Cultura popular do carnaval de Pernambuco

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

O Carnaval de Pernambuco, especialmente em Olinda e Recife, é uma das festas populares mais vibrantes e autênticas do Brasil. Com raízes que remontam ao período colonial, a festa mistura influências europeias, africanas e indígenas, combinando tradições seculares com manifestações contemporâneas.

Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco a partir de outras fontes[1][2][3][4][5][6]

Carnaval de Olinda[editar | editar código-fonte]

Foto: Carnaval de Olinda / Max Levay

As festividades carnavalescas em Olinda remontam ao início do século XX, com o surgimento de clubes carnavalescos como o Misto Vassourinhas e o Misto Lenhadores. Em 1932 ocorreu a estreia do "Homem da Meia-Noite", o primeiro boneco gigante a desfilar pelas ruas da cidade, tradição que perdura até hoje. Esses bonecos, confeccionados com madeira, tecido e papel, representam figuras históricas e contemporâneas, e desfilam durante o carnaval.

O frevo, ritmo musical e dança que se originou em Recife, também protagoniza o Carnaval de Olinda. As ruas e ladeiras da cidade são tomadas por desfiles e apresentações de frevo, maracatu, afoxé e outras manifestações culturais com influências africanas, europeias e indígenas, parte da formação cultural da região.

Carnaval do Recife[editar | editar código-fonte]

Foto: Maracatu - Marco Zero / Max Levay

No Recife, o Carnaval destaca-se pela grandiosidade e diversidade de manifestações culturais. O "Galo da Madrugada", fundado em 1978, é reconhecido pelo Guinness Book como o maior bloco carnavalesco do mundo, atraindo milhões de foliões às ruas do centro da cidade no sábado de Carnaval.

O Marco Zero, localizado no Recife Antigo, transforma-se no coração das festividades, abrigando palcos com programação diversificada que inclui apresentações de frevo, maracatu, caboclinhos e outras expressões culturais típicas de Pernambuco. A "Noite dos Tambores Silenciosos", realizada na segunda-feira de Carnaval no Pátio do Terço, é um momento de profunda reverência às tradições afro-brasileiras, onde, à meia-noite, todas as luzes se apagam e apenas o som dos tambores ecoa, criando uma atmosfera única e emocionante.

Tradições[editar | editar código-fonte]

Bonecos de Olinda[editar | editar código-fonte]

Os Bonecos Gigantes têm origem na Europa, provavelmente na Idade Média, associados a mitos pagãos que sobreviveram ao período da Inquisição. Essa tradição chegou a Pernambuco por meio da cidade de Belém do São Francisco, no sertão do estado. A história dos bonecos no Brasil começou com um jovem inspirado pelas histórias de um padre belga, que falava sobre o uso de bonecos em festas religiosas na Europa. Em 1919, o primeiro boneco, Zé Pereira, feito de madeira e papel machê, desfilou no Carnaval da cidade. Dez anos depois, surgiu sua companheira, Vitalina.

Foto: Sandro Barros / PMO

A tradição ganhou força em Olinda em 1932, com a criação do Homem da Meia-Noite, obra dos artistas Anacleto e Bernardino da Silva. Outros bonecos emblemáticos, como a Mulher do Meio-Dia (1937) e o Menino da Tarde (1974), foram adicionados ao repertório. O artista Silvio Botelho popularizou ainda mais a tradição ao criar o Encontro dos Bonecos Gigantes, um grande desfile realizado na Terça-feira de Carnaval.

Em 2008, uma nova geração de bonecos foi criada por uma equipe de artistas liderada pelo produtor cultural Leandro Castro. Utilizando técnicas modernas, como moldes de argila e fibra de vidro, eles produziram bonecos realistas de personalidades como Luiz Gonzaga, Michael Jackson, Pelé, Ariano Suassuna e muitos outros. Essas peças, com cerca de 3,90 metros de altura, ganharam o apelido de "museu de cera popular itinerante". Desde 2009, a Apoteose dos Bonecos Gigantes acontece no Sítio Histórico de Olinda, reunindo dezenas de bonecos em um espetáculo grandioso. Em 2023, o evento contou com 100 bonecos, celebrando ícones da cultura local, nacional e internacional. Atualmente, os bonecos ficam em exposição permanente na Embaixada de Pernambuco - Bonecos Gigantes de Olinda, localizada no Recife Antigo, onde podem ser apreciados durante todo o ano. Essa tradição continua a encantar foliões e turistas, mantendo viva a cultura e a história de Pernambuco.

