forçado, o que representa 12% de todas as pessoas em situação de trabalho forçado. Mais da metade dessas crianças são vítimas da exploração sexual comercial..
  • O trabalho forçado atinge praticamente todas as áreas da economia privada. Os cinco setores responsáveis pela maior parcela do trabalho forçado são: serviços (excluindo trabalho doméstico), manufatura, construção, agricultura (excluindo pesca) e trabalho doméstico.
  • As pessoas trabalhadoras migrantes são particularmente vulneráveis ao trabalho forçado.
  • A região da Ásia e do Pacífico tem o maior número de pessoas em situação de trabalho forçado (15,1 milhões) e os Estados Árabes a maior prevalência (5,3 por mil pessoas).
  • Enfrentar os déficits de trabalho decente na economia informal, como parte de esforços mais amplos para a formalização econômica, é uma prioridade para o progresso contra o trabalho forçado.
  • Para mais dados e estatísticas globais, consulte o site global da OIT.[7]

Panorama brasileiro[editar | editar código-fonte]

  • Entre 1995 e 2020, mais de 55 mil pessoas foram resgatadas de condições de trabalho análogas à escravidão no Brasil, segundo o Radar da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), vinculada à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (SEPRT) do Ministério da Economia.
  • As trabalhadoras e os trabalhadores resgatados são, em sua maioria, migrantes internos ou externos, que deixaram suas casas para a região de expansão agropecuária ou para grandes centros urbanos, em busca de novas oportunidades ou atraídos por falsas promessas.
  • A maiorias dos trabalhadores resgatados são homens, têm entre 18 e 44 anos de idade e 33% são analfabetos.
  • Os dez municípios com maior número de casos de trabalho escravo do Brasil estão na Amazônia, sendo oito deles no Pará.
  • Tradicionalmente, a pecuária bovina é o setor com mais casos no país. No entanto, há cerca de dez anos intensificaram-se as operações de fiscalização em centros urbanos, até que em 2013, pela primeira vez, a maioria dos casos ocorreu em ambiente urbano, principalmente em setores como a construção civil e o de confecções.[7]

Dados e perfil dos trabalhadores resgatados no Brasil[editar | editar código-fonte]

Segundo o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas - SmartLab, foram encontradas, entre 1995 e 2022, 60.251 pessoas em condições de trabalho análogas a de escravo no território brasileiro. Destas, mais da metades estão envolvidas no setor agropecuário, pelo menos 62% são trabalhadores agropecuários em geral, 64% são pardos ou pretos, e 62% são analfabetos ou possuem escolaridade apenas até o 5º ano do ensino fundamental. Também são em maioria homens e têm entre 18 a 34 anos. A média anual de trabalhadores regatados até 2022 é de 2.063,3.[13]

Dados retirados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.
Dados retirados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.
Dados retirados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.
Dados retirados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.
Dados retirados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.

















Casos recentes no Brasil[editar | editar código-fonte]

De janeiro a março de 2023, o Brasil já teve 918 trabalhadores resgatados. O número é um recorde para um primeiro trimestre anual, segundo o Ministério Público do Trabalho.[14]

Vinícolas do Rio grande do Sul[editar | editar código-fonte]

Dentre estes casos, destaca-se uma operação conjunta da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com o Ministério Público do Trabalho (MPT-RS), a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal que resgatou trabalhadores em situação análoga à escravidão que atuavam na colheita da uva e no abate de frangos em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Caso foi denunciado por um grupo de trabalhadores que conseguiu fugir do esquema e procurar a PRF em Porto Alegre.[15]

Segundo o MPT-RS, cerca de 215 homens foram encontradas em más condições de alojamento. Já a PRF calculou em 150 o número de pessoas resgatadas. Eles trabalhavam para uma empresa que fornecia mão de obra para grandes vinícolas da região, que não tiveram os nomes divulgados pelos órgãos de inspeção.

De acordo com relato aos policiais, os trabalhadores foram cooptados por aliciadores de mão de obra, conhecidos como gatos, na Bahia e trazidos para a Serra Gaúcha para trabalharem para uma empresa terceirizada que presta serviços a uma vinícola.

Os agentes fizeram buscas em galpão, na Rua Fortunato João Rizzardo, no bairro Borgo, onde os trabalhadores estavam alojados. A força-tarefa constatou precariedade nas acomodações, com pouquíssimo espaço para acomodar muitos trabalhadores ao mesmo tempo. Também há relato de muita sujeira, desordem e mau cheiro.

Segundo os trabalhadores, eles trabalhavam diariamente, das 5h às 20h, com folgas somente aos sábados. Isso representa uma absurda jornada de 15 horas de trabalho. Também denunciaram que representantes da empresa ofereciam a eles comida estragada.

Os trabalhadores também informaram que só podiam comprar produtos em um mercadinho em frente à Igreja Nossa Senhora do Carmo, com preços superfaturados e que o valor gasto era descontado no salário. Desta forma, eles acabavam o mês devendo, pois o consumo superava o valor da remuneração. E que eram impedidos de sair do local e que, se quisessem sair teriam que pagar a suposta "dívida". Além disso, os patrões ameaçariam os familiares, que vivem no estado nordestino.

