Chacina da Maré - 06 de maio de 2019
Oito pessoas foram assassinadas durante uma operação da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) em conjunto com a Polícia Civil do Rio, no Complexo da Maré, na zona norte da cidade, na manhã de 06 de maio de 2019. Na época de criação deste verbete (em 2022), não havia informações sobre a circunstância das mortes nem sobre a identidade dos mortos.
Autoria: Este trabalho é resultado de uma parceria entre os grupos GENI (UFF), Radar saúde favela e CASA (IESP-UERJ) junto com o Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Sobre o trabalho 'Chacinas em favelas no Rio de Janeiro'[editar | editar código-fonte]
As informações sobre a chacina da Maré, apresentadas neste verbete, fazem parte de um trabalho conjunto realizado por diferentes pesquisadores(as) e instituições. Integram esta parceria: o Dicionário de Favelas Marielle Franco (ICICT-Fiocruz), os grupos GENI (Universidade Federal Fluminense) e Grupo CASA (IESP-UERJ), além do Radar Saúde Favela (Fiocruz).
O trabalho reúne informações em diferentes formatos sobre chacinas realizadas em favelas do Rio de Janeiro, como levantamento de dados de frequência, número de mortos, artigos e pesquisas acadêmicas, materiais audiovisuais e afins.
Pesquisadores e pesquisadoras envolvidos diretamente: Mariana Cavalcanti; Palloma Valle Menezes; Daniel Hirata; Diogo Lyra; Fábio Araujo; Caíque Azael; Clara Polycarpo; Giovanna Monteiro; Ana Clara Macedo; Thaís Cruz; Gustavo Azevedo; João Mina; Ananda Viana; Kharine Gil de Almeida; Marcelo Reis Filho; Norma Miranda; Gabriel Nunes; Vítor Martins e Patrícia Ferreira.
Além da discussão sobre as chacinas em si, compreendemos que é importante ampliar os olhares sobre políticas urbanas, políticas de segurança pública e surgimento de alguns movimentos sociais, para construir um painel sobre outros temas que, de alguma forma, possuem relação com as chacinas no estado do Rio de Janeiro.
História[editar | editar código-fonte]
Na manhã do dia 6 de maio de 2019, moradores do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, mais uma vez viveram momentos de terror durante operação das tropas do governador Wilson Witzel, declarado inimigo do povo. A ação da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil, começou no início da manhã e só terminou no final da tarde. Por horas, moradores rastejaram para se abrigar dos tiros disparados de veículos blindados e, principalmente, dos helicópteros da polícia, que deixaram marcas nas paredes e nos telhados das casas e nas memórias do povo que saía de casa para trabalhar e estudar. Ao menos oito pessoas foram mortas.
Na internet, os moradores inundaram a rede com imagens do terror vivido. Na Escola Municipal Marielle Franco, crianças tiveram que se abrigar nos corredores da unidade, deitadas no chão e acalmadas por professores e funcionários. A professora Rosália Romão enviou uma mensagem pelo celular à organização Maré Vive, que repassou o texto à redação de AND. Um relato de medo, revolta e impotência de quem luta todos os dias para acalentar as mentes e corações de milhares de crianças perturbadas pela política de extermínio do velho Estado.
Na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que fica a 200 metros do Complexo da Maré, profissionais de saúde e estudantes também tiveram que evacuar o prédio pela saída dos fundos, voltada para a favela de Manguinhos. Segundo relatos de funcionários nas redes sociais, antes da evacuação, todos tiveram que buscar abrigo nos corredores da unidade.
A operação se estendeu pelas favelas Palace (Conjunto Esperança), Salsa, Merengue e Vila do João e dois homens foram presos. Sobre os oito mortos, a recém-criada secretaria de Polícia Civil não divulgou as identidades das vítimas e se restringiu a dizer, em nota, que todos eram traficantes e foram mortos em confronto.
Além disso, a nota diz que o objetivo da operação era a prisão do traficante Thomaz Jhayson Vieira Gomes, que atualmente se autodenomina 3N do Salgueiro. O traficante varejista não foi localizado.
A Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), que comandou a operação, informou em nota que três pessoas foram presas, entre elas um segurança pessoal de 3N e a mulher dele, e sete fuzis, apreendidos além de pistolas e granadas. O órgão disse ainda que "houve resistência dos criminosos e oito suspeitos de fazerem parte do tráfico foram baleados e morreram no confronto", e que "todos os protocolos para a realização da operação foram tomados", com investigações sendo conduzidas pela Delegacia de Homicídios da Capital. A ação durante horário escolar acontece após o estado fluminense registrar o trimestre com mais mortes pela polícia desde 1998. O governo fluminense ainda não se manifestou sobre a operação.
Moradores relatam que as execuções dos jovens ocorreram em duas casas no Conjunto Esperança, onde, mesmo rendidos e com as mãos levantadas foram mortos. Antes de efetuar os disparos, policiais teriam dito “minha ordem é matar”.
A equipe do Maré de Direitos, núcleo jurídico da Redes da Maré, visitou a região e identificou veículos atingidos por disparos de armas de fogo, várias casas invadidas e com danos materiais.
Foram encontradas 18 cápsulas de balas em numa única casa. As consequências psicológicas e emocionais para os moradores são impossíveis de mensurar.
