Favela Cruzada São Sebastião: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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A Cruzada São Sebastião é um conjunto habitacional de influência modernista localizado à margem oeste do Jardim de Alá, no bairro do Leblon, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil. Do conjunto, fazem parte a igreja dos Santos Anjos e a escola municipal Santos Anjos, que foram tombados pela Secretaria Extraordinária do Patrimônio Cultural em 2008.
Informações do verbete reproduzidas, pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco, a partir de fontes secundárias da internet.
[[File:Cruzada.jpg|thumb|center|500px|Cruzada.jpg]]


= <span style="line-height:108%"><font color="#0563c1"><font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">Favela&nbsp;</span></font></font></font></font></font><font color="#0563c1"><font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">Cruzada São Sebastião</span></font></font></font></font></font></span> =
== História ==


<br/> &nbsp;
Foi inaugurada em&nbsp;29 de outubro&nbsp;de&nbsp;1955, por iniciativa de dom&nbsp;Hélder Câmara, então secretário-geral da&nbsp;Conferência Nacional dos Bispos do Brasil&nbsp;(CNBB), que convenceu o então&nbsp;presidente da república,&nbsp;Café Filho, a firmar um&nbsp;convênio&nbsp;para construir o conjunto habitacional. O objetivo era fazer, dali, uma espécie de&nbsp;plano piloto, um pontapé inicial para a meta de dom Hélder de acabar em dez anos com as 150&nbsp;favelas&nbsp;existentes na cidade naquela época.&nbsp;A&nbsp;chave&nbsp;para o primeiro morador foi entregue em 3 de janeiro de 1957.


== <span style="line-height:108%"><font color="#0563c1"><font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">História</span></font></font></font></font></font></span> ==
[[File:Cruzada 02.jpg|thumb|center|500px|Cruzada 02.jpg]]


<span style="line-height:108%"><font color="#0563c1"><font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">A Cruzada São Sebastião é um conjunto habitacional de influência modernista localizado à margem oeste do Jardim de Alá, no bairro do Leblon, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil. Do conjunto, fazem parte a igreja dos Santos Anjos e a escola municipal Santos Anjos, que foram tombados pela Secretaria Extraordinária do Patrimônio Cultural em 2008.</span></font></font></font></font></font></span>
Os primeiros moradores eram oriundos da vizinha&nbsp;favela [[Praia do Pinto]], que viria a sofrer um&nbsp;incêndio&nbsp;em 11 de maio de 1969&nbsp;e seria substituída pelo&nbsp;condomínio&nbsp;Selva de Pedra, em frente ao&nbsp;Paissandu Atlético Clube&nbsp;e à&nbsp;associação Atlética Banco do Brasil. O conjunto de dez&nbsp;prédios&nbsp;e 945&nbsp;apartamentos&nbsp;foi&nbsp;financiado&nbsp;num prazo de quinze anos, em pagamentos mensais de quantias que correspondiam, nos maiores apartamentos (de dois quartos), ao correspondente a quinze por cento do&nbsp;salário mínimo.


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[[File:Cruzada 03.jpg|thumb|center|500px|Cruzada 01.jpg]]


<span style="line-height:108%"><font color="#0563c1"><font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">Foi inaugurada em 29 de outubro de 1955, por iniciativa de dom Hélder Câmara, então secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que convenceu o então presidente da república, Café Filho, a firmar um convênio para construir o conjunto habitacional. O objetivo era fazer, dali, uma espécie de plano piloto, um pontapé inicial para a meta de dom Hélder de acabar em dez anos com as 150 favelas existentes na cidade naquela época.</span></font></font></font></font></font></span>
== Documentário ==