Fazenda de arroz em Uruguaiana, RS[editar | editar código-fonte]

Uma outra operação realizada em 10 de março de 2023 resgatou 82 em situação semelhante à escravidão em duas fazendas de arroz no interior do município de Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. A operação foi realizada em conjunto pela Polícia Federal (PF), Ministério Público do Trabalho e a Gerência Regional do Trabalho.[16]

Conforme a PF, os resgatados são todos homens, sendo 11 deles eram adolescentes, com idade entre 14 e 17 anos. A operação foi realizada nas estâncias Santa Adelaide e São Joaquim.

O número oficial de resgatados incialmente era de 56 pessoas. Porém, foi atualizado mais tarde para 82, após cruzamento de dados das variadas equipes de resgate que participaram da operação.

Eles trabalhavam fazendo o corte manual do arroz e a aplicação de agrotóxico. Segundo os órgãos de fiscalização, os resgatados não utilizavam equipamentos de proteção e caminhavam à exaustão antes de chegarem ao local em que desempenhavam as atividades.

A comida e as ferramentas de trabalho eram por conta dos empregados. Se algum deles adoecesse, teria remuneração descontada, segundo apurado pela fiscalização. Conforme os relatos, um dos adolescentes sofreu um acidente com um facão e ficou sem movimentos de dois dedos do pé.

Nova Iguaçu, RJ[editar | editar código-fonte]

Um homem de 51 anos também foi resgatado em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, no dia 27 de março de 2023 , em condições de trabalho degradante em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. De acordo com a prefeitura da cidade, agentes da Guarda Ambiental Municipal (GAM) foram verificar uma denúncia de criação irregular de suínos e encontraram o trabalhador em situação subumana.[17]

“Segundo a própria vítima, o proprietário do terreno e dos animais lhe ofereceu trabalho em troca de abrigo. No entanto, Geovani Dias Cardoso, de 51 anos, vivia em condições precárias de higiene e se alimentava da mesma lavagem servida aos porcos havia mais de um ano”, informou a prefeitura de Nova Iguaçu.

Além da situação de trabalho análoga à escravidão, os agentes da GAM encontraram outras irregularidades: abate ilegal dos animais, dispersão de vísceras na margem de um rio, contaminação do solo por vermes e comida em estado de putrefação. O local foi interditado nesta terça-feira (28).

O caso foi registrado na 58ª Delegacia de Polícia (DP) de Posse. Além de trabalho análogo à escravidão, o proprietário do local pode ser investigado por crimes ambientais, atividade potencialmente poluidora e maus-tratos de animais.

De acordo com a nota da prefeitura, a Secretaria Municipal de Assistência Social fez o acolhimento da vítima e tenta localizar a família.

Como denunciar[editar | editar código-fonte]

Você pode realizar uma denúncia de trabalho escravo através do portal telefônico do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) - Disque 100.

A Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério da Economia (Detrae) também criou um outro canal de denúncia que você pode acessar aqui.

O Ministério Público do Trabalho também recebe denúncias via prédios da procuradoria e por meio dos sites das procuradorias regionais. O MPT possui ainda um aplicativo para denúncias, MPT Pardal, que você pode encontrar disponível para Android e iOS.

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. OIT, C029 - Trabalho Forçado ou Obrigatório.
  2. CONGRESSO NACIONAL, DECRETO LEGISLATIVO Nº 24, DE 1956 - Publicação Original.
  3. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, LEI No 10.803, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2003.
  4. FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica do Brasil. 5. ed. São Paulo: Globo, 2006.
  5. ALFAIA, Lilian; FLEURY, Sonia. Elos que libertam: redes de políticas para erradicação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil. O&S - Salvador, v. 21, n. 69, p. 255-274 - Abril/Junho 2014.
  6. BRASIL, Ministério do Trabalho. Resultados da fiscalização para erradicação do trabalho escravo de 1995 a 2010. Dez. 2010. Atualização 08/03/2021
  7. 7,0 7,1 7,2 OIT BR, Trabalho Forçado.
  8. Escravo nem pensar! - O trabalho escravo no Brasil.
  9. METRÓPOLES. Conheça o vereador que pediu para vinícolas “não contratarem baianos”. 2023.
  10. ____. 2003a [1992]. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: ed 34.
  11. In: FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Terceirização e trabalho análogo ao escravo: coincidência? Repórter Brasil, 2014.
  12. PENNA, Camila; LOPES, Ana. Branquitude e trabalho escravo na Serra Gaúcha. Porto Alegre: Sopas, Ibirapitanga,  2023. (Série Futuros Alimentares Sustentáveis).
  13. SMARTLAB, Perfil dos casos de trabalho escravo.
  14. AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, Brasil bate recorde de trabalho escravo e deputados sugerem propostas, força-tarefa e até CPI.
  15. BRASIL DE FATO, Operação resgata pessoas de trabalho análogo à escravidão durante colheita da uva no RS.
  16. G1, Operação resgata pessoas em condição semelhante à escravidão em fazendas de arroz no RS, diz PF.
  17. AGÊNCIA BRASIL, Homem é resgatado de trabalho análogo à escravidão em Nova Iguaçu.