Bate-bolas e resistência do carnaval longe dos holofotes
Bate-bolas e resistência do carnaval longe dos holofotes é um texto que acompanha um ensaio fotográfico, ambos de autoria de Carolina Fernandes, indígena urbana, historiadora, fotógrafa e artista independente, sobre o grupo de bate-bolas SAKAE que atua no bairro de Bento Ribeiro, localizado na Zona Norte do município do Rio de Janeiro. Este conteúdo faz parte da série “Lazer e Subúrbio Carioca”, publicada pelo Radar Saúde Favela, informativo produzido no âmbito da Cooperação Social da Fiocruz.
Autoria: Carolina Fernandes
Conteúdo reproduzido pela Wikifavelas. Publicação original: Radar Saúde Favela[1]
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Este é mais um ensaio da Série “Lazer e Subúrbio Carioca”, que vê a cultura como fator fundamental para a promoção da saúde, e trata de registros realizados por Carolina Fernandes no dia 12 de fevereiro de 2024, numa rua do bairro de Bento Ribeiro.
A turma fotografada é a SAKAE, grupo de bate-bolas das ruas paralelas à minha. Tenho na memória o registro da curiosidade e do medo que sentia quando via aquelas pessoas embaixo de roupas enormes e de cores vibrantes, batendo com a bola no chão ou girando as sombrinhas. A fotografia documental exige o exercício de estar com os olhos abertos e atentos ao que acontece ao nosso redor.
Retratada nas fotos, a cultura dos bate-bolas, pierrôs ou clóvis, não tem uma origem definida. Os primeiros registros de suas aparições na cidade datam do começo do século XX e estão relacionados à influência das festividades europeias que chegaram ao nosso solo pela colonização, assim como a Folia de Reis, por exemplo. Também é possível encontrar nos estudos sobre o tema, autores que remetem os bate-bolas ao simbolismo da luta negra por parte de escravizados recém libertos que lançavam mão de fantasias para que, só então, pudessem curtir livremente, longe das perseguições da polícia, cuja visão era muito recheada das noções de “classes perigosas”, sobretudo, para as camadas pobres e pretas da cidade.
É extremamente difícil precisar o número de pessoas que participam de turmas de bate-bolas na cidade do Rio de Janeiro. Atualmente, são muitos os grupos e em diversas regiões, no entanto, a cultura dos clóvis é característica comum às zonas Norte e Oeste, periferias da cidade. Os grupos podem ser de homens, mulheres, crianças, mistos ou exclusivos e os temas são variados e têm a ver com a identidade da turma e de seus locais. No geral, é possível ver temas relacionados à cultura pop misturados às mensagens que as turmas querem passar.
A SAKAE, criada em 2003 por um grupo de amigos das ruas Tácito Esmeriz e Joliva da Fonseca no bairro de Bento Ribeiro, subúrbio do Rio, acredita na inclusão para manifestar sua arte. Conversando com o líder da turma, o Bruno, ele me falou das dificuldades que aumentam todos os anos para manter viva a tradição dos bate-bolas. A produção passa por diversas pessoas, do desenhista do projeto ao costureiro e todo o processo de desenvolvimento da fantasia é totalmente artesanal. As fantasias são caras, chegando a custar mais de R$3 mil e os componentes têm aproximadamente 10 meses para pagar e, apesar de ainda muito forte nos subúrbios, a cultura de turmas de bate-bolas vem diminuindo ano após ano e as dificuldades aumentam.
“Por amor à cultura e ao bate-bola, à turma, a gente dá o nosso jeito e consegue colocar a turma na rua”, me disse o Bruno, que é líder da SAKAE desde 2022.
A turma que começou explorando desenhos animados, hoje busca explorar a “Inclusão” como tema. Contando com 19 integrantes (14 adultos e 5 crianças, sendo 1 cadeirante e 1 uma menininha de apenas 1 ano de idade), no ano de 2024, a escolha foi falar sobre combate à depressão a partir da homenagem ao ator Robin Williams, abordando tanto a sua obra artística, quanto sobre a depressão que o vitimou.
O Bruno me explicou que para os desenhos estampados no roupão foram escolhidas três artes: uma que retrata personagens interpretados pelo ator, relembrando sua obra; outra que demonstra Robin triste com uma máscara do próprio rosto alegre e símbolos do Setembro Amarelo e outros movimentos de combate à depressão, como girassóis e laços amarelos; e a última retrata o luto com a imagem do ator num céu azul e mais alguns de seus personagens, fazendo alusão ao seu legado.
“Não dá pra contar a história toda de uma pessoa numa fantasia, mas é possível contar uma parte”
A quilômetros de distância do esplendor e das atenções do Sambódromo, o carnaval dos subúrbios é resultado do trabalho coletivo e do esforço pessoal e financeiro de muitas pessoas para a construção de uma festa que represente e dê continuidade às tradições locais. E mais do que isso, longe dos holofotes dos cartões postais de carnaval no Rio, há preocupação e consciência para falar de um assunto que ainda é tão tabu e muitas vezes menosprezado, sobretudo nas áreas mais periféricas da cidade, como a Saúde Mental.
Toda história parte de um recorte. Nos subúrbios, onde nem sempre a ação do Estado ocorre de forma efetiva, no sentido da garantia de direitos, é totalmente possível perceber ações de conscientização através da arte de quem a produz.
Ensaio fotográfico[editar | editar código-fonte]
Veja o ensaio fotográfico aqui.
Sobre a autora[editar | editar código-fonte]
Carolina Fernandes é indígena urbana, historiadora, fotógrafa e artista independente. Nascida e criada em Bento Ribeiro, zona norte do Rio de Janeiro, seu trabalho tem como foco as narrativas suburbanas para além do óbvio: registra as mais diversas manifestações cotidianas e de resistência nesses locais, buscando um olhar crítico, humano e artístico sobre identidade e pertencimentos no dia a dia.
Ligações externas[editar | editar código-fonte]
Radar Saúde Favela - Portal de vigilância popular em saúde editorado pela Coordenação de Cooperação Social da Fiocruz.