Depoimentos[editar | editar código-fonte]
Na página Maré Vive, no Facebook, um morador compartilhou uma foto de crianças e funcionários abrigados no corredor de uma escola durante o tiroteio.
Nas redes sociais, moradores comentaram o uso de helicóptero da Polícia Civil na operação. "Tô vendo helicóptero passar aqui por cima da minha casa em Benfica [bairro da zona norte]", escreveu uma moradora que se identifica como Cris Raesky.
Um morador da comunidade do Caju, também zona norte, disse que conseguiu ouvir os disparos na Maré. "Estou no Caju e ouvi perfeitamente... Parecia uma guerra”
— Sempre que isso acontece, a gente fica sem saber onde é a operação, se é em Manguinhos ou se é na Maré. Quando os sons dos tiros foram se distanciando, muita gente olhou pelas janelas para saber onde era a operação. Foi quando vimos o helicóptero da polícia voando bem baixinho sobre a Maré. Eles não paravam de atirar. Foram pelo menos duas horas de tiros e mais tiros. Olhando de fora, não dá para acreditar que vivem pessoas ali. Não é possível que essa é a única política do governo contra o tráfico. Na verdade, é política contra o povo que vive ali, porque o tráfico está aí a décadas e pouca coisa mudou — diz uma funcionária que prefere não se identificar.
ISP (Instituto de Segurança Pública)[editar | editar código-fonte]
Sob Witzel, recorde de mortes pela polícia De acordo com dados do ISP (Instituto de Segurança Pública)
As mortes em confrontos com policiais no estado do Rio chegaram a um nível recorde no primeiro trimestre deste ano. Ao todo, 434 pessoas foram mortas em ações das forças de segurança, o maior número desde o início da série histórica do ISP, iniciada em 1998. O número representa um aumento de 41,8% em relação ao mesmo período de 2018, quando foram registradas 306 mortes em confronto.
Procurada pela reportagem, a Polícia Militar informou que as operações são "pautadas por planejamento prévio e executadas dentro da lei" e que, nas ações realizadas em áreas conflagradas, a prioridade é "a prisão de criminosos e apreensão de drogas e armas". Essa é a segunda vez que ações policiais têm números historicamente altos de mortos durante o governo Witzel. A recordista é a ação da Polícia Militar nas comunidades do Fallet e Fogueteiro, na região central do Rio, em fevereiro, que teve um saldo de 15 mortes --maior número de vítimas das forças de segurança no estado desde 2007, quando uma megaoperação no Complexo do Alemão terminou com 19 vítimas em diversos pontos da região.
Witzel é defensor da "lei do abate"
Desde a corrida eleitoral, quando se mostrou favorável à morte de criminosos que estivessem portando fuzis em comunidades do Rio. Em junho passado, o debate sobre o uso de helicópteros como plataforma de disparos durante operações policiais ganhou força. Na ocasião, o estudante Marcos Vinícius, 14, morreu depois de ter sido atingido por um disparo de fuzil na Maré. Na ocasião, outras seis pessoas morreram durante a ação policial. Moradores da região relataram que os policiais fizeram tiros de dentro das aeronaves.
Ações, violações e mortes na Maré[editar | editar código-fonte]
Jéssica Pires - 14 de maio de 2019
Em uma semana, foram 5 ações policiais na Maré. 10 territórios atingidos pelo medo. 9 vidas interrompidas. 7 vidas marcadas e feridas, inclusive a de uma criança no Conjunto Esperança. 31 horas do cotidiano de mais de 130 mil pessoas impactado. 20 unidades de ensino e 6 unidades de saúde com funcionamento prejudicado. Em todos os dias úteis dessa semana, pelo menos uma unidade de saúde e escola tiveram seus serviços afetados. Nas 5 operações policiais, TODAS contaram com a presença da Polícia Civil e do “caveirão voador”, sendo mais uma vez naturalizado na atuação do Estado da Maré.
É importante dizer que a Ação Civil Pública da Maré, instrumento legal produzido pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, com apoio dos moradores, organizações da sociedade civil e o Fórum Basta de Violencia! Outra Maré É Possível…., que visa reduzir danos e riscos durante as operações policiais na Maré, recomenda que as operações não aconteçam em locais próximos à escolas. A região do Conjunto Esperança que foi alvo da ação no último dia 6 de maio fica bem próxima há um complexo com mais de 7 escolas. Ontem, na Nova Holanda e Parque União a ação aconteceu na saída do horário escolar.
Outra norma estabelecida pela ACP é que ambulâncias estejam à disposição durante as ações para socorrer vítimas. Essa é uma medida que geralmente não é seguida durante as operações policiais na Maré e também não foi identificado pelas nossas equipes nas últimas operações.
Lembramos também que o uso do helicóptero como plataforma de tiro tem sido frequentemente utilizado nas operações na Maré: o Caveirão Voador deixou de ser exceção e virou uma regra nas operações policiais da Maré! Essa é uma tática que aumenta consideravelmente o grau de letalidade das operações na Maré. Uma operação que foi marco na Maré e teve a presença do Caveirão Voador aconteceu no dia 20 de junho de 2018, com 7 mortos, entre eles o menino Marcos Vinicius de 14 anos. Além de gerar temor, pavor e desespero ao cotidiano dos moradores que não sabem de onde tiros e rajadas são disparados. Imagine ter um helicóptero sobrevoando em cima da sua casa e disparando tiros a