Alexandre Grabas (entrevista)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz- Mata Atlântica, em parceria com a Cooperação Social da Fiocruz. Neste episódio, a conversa é com Alexandre Grabas.

Autoria: Material de pesquisa do Projeto do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Alexandre Grabas.jpg

Entrevista completa[editar | editar código-fonte]

Transcrição[editar | editar código-fonte]

Meu nome é Alexandre Grabas. Milito no Movimento Popular de Moradia desde os 16 anos e comecei no Sulacap. Comecei a participar de festividades juninas das famosas festas do Sulacap. Eu sempre militei, era considerado tri militante: movimento partidário, estudantil comunitário, e comecei no movimento de moradia. Onde moro, onde estudo, participo das lutas - partido, estudante e moradia - sempre fiz lutas conjuntas.

Em Jacarepaguá, na Praça Seca, quando retornamos, a associação de moradores enfrentava a necessidade de moradias e as ocupações no morro, cada vez mais alto, cada vez mais riscos. A demanda era muito forte. Quando saio da Praça Seca pra Taquara, deparo com as mesmas questões: falta de moradia, ocupação, grileiros e as questões da terra, além da falta d’água, da luz, do asfalto.

Na AMOATA, FAERJ e depois a MOJABA, fui tesoureiro no Jardim Boiuna. Lá já havia uma ocupação de 1988, e eu colaborei depois na organização. Depois na ocupação, depois na enchente de 96, muita gente estava necessitando de moradias, quem morava na área de risco. Saímos reunidos e orientados partidariamente e partimos para a ação. Assim foi Shangrilá.

Dentro da Igreja Católica, tem a comunidade eclesial de base que discute as questões, mas não apresenta uma alternativa, no sentido de partir para a prática. Eu participei de algumas ações. A ocupação de Meringuava, a organização de Shangrilá, ela vem dessa necessidade. Acompanhávamos as demandas de moradia, lá na Meringuava, as 286 famílias, oriundas desta catástrofe das enchentes de 96, não tinha mínima alternativa. Você perde tudo e não dá para ir para o aluguel. Foi uma catástrofe. Eu ajudei amigos a tirar barro da loja, na Taquara, e fui sabendo de gente que perdeu tudo, e tinham apenas alguns pertences e procurando lugar para ficar.

Na associação, Igreja Batista na Boiuna, Igreja Católica Sagrada Família, a Ação da Cidadania trouxe colchonetes para Igreja Sagrada Família e dali começa-se a buscar espaço. Descobrimos um terreno na Meringuava que não tinha dono e havia segurança de um supermercado, que fazia a guarda do local, mas tinha informações que o supermercado não era o dono. Concentramos na Boiuna, na AMOJABA [Associação de Moradores do bairro Jardim Ponte Alta] para ajudar na infraestrutura, e uma noite ocupamos lá o local.

Ocupação[editar | editar código-fonte]

Na organização, [estavam] AMOJABA, Igreja Batista, Igreja Católica, num segundo momento a Fundação Bento Rubião. No primeiro momento veio a Polícia Militar com suas armas. E como o poder público não conseguia identificar o dono do terreno, nós saímos do terreno e acampamos na calçada. A Guarda Municipal então veio tirar o povo da calçada. Então teve enfrentamento. Eram brutamontes. Chamamos dois parlamentares para impedir a pancadaria. Eles conseguiram convencer tanto a Guarda e a Polícia. Foram informados que ninguém reivindicou a posse do terreno e, portanto, eles não tinham porque defender o patrimônio. E com isso começamos a organizar. Cadastramos as 286 famílias. A fundação Bento Rubião fez projeto para organizar a ocupação, mas acabou tendo um conjunto de intervenção de fora. E os moradores acabaram aceitando um grupo paramilitar armado que chegou a nos dizer "ou vocês saem ou" e abriu um carro com armas dizendo "nós queremos este terreno". Então nós optamos: eu, João Marcos, e Martins do Bento Rubião, e decidimos sair.