<span style="line-height:108%"><font color="#0563c1"><font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">Em novembro de 1955, começou-se a construir em ritmo acelerado para atender ao prazo estabelecido pelo presidente Café Filho, mesmo sem dispor da dotação prometida por ele. A votação final da verba foi atrasada até junho de 1957, um ano e meio depois de iniciada a construção do Bairro São Sebastião.</span></font></font></font></font></font></span>
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<span style="line-height:108%"><font color="#0563c1"><font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">A chave para o primeiro morador foi entregue em 3 de janeiro de 1957.</span></font></font></font></font></font></span>
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<span style="line-height:108%"><font color="#0563c1"><font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">É importante destacar justamente o que a Cruzada não pretendia fazer: construir casas populares tradicionais, como as casas erguidas nos parques proletários. Ao optar pela construção de blocos habitacionais, a Cruzada seguiu uma tendência inovadora na arquitetura da habitação social brasileira, a qual fora influenciada pela vanguarda moderna européia dos anos 20 (formada por expoentes de movimentos e tendências artísticos como o Construtivismo russo, De Stijl e Bauhaus) e, em especial, pelas idéias de Le Corbusier (Charles-Édouard Jeanneret, 1888–1965) sobre a racionalização e a industrialização do sistema de produção das moradias.<ref>SLOB, B. Do barraco para o apartamento: A “humanização” e a “urbanização” de uma favela situada em um bairro nobre do Rio de Janeiro. 2002. 160 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação) – Departamento de Estudos Latino-americanos, Universidade de Leiden, Niterói, dez. 2002. )</ref></span></font></font></font></font></font></span>
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<span style="line-height:108%"><font color="#0563c1"><font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">Os primeiros moradores eram oriundos da vizinha favela Praia do Pinto, que viria a sofrer um incêndio em 11 de maio de 1969 e seria substituída pelo condomínio Selva de Pedra, em frente ao Paissandu Atlético Clube e à associação Atlética Banco do Brasil. O conjunto de dez prédios e 945 apartamentos foi financiado num prazo de quinze anos, em pagamentos mensais de quantias que correspondiam, nos maiores apartamentos (de dois quartos), ao correspondente a quinze por cento do salário-mínimo.</span></font></font></font></font></font></span>
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<br/> &nbsp;
{{#evu:https://www.youtube.com/watch?v=xBeDh4V1SjE}}


=== <span style="line-height:108%"><font color="#0563c1"><font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">Referências</span></font></font></font></font></font></span> ===
== Da remoção da favela na Lagoa à especulação imobiliária ==
Autoria: Clarissa Stycer<ref group="Notas">[https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/cruzada-sao-sebastiao-da-remocao-da-favela-na-lagoa-especulacao-imobiliaria-19067568#ixzz6XYt4d7Yo Acervo O Globo]</ref>
[[File:Cruzada 01.jpg|thumb|center|600px|Cruzada 01.jpg]]


<span style="line-height:108%"><font color="#0563c1">[https://pt.wikipedia.org/wiki/Cruzada_São_Sebastião <font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">https://pt.wikipedia.org/wiki/Cruzada_S%C3%A3o_Sebasti%C3%A3o</span></font></font></font></font>]</font></span>
“No futuro, não haverá ‘favelados’, não haverá a diferenciação ‘moradores do Leblon’ e ‘moradores da praia do Pinto’. Serão todos, apenas, moradores do Leblon”, afirmou Dom Hélder Câmara, no dia 9 de dezembro de 1955, do alto de uma armação de madeira improvisada no canteiro de obras onde se ergueria a Cruzada de São Sebastião. Por meio de um convênio firmado com o governo federal, então regido pelo presidente da República Café Filho, o bispo não media esforços para levantar o conjunto habitacional localizado entre a Rua Afrânio de Melo Franco e o Jardim de Alah, idealizado para abrigar os moradores da favela Praia do Pinto.


