Bahia - Guerra às drogas garante privilégios da branquitude

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco


A Bahia, estado que possui mais pessoas negras fora do continente africano, tem tido no projeto de segurança pública a política de “guerra às drogas” como estratégia de manutenção dos privilégios da branquitude. A maioria da população negra teve sua imagem, fenótipo e cor/raça associados aos estereótipos de “suspeito”, “perigoso”, “bandido”, por meio desse processo de desumanização. Portanto, passível de ser morta, contida, presa e torturada pelo Estado. O que garante a manutenção do poder a uma minoria branca, detentora de maiores rendas, empregos e qualidade de vida. Já as pessoas negras estão representadas nas estatísticas de morte, prisões e seguem sendo as maiores vítimas da violência.

Autoria: Silvia Ramos
Esse verbete faz parte do relatório "Máquina de moer gente preta: a responsabilidade da branquitude", produzido pela Rede de Observatórios da Segurança.

Relatório[editar | editar código-fonte]

Quando fazemos a análise do campo da segurança pública brasileira, é possível observar que historicamente o marcador raça foi estrategicamente invisibilizado na construção das políticas de segurança – mesmo o índice de morte da população negra sendo superior ao de pessoas brancas. É isso que se reflete nos dados que apresentamos neste relatório através do monitoramento da Rede de Observatórios da Segurança. Destacamos quatro indicadores para refletir a espacialização, as dinâmicas de violência e o racismo na cidade de Salvador: policiamento; chacinas e tentativas de chacinas; violências, abusos e excessos por parte de agentes do Estado; vitimização de agentes do Estado.

Dez bairros de Salvador com mais ações de policiamento - agosto de 2021 a julho de 2022

Fonte: Rede de Observatórios da Segurança
Bairro Nº de eventos
FAZENDA COUTOS 9
PERIPERI 8
MATA ESCURA 8
TANCREDO NEVES 7
PERNAMBUÉS 7
VALÉRIA 6
BROTAS 6
ÁGUAS CLARAS 6
PITUBA 4
PARIPE 4

Fazenda Coutos, Periperi, Mata Escura, Tancredo Neves, Pernambués, Valéria, Brotas, Águas Claras, Pituba e Paripe são os dez bairros com mais ações de policiamento na capital. Os três primeiros do índice são territórios reconhecidamente pobres e negros, que podem ser analisados a partir dos desdobramentos de políticas de embranquecimento implementadas no início do século XX, que acabaram por direcionar, de maneira negativa, parte da população negra para regiões periféricas dos centros urbanos, apontando-as como produtoras da criminalidade e do risco.

A Pituba, único bairro majoritariamente branco citado entre os dez, não traz o estigma de ser um bairro ‘’perigoso”. Mesmo que a região apareça com altos índices de uso/porte de substâncias entorpecentes, nenhuma morte violenta foi registrada segundo a pesquisa Mesmo que me negue, faço parte de você, da Iniciativa Negra.

A pesquisa também demonstra que, na Bahia, existe uma relação direta entre o direito à cidade e o racismo. Nos bairros com maiores índices de ocorrências e de população majoritariamente negra não existem equipamentos de cultura mantidos pelo Estado. Assim como a circulação de transportes, o acesso ao lazer e à escola, que também deveriam ser mediados pela segurança pública. No entanto, não é possível acessar esses direitos por meio de trocas de tiros e operações policiais nessas comunidades.

As expressões da cultura negra e periférica, como os “paredões”, que em certo momento foram proibidos pelo atual do governador do estado, seguem sendo criminalizadas e constantemente têm sofrido com a violência policial.

Como visto na Chacina da Gamboa, que tirou a vida dos jovens Alexandre Santos dos Reis, Cleverson Guimarães e Patrick Souza Sapucaia, na madrugada do dia 01 de março, em Salvador, durante o Carnaval. Testemunhas relataram que os policiais chegaram na comunidade atirando para cima e falando para que eles fossem “até a mídia”. Chama atenção o fato de que um dos jovens havia sido torturado no ano anterior pelo mesmo policial que participou da operação. O bairro da Gamboa sofre constantes pressões e violências por conta do racismo ambiental, das ações violentas da polícia e da especulação imobiliária – já que a comunidade pesqueira está em um espaço vizinho a grandes empreendimentos imobiliários e com vista para a Baía de Todos os Santos.

A Bahia tem o segundo maior índice de chacinas em dinâmicas ocorridas em ações policiais, com 15 vítimas fatais, ficando atrás apenas do estado do Rio de Janeiro. Dentre essas 15 vítimas, 13 foram do sexo masculino e 5 foram pessoas negras.

As comunidades negras estão em risco constante e são alvos de autoridades, como do governador do estado da Bahia, Rui Costa (PT), que após a morte de três policiais militares em Salvador, no bairro de Águas Claras, em maio deste ano, autorizou o uso de “força máxima” de segurança. Dessa forma, a polícia intensificou o policiamento na região em busca dos suspeitos de envolvimento no caso. Desde o início da operação, que perdurou uma semana, quatro homens considerados suspeitos morreram.

Segundo o monitoramento da Rede de Observatórios, a Bahia é o segundo estado do Nordeste com mais agentes de segurança vitimizados: mais de 30 profissionais de segurança baianos sofreram violência entre agosto de 2021 e julho de 2022. As mortes dos policiais militares expressam também o fracasso da atual política de Segurança Pública adotada no estado. O estado lidera a estatística de mortes em ações de policiamento no Nordeste: foram 55 mortes registradas e 10 feridos. Estamos diante de um quadro que aponta os policiais como executores legitimados pelo Estado.

Onde a repreensão ao tráfico de drogas continua sendo a principal justificativa para agir, ocorreram 279 ações diretas. Dentre os estados monitorados pela Rede de Observatórios, a Bahia é o estado que possui a segunda maior quantidade de apreensão de maconha em ações de policiamento, em torno de 244, que equivalem a 15% do total de drogas apreendidas no local.

No mesmo período, a Polícia Militar se destaca como a principal força envolvida nas 1.094 ações de policiamento, estando presente em 623 dessas ações. A Polícia Civil é a segunda mais presente, estando em 405 ações, e a Polícia Rodoviária Federal em 123 ações.

Esses dados dão indícios de que a chamada “guerra às drogas” nada mais é do que uma guerra a determinados corpos, sujeitos e territórios. A cobertura dos meios de comunicação hegemônicos distingue, sem dar nomes, os territórios que serão criminalizados dos territórios que devem ser considerados intocáveis.

Ver também[editar | editar código-fonte]