Papangu[editar | editar código-fonte]

Bezerros, localizada no Agreste de Pernambuco, a 104 km da capital Recife, é reconhecida como um dos principais polos carnavalescos do estado. Essa fama se deve, em grande parte, à tradição dos Papangus, figuras mascaradas que desfilam pelas ruas com trajes coloridos e vibrantes, atraindo milhares de foliões em busca de uma festa única e cheia de diversidade.

A tradição dos Papangus, hoje Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco, remonta ao século XIX. De acordo com Robeval Lima, artista plástico e coordenador do Museu do Papangu de Bezerros, a prática surgiu durante o período da escravidão. Na época, os escravos, excluídos dos banquetes dos senhores de engenho, criavam máscaras rudimentares e saíam pelas ruas pedindo comida, especialmente angu de milho. Por isso, ficaram conhecidos como "papa-angu", termo que mais tarde deu origem ao nome "Papangus".

Inicialmente, essas manifestações eram uma forma de resistência e crítica social, mas, com o tempo, transformaram-se em uma brincadeira popular. A partir dos anos 1990, os Papangus ganharam destaque no Carnaval, evoluindo de figuras assustadoras, que causavam medo nas crianças, para personagens alegres e cheios de cores, brilhos e adereços.

As primeiras máscaras eram feitas de materiais simples, como coité (um fruto da região) e roupas esfarrapadas. Com o passar do tempo, as técnicas se aprimoraram, utilizando papel de embrulho, tecido de fronhas de travesseiro e, finalmente, papel machê, material usado atualmente. A intenção é preservar o anonimato dos participantes, que modificam até a voz e a postura para não serem reconhecidos.

Foto: Criança Papangu - Olinda / Max Levay

O ponto alto do Carnaval de Bezerros é o tradicional Concurso de Papangus, realizado no domingo de Carnaval. O evento reúne milhares de pessoas, que desfilam pelas ruas da cidade em direção à Praça Centenária, no centro do município. O concurso é uma celebração da cultura local e atrai tanto moradores quanto turistas. Robeval Lima, que já participou de mais de 40 edições do Carnaval como Papangu, é um dos responsáveis por manter viva essa tradição. Ele fundou o Museu do Papangu em 2006, um espaço que reúne mais de 800 peças relacionadas à manifestação e funciona como um centro de preservação e difusão da cultura local. O museu é aberto ao público e busca educar as novas gerações sobre a importância dessa tradição.

Caretas de Triunfo[editar | editar código-fonte]

Triunfo, localizado no Sertão de Pernambuco, é um destino único para quem busca conhecer as tradições carnavalescas da região. Com clima frio e situado a mais de 1.000 metros de altitude, o município é famoso por sua festa de Carnaval, que tem como protagonistas os Caretas, personagens mascarados que fazem parte da folia há mais de um século.

A historiadora Diana Rodrigues explica que não há uma data exata para o início do Carnaval em Triunfo, mas um dos registros fotográficos mais antigos data de 1912. Desde então, a festa sempre foi marcada por muita animação e elegância, com bailes em residências, concursos de frevo, eleição da rainha do Carnaval e o uso de fantasias luxuosas, feitas de cetim, seda e veludo.

Foto: Caretas de Triunfo / Max Levay

A partir de 1989, com a criação da Secretaria de Turismo, o Carnaval de Triunfo ganhou ainda mais destaque, tornando-se um dos principais polos carnavalescos de Pernambuco e o maior do Sertão.

Os Caretas, ícones do Carnaval de Triunfo, surgiram em 1917. A história conta que um mascarado chamado Mateus, integrante de um grupo de reisado do Sítio Lage, foi expulso de uma apresentação durante os festejos natalinos após beber demais. Ele então saiu sozinho pelas ladeiras da cidade, desfilando com sua máscara. No Carnaval seguinte, Mateus retornou, dando início à tradição dos Caretas, que se mantém viva até hoje.

Maracatu[editar | editar código-fonte]

O maracatu é uma manifestação cultural brasileira que une dança e música, originada no período colonial a partir da mistura de tradições africanas, portuguesas e indígenas. Surgiu em Pernambuco, especialmente em cidades como Olinda, Recife e Nazaré da Mata, e é marcado pela religiosidade, coreografias elaboradas, figurinos coloridos e a integração entre música e dança. Sua espiritualidade tem forte ligação com religiões de matriz africana, e as baianas são as principais cantoras, embora todos possam participar do coro.