Contando que 6 meses antes tivemos uma perda de uma liderança sindical. O "Tião sem medo", que era sindicalista. Ele foi assinado, pararam o ônibus no Curicica e ele foi morto. Ficamos fragilizados. Mas tínhamos o projeto de fazer moradia popular, tínhamos recurso para infraestrutura e para parte da fundação das casas, e cada um ia levantar sua casa. Mas por causa deste grupo paramilitar nós tivemos que sair mesmo.

Na Meringuava, a organização era para ter algo organizado. A Fundação Bento Rubião havia captado recursos, mas este grupo de fora não queria organização, trouxeram mais gente. Havia venda de barracos. E eles entraram, ocupando a parte da frente, e que depois construíram grandes lojas. Das 280 cadastradas, 80 saíram e mais de 100 entraram. Fizeram uma seleção de interesses deles. E quem tinha mais envolvimento com as comissões de organização saíram (sic). E até hoje não sei se tem legalização. Tinha problemas de herança, mas não tinha como resolver. Uns seis meses já tinham lojas.

Poder público[editar | editar código-fonte]

Tem grupos que defendem que moradia é dever do Estado. “Você está na luta de cooperativas para construir as próprias moradias.” Nossa luta é consequência de um estímulo. Naquela época, 96, os governos não se preocupavam com isto. O atual prefeito, naquela época, queria bater nos moradores. O Eduardo Paes era o administrador regional. Ele é que veio com a Guarda Municipal para tirar os moradores dali. E que poder ele tinha? Ele não foi acionado pelo dono. Então o governo não tinha vontade política para fazer moradia popular. Ou as pessoas construíam por si, ou buscavam parceria.

Já tinha um grupo discutindo isto e participando de Shangrilá. Sabíamos que é dever do Estado, mas diante da necessidade, vamos ficar esperando ou vamos fazer alguma coisa? Buscar recurso, fazer parcerias para própria população fazer a sua moradia. Hoje a cooperativa Esperança já está construindo, mas o Nova Esperança e Guerreiros Urbanos está esperando. Tem gente cadastrada na Prefeitura. E já disseram que se forem contemplados vão passar o direito para outros cadastrados.

Cooperativa[editar | editar código-fonte]

As pessoas se organizam em cooperativa não porque adoram se reunir. Vêm pela necessidade de moradia e por saber o que acontece em Shangrilá, com Herbert de Souza. E as pessoas percebem que isto é viável. Tanto é que com as casas da Esperança ganhando forma, recebemos 2 a 3 pessoas por semana querendo casa. E isto fortalece o movimento.

Eu me lembro que lá em Shangrilá, conseguimos recursos para 2 casas enquanto estávamos buscando mais recursos. Nessa época, poucas pessoas iam às reuniões. Só depois de conseguir todo recurso, para todos, é que as pessoas vieram para a reunião. As pessoas não acreditam em promessas do governo e nem nas nossas. Elas têm que olhar nos olhos e ver resultados concretos. A sociedade precisa de provas. Então temos: Shangrilá, Herbert de Souza, Esperança.

O recurso do Esperança é do Governo Federal e teve parceria com a Prefeitura, pela urbanização do local, no PAC Colônia. As pessoas estão acreditando na luta, com resultados concretos. O grupo Nova Esperança tem de 120 a 130, com reuniões há mais de 1 ano. O Guerreiros Urbanos tem mais de 150. Essa participação é porque tem alternativa concreta.

Habitação e saúde[editar | editar código-fonte]

Nós, no nosso grupo, estamos discutindo a tipologia da casa/apartamento, mas discutindo a moradia, principalmente na qualidade de vida. Em 96, as pessoas que vieram buscando moradia elas vieram de área de risco, de morar na beira do rio. A moradia não está deslocada da questão da saúde. A falta de saneamento, a moradia digna é o grande salto para garantir a saúde, o esgoto vai para o rio. Essa questão é bem percebida por quem constrói sua própria casa. Nosso grupo está discutindo a partir da experiência da Rocinha. Estamos discutindo a circulação de ar.