<span style="line-height:108%"><font color="#0563c1">[http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1567#prettyPhoto <font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1567#prettyPhoto</span></font></font></font></font>]</font></span>
Fincada onde hoje é o condomínio Selva de Pedra, na fronteira dos bairros mais nobres da cidade, Leblon e Ipanema, a comunidade já havia sofrido com um incêndio misterioso em 1956 — esse desastre a atingiria mais duas vezes, em 1957 e em 1969, sendo totalmente destruída no último. A área era alvo de intensa especulação imobiliária, assim como outras favelas da Zona Sul, de onde os moradores eram despejados para ocuparem os subúrbios. Essa finalidade desagradava a Dom Hélder Câmara, que, para atingir a sua meta de tornar o Rio de Janeiro uma metrópole sem favelas até o IV Centenário da cidade, em 1º de março de 1965, defendia a integração e urbanização das comunidades.


<span style="line-height:108%"><font color="#0563c1"><font color="#000000"><font face="Times New Roman, serif"><font size="3"><font style="font-size: 12pt"><span style="text-decoration:none">[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Cruzada_São_Sebastião https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Cruzada_S%C3%A3o_Sebasti%C3%A3o]</span></font></font></font></font></font></span>
— Por eles e por nós. Por eles, porque são em sua maioria domésticas, lavadeiras e operários do bairro. Homens e mulheres que ganham o pão de cada dia nas vizinhanças de suas casas. Como iríamos jogá-los em Vicente de Carvalho ou Parada de Lucas, numa cidade que não tem transportes coletivos adequados? — indagou Dom Hélder em discurso na Praça Antero de Quental, no Leblon, registrado pelo GLOBO em 31 de outubro de 1955, citando bairros da Zona Norte da cidade — Por que haveríamos de querer afastar de nosso convívio os trabalhadores? Por que criar nossos filhos longe deles? A sociedade de hoje precisa combater esse aburguesamento, evitando esse perigoso abismo com a classe operária.


<br/> &nbsp;
Assim, na sua inauguração, em 3 de janeiro de 1957, chegaram as primeiras famílias das 910 que tinham lugar reservado no conjunto, articulado em dez blocos com sete andares cada um. Construídos com a ajuda dos moradores qualificados da Praia do Pinto, os edifícios tinham cozinha, banheiro, um quarto independente e um quarto e sala, equipados com luz elétrica, fogão a gás e sistema de água e esgoto. No total, 3 mil pessoas foram abrigadas.


[[Category:Cruzada São Sebastião]][[Category:Temática - Favelas e Periferias]]
— Nós não tínhamos nada e de repente ganhamos casa e escola para nossos filhos. Éramos tão abandonados que tivemos que aprender até a usar o sanitário. Meus filhos hoje têm curso superior — lembrou Maria Regina Cardoso dos Santos, uma das primeiras moradoras da Cruzada, em reportagem publicada no GLOBO em 13 de fevereiro de 2005, quando o conjunto completava cinco décadas do começo de sua construção.
 
A ideia é que, quando um barracão fosse abandonado na favela, ele fosse destruído. De acordo com o bispo, que mandou o engenheiro Luís Onofre Pinheiro Mendes construir também uma igreja, uma escola, um mercado e um centro social, o requisito para o deslocamento foi baseado em “famílias relacionadas” e preparadas psicologicamente para tal. Além disso, havia uma seleção rigorosa para garantir que “malandro não mora no Bairro de São Sebastião”, como expressou o sacerdote, apelidado de “bispo vermelho”. Perseguido na ditadura militar, o regime teria o impedido de continuar com a sua meta de replicar o modelo da Cruzada em outras áreas da cidade.
 
Com o tempo, a falta de manutenção dos prédios e o tráfico de drogas ilícitas contribuíram para a degradação do conjunto, que enfrentou a discriminação dos entornos elitizados, como mostrou a reportagem especial “906 famílias — uma pequena cidade — tentando melhorar de vida”, do jornal em 12 de agosto de 1979, que reuniu relatos de racismo e revelou que algumas escolas da região não aceitavam moradores da Cruzada. Com o aumento do número de furtos e assaltos nos entornos do bairro, os policiais da Delegacia de Vigilância-Sul pediram, em 1974, a remoção dos moradores.
 