Foto: Tabajara, Olinda / Max Levay

Existem duas vertentes principais: o maracatu nação (ou Baque Virado), mais antigo, focado em cortejos reais com bonecas chamadas calungas, e o maracatu rural (ou Baque Solto), que destaca o caboclo de lança e representa o cotidiano dos trabalhadores rurais. Ambos utilizam instrumentos de percussão, como tambores (alfaias), e de sopro, como trombones.

Frevo[editar | editar código-fonte]

O frevo é um ritmo musical e dança típicos de Pernambuco, surgido no século XIX. Sua música mistura marcha, maxixe, dobrado e polca, enquanto a dança, influenciada pela capoeira, é marcada por movimentos ágeis e acrobáticos. Reconhecido como Patrimônio Imaterial da Humanidade pela UNESCO em 2012, o frevo é um símbolo do carnaval de Recife.

Inicialmente, capoeiristas lideravam os blocos, usando movimentos de luta para proteger seus grupos. A dança, chamada "passo", combina elementos da capoeira com o ritmo acelerado do frevo, exigindo agilidade e força. O nome "frevo" vem de "ferver", refletindo a energia contagiante do carnaval.

Foto: Bloco Tamo Aqui Pra Gazeá, do colégio Instituto Capibaribe - Graças - Recife - PE / Max Levay

Originalmente instrumental, o frevo ganhou letras no estilo frevo-canção e se espalhou pelo Brasil, influenciando até a marchinha carioca. Instrumentos como trompetes, trombones e percussão são essenciais para seu som. Grandes artistas, como Francisco Alves e Pixinguinha, ajudaram a popularizar o gênero. O frevo também inspirou o trio elétrico baiano.

Noite dos tambores silenciosos[editar | editar código-fonte]

A Noite dos Tambores Silenciosos é uma celebração religiosa e cultural que acontece durante o Carnaval do Recife, na segunda-feira, no Pátio do Terço. O evento reúne grupos de maracatu de Pernambuco para homenagear a Virgem do Rosário, considerada protetora dos negros.

Sua origem está ligada ao período da escravidão, quando os negros eram proibidos de praticar suas crenças e tradições. Para preservar suas raízes, realizavam cortejos em silêncio. Mesmo após o fim da escravidão, esses rituais continuaram, e as comunidades negras do Recife passaram a se reunir nessa data para manter viva a tradição.

Foto: Noite dos Tambores Silenciosos / Max Levay

Em 1961, o jornalista e sociólogo Paulo Viana liderou uma iniciativa para resgatar e valorizar essas práticas africanas, criando a Noite dos Tambores Silenciosos como parte do carnaval recifense. O evento ocorre em frente à Igreja Nossa Senhora do Terço e, após o desfile dos maracatus, as luzes se apagam, os tambores silenciam e uma oração em iorubá é feita pelo Rei e Rainha do Maracatu, encerrando a cerimônia com um momento de reflexão e espiritualidade.

Reisado[editar | editar código-fonte]

Os Reisados são uma manifestação cultural e religiosa importante, ligada ao catolicismo popular e a festas como o Ciclo Natalino e os Santos Reis. Combinam música, dança, personagens, encenações e cortejos, criando uma rica tradição artística e espiritual.

Em Pernambuco, os enredos incluem marchas, louvações, cenas de guerra e danças dramáticas, como a Farsa do Boi e as Guerras Totêmicas, intercaladas com peças cantadas e declamações. Os entremeios apresentam personagens humanos ou animais, como o Boi, o Cavalo-marinho e o Zabelê, com trajes e gestos característicos.

Foto: Reisado / Max Levay

Os principais personagens são o rei, a rainha, o mestre, o contramestre e o Mateus, acompanhados por músicos. Cada um usa roupas elaboradas, refletindo a estética única da tradição. A presença de guerreiros e animais, além de referências à luta entre cristãos e mouros, é uma marca do Reisado no Nordeste.

Embora associado ao Dia de Reis, o Reisado também ocorre em outras épocas, como nas festas juninas, muitas vezes como pagamento de promessas. Participantes podem se comprometer por sete anos, mantendo viva essa expressão cultural e religiosa ao longo do ano.

Popularização[editar | editar código-fonte]

Em 1977, o Carnaval de Olinda tornou-se eminentemente popular com a abolição de comissões julgadoras e passarelas, garantindo maior participação do povo. Hoje, mais de um milhão de pessoas lotam as ruas da cidade durante a festa. Ao longo dos anos, o Carnaval de Pernambuco incorporou novos elementos, como o manguebeat, movimento cultural da década de 1990, sem perder suas raízes tradicionais. Essa capacidade de evoluir mantendo a autenticidade é uma das marcas da festa.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas e referências