FIOCRUZ[editar | editar código-fonte]

Eu fico triste com a questão da educação. Vários de nós, João Marcos, Aparecida de Campo, Dionísio de Caxias, que não tiveram grande oportunidade de estudar. Eu até estudei, mas não o que eu queria. Porque eu passei na UERJ, mas era curso à tarde e à noite - e manhã- e tive que fazer contabilidade, porque tinha que trabalhar.

Em um determinado momento, a gente tinha conhecimento fantástico, e estando num grupo de cidadania ativa, a gente fez um pacto de estudar, porque nós vimos acadêmicos lá, que o embasamento deles vinha da experiência de outros. E acadêmicos em reuniões, falando de movimento sem nunca ter participado de nada. A Aparecida e o Dionísio colocaram coisas concretas que eles vivenciavam, e o acadêmico jogou aquilo por terra, como se ele fosse um doutor. Ai nós decidimos estudar.

Eu fiz pedagogia. Quem sai da academia, não sabe organizar a população mais difícil. Então capacitar as lideranças na academia. É mais eficaz se tornar um técnico do que você traduzir essa linguagem. Quem não tem conhecimento, esse conhecimento e vivência comunitária, tem muita dificuldade. Claro que tem raras exceções. Eu gosto de ressaltar a importância dos movimentos sociais levarem pessoas para a academia.

Luta coletiva[editar | editar código-fonte]

O principio básico [da cooperativa] é a solidariedade. A sociedade é muito excludente, individualista. Então, minimamente, a cooperativa te leva a viver outras relações. Ela traz o convívio social e coletivo, cria compromisso, [nela] aprende-se a respeitar e reconhecer outros valores. E começa a integrar o seu conhecimento.

Eu já tenho alguma experiência de outros trabalhadores, de outros lugares. Tem que quebrar o paradigma, a pedreira de que todo dia as pessoas trazem o individualismo. Todo dia você tem que buscar democratizar a informação para que todos possam tomar a melhor decisão. Você precisa respeitar e tentar ser outro ser, perceber que você vive em sociedade. Porque hoje você sai de casa, pega o ônibus e vive isolado. A cooperativa te obriga a se ver como um ser social.

Eu fico feliz com a mudança cultural, procurar melhorar nas pequenas coisas: que se desenvolvam, cresçam e tenham melhor autoestima. Então estar nesses movimentos me fortalece nessa luta, para que as pessoas se valorizem, possam crescer. Esses são pequenos resultados, que devem estar junto com os grandes.

Eu acredito que damos mais valor àquilo que conquistamos. Fazer a própria casa é uma conquista. Receber a casa pronta é diferente. Há uma alegria em construir a própria casa, mas além, se desconstruindo, para se construir de novo. É isso que me move.

Outros depoimentos[editar | editar código-fonte]

  1. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Dona Jane: acesse clicando aqui
  2. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - João Marco: acesse clicando aqui
  3. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - José Jorge: acesse clicando aqui
  4. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Renato Dória: acesse clicando aqui
  5. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Guaraci Jorge dos Santos: acesse clicando aqui
  6. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Sandra Maria Rosa: acesse clicando aqui
  7. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Maria Zélia Carneiro Dasy: acesse clicando aqui
  8. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Noemia Caetano acesse clicando aqui
  9. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Almir Paulo: acesse clicando aqui
  10. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Luiz Alberto de Jesus: acesse clicando aqui
  11. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Valmira: acesse clicando aqui
  12. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Altair Antunes de Moraes: acesse clicando aqui
  13. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Seu Olívio: acesse clicando aqui

Ver também[editar | editar código-fonte]