— As condições de higiene dos apartamentos (principalmente blocos 4 e 5), é lamentável (sic). Moram, em espaço mínimo, 18 e 20 pessoas, muitas vezes. Em alguns apartamento há animais domésticos, como cabras e galinhas. Em outros, há plantações de tomates em vasos sanitários — justificou o delegado Armando dos Santos Pereira, redator do ofício que requeria a desapropriação da Cruzada.
 
Apesar dos esforços contrários, em 1982, os residentes conseguiram as escrituras de seus apartamentos. Nos anos seguintes, observou-se uma crescente valorização imobiliária do espaço. Outro perfil de morador, mais próximo da classe média do que os habitantes originais da Praia do Pinto, passou a ocupar os quartos com vista para a Praia do Leblon e Lagoa Rodrigo de Freitas. Na série Cidade em Transe, publicada no GLOBO em outubro de 2013, foi avaliado que o processo de gentrificação na área — quando o tipo de população de uma região passa por uma transformação, sendo ocupada por pessoas de maior poder aquisitivo em relação ao grupo anterior — ajudou a valorizar em 135% o preço dos imóveis em menos de dois anos.
 
Na história da Cruzada, um dos moradores mais notórios é Adílio, o craque do Flamengo, nascido e criado no bairro. Desde pequeno, jogava bola no Clube AABB, na Lagoa, e treinava no Flamengo, onde se consagrou como um dos melhores meio-campos da história do clube. Ao lado de Zico e Andrade, compunha o chamado Esquadrão Imortal, formação que lotava o Maracanã. Conquistou o Campeonato Mundial Interclubes, a Copa Libertadores da América e o Campeonato Carioca, todos em 1981, além dos Campeonato Brasileiros de 1980, 1982 e 1983. Chegou a ser convocado para a Copa da Espanha de 1982, mas acabou não sendo chamado para jogar, o que cancelou uma grande festa na Cruzada. A comunidade foi o primeiro lugar a receber o Gol de Placa, projeto que teve Adílio como um dos fundadores e que forma jovens jogadores de futebol em outras áreas da cidade.
 
Entre as personalidades retratadas nas páginas do GLOBO em tantos anos de Cruzada, destaca-se também Maria Flauzina Rodrigues, que tinha 112 anos quando foi entrevistada para reportagem de 16 de agosto de 1982. Antiga moradora da Praia do Pinto era a residente mais antiga do conjunto habitacional, e exibia um tesouro carregado de memória: um chapéu de filó azul-claro, que dizia ter ganho de presente da princesa Isabel.
==Ver também==
*[[Cruzada São Sebastião]]
 
*[[Pastoral de Favelas]]
 
*[[Parada de Lucas]]
 
== &nbsp;Notas e referências ==
<references group="Notas"/>[[Categoria:Temática - Favelas e Periferias]]
[[Categoria:Rio de Janeiro]]
[[Category:Cruzada São Sebastião]]

Edição atual tal como às 16h43min de 21 de agosto de 2023

A Cruzada São Sebastião é um conjunto habitacional de influência modernista localizado à margem oeste do Jardim de Alá, no bairro do Leblon, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil. Do conjunto, fazem parte a igreja dos Santos Anjos e a escola municipal Santos Anjos, que foram tombados pela Secretaria Extraordinária do Patrimônio Cultural em 2008.

Informações do verbete reproduzidas, pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco, a partir de fontes secundárias da internet.
Cruzada.jpg

História[editar | editar código-fonte]

Foi inaugurada em 29 de outubro de 1955, por iniciativa de dom Hélder Câmara, então secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que convenceu o então presidente da república, Café Filho, a firmar um convênio para construir o conjunto habitacional. O objetivo era fazer, dali, uma espécie de plano piloto, um pontapé inicial para a meta de dom Hélder de acabar em dez anos com as 150 favelas existentes na cidade naquela época. A chave para o primeiro morador foi entregue em 3 de janeiro de 1957.

Cruzada 02.jpg

Os primeiros moradores eram oriundos da vizinha favela Praia do Pinto, que viria a sofrer um incêndio em 11 de maio de 1969 e seria substituída pelo condomínio Selva de Pedra, em frente ao Paissandu Atlético Clube e à associação Atlética Banco do Brasil. O conjunto de dez prédios e 945 apartamentos foi financiado num prazo de quinze anos, em pagamentos mensais de quantias que correspondiam, nos maiores apartamentos (de dois quartos), ao correspondente a quinze por cento do salário mínimo.

Cruzada 01.jpg

Documentário[editar | editar código-fonte]

Da remoção da favela na Lagoa à especulação imobiliária[editar | editar código-fonte]

Autoria: Clarissa Stycer[Notas 1]
Cruzada 01.jpg

“No futuro, não haverá ‘favelados’, não haverá a diferenciação ‘moradores do Leblon’ e ‘moradores da praia do Pinto’. Serão todos, apenas, moradores do Leblon”, afirmou Dom Hélder Câmara, no dia 9 de dezembro de 1955, do alto de uma armação de madeira improvisada no canteiro de obras onde se ergueria a Cruzada de São Sebastião. Por meio de um convênio firmado com o governo federal, então regido pelo presidente da República Café Filho, o bispo não media esforços para levantar o conjunto habitacional localizado entre a Rua Afrânio de Melo Franco e o Jardim de Alah, idealizado para abrigar os moradores da favela Praia do Pinto.

Fincada onde hoje é o condomínio Selva de Pedra, na fronteira dos bairros mais nobres da cidade, Leblon e Ipanema, a comunidade já havia sofrido com um incêndio misterioso em 1956 — esse desastre a atingiria mais duas vezes, em 1957 e em 1969, sendo totalmente destruída no último. A área era alvo de intensa especulação imobiliária, assim como outras favelas da Zona Sul, de onde os moradores eram despejados para ocuparem os subúrbios. Essa finalidade desagradava a Dom Hélder Câmara, que, para atingir a sua meta de tornar o Rio de Janeiro uma metrópole sem favelas até o IV Centenário da cidade, em 1º de março de 1965, defendia a integração e urbanização das comunidades.

— Por eles e por nós. Por eles, porque são em sua maioria domésticas, lavadeiras e operários do bairro. Homens e mulheres que ganham o pão de cada dia nas vizinhanças de suas casas. Como iríamos jogá-los em Vicente de Carvalho ou Parada de Lucas, numa cidade que não tem transportes coletivos adequados? — indagou Dom Hélder em discurso na Praça Antero de Quental, no Leblon, registrado pelo GLOBO em 31 de outubro de 1955, citando bairros da Zona Norte da cidade — Por que haveríamos de querer afastar de nosso convívio os trabalhadores? Por que criar nossos filhos longe deles? A sociedade de hoje precisa combater esse aburguesamento, evitando esse perigoso abismo com a classe operária.

Assim, na sua inauguração, em 3 de janeiro de 1957, chegaram as primeiras famílias das 910 que tinham lugar reservado no conjunto, articulado em dez blocos com sete andares cada um. Construídos com a ajuda dos moradores qualificados da Praia do Pinto, os edifícios tinham cozinha, banheiro, um quarto independente e um quarto e sala, equipados com luz elétrica, fogão a gás e sistema de água e esgoto. No total, 3 mil pessoas foram abrigadas.

— Nós não tínhamos nada e de repente ganhamos casa e escola para nossos filhos. Éramos tão abandonados que tivemos que aprender até a usar o sanitário. Meus filhos hoje têm curso superior — lembrou Maria Regina Cardoso dos Santos, uma das primeiras moradoras da Cruzada, em reportagem publicada no GLOBO em 13 de fevereiro de 2005, quando o conjunto completava cinco décadas do começo de sua construção.

A ideia é que, quando um barracão fosse abandonado na favela, ele fosse destruído. De acordo com o bispo, que mandou o engenheiro Luís Onofre Pinheiro Mendes construir também uma igreja, uma escola, um mercado e um centro social, o requisito para o deslocamento foi baseado em “famílias relacionadas” e preparadas psicologicamente para tal. Além disso, havia uma seleção rigorosa para garantir que “malandro não mora no Bairro de São Sebastião”, como expressou o sacerdote, apelidado de “bispo vermelho”. Perseguido na ditadura militar, o regime teria o impedido de continuar com a sua meta de replicar o modelo da Cruzada em outras áreas da cidade.

Com o tempo, a falta de manutenção dos prédios e o tráfico de drogas ilícitas contribuíram para a degradação do conjunto, que enfrentou a discriminação dos entornos elitizados, como mostrou a reportagem especial “906 famílias — uma pequena cidade — tentando melhorar de vida”, do jornal em 12 de agosto de 1979, que reuniu relatos de racismo e revelou que algumas escolas da região não aceitavam moradores da Cruzada. Com o aumento do número de furtos e assaltos nos entornos do bairro, os policiais da Delegacia de Vigilância-Sul pediram, em 1974, a remoção dos moradores.

— As condições de higiene dos apartamentos (principalmente blocos 4 e 5), é lamentável (sic). Moram, em espaço mínimo, 18 e 20 pessoas, muitas vezes. Em alguns apartamento há animais domésticos, como cabras e galinhas. Em outros, há plantações de tomates em vasos sanitários — justificou o delegado Armando dos Santos Pereira, redator do ofício que requeria a desapropriação da Cruzada.

Apesar dos esforços contrários, em 1982, os residentes conseguiram as escrituras de seus apartamentos. Nos anos seguintes, observou-se uma crescente valorização imobiliária do espaço. Outro perfil de morador, mais próximo da classe média do que os habitantes originais da Praia do Pinto, passou a ocupar os quartos com vista para a Praia do Leblon e Lagoa Rodrigo de Freitas. Na série Cidade em Transe, publicada no GLOBO em outubro de 2013, foi avaliado que o processo de gentrificação na área — quando o tipo de população de uma região passa por uma transformação, sendo ocupada por pessoas de maior poder aquisitivo em relação ao grupo anterior — ajudou a valorizar em 135% o preço dos imóveis em menos de dois anos.

Na história da Cruzada, um dos moradores mais notórios é Adílio, o craque do Flamengo, nascido e criado no bairro. Desde pequeno, jogava bola no Clube AABB, na Lagoa, e treinava no Flamengo, onde se consagrou como um dos melhores meio-campos da história do clube. Ao lado de Zico e Andrade, compunha o chamado Esquadrão Imortal, formação que lotava o Maracanã. Conquistou o Campeonato Mundial Interclubes, a Copa Libertadores da América e o Campeonato Carioca, todos em 1981, além dos Campeonato Brasileiros de 1980, 1982 e 1983. Chegou a ser convocado para a Copa da Espanha de 1982, mas acabou não sendo chamado para jogar, o que cancelou uma grande festa na Cruzada. A comunidade foi o primeiro lugar a receber o Gol de Placa, projeto que teve Adílio como um dos fundadores e que forma jovens jogadores de futebol em outras áreas da cidade.

Entre as personalidades retratadas nas páginas do GLOBO em tantos anos de Cruzada, destaca-se também Maria Flauzina Rodrigues, que tinha 112 anos quando foi entrevistada para reportagem de 16 de agosto de 1982. Antiga moradora da Praia do Pinto era a residente mais antiga do conjunto habitacional, e exibia um tesouro carregado de memória: um chapéu de filó azul-claro, que dizia ter ganho de presente da princesa Isabel.

Ver também[editar | editar código-fonte]

 Notas e referências[editar | editar código-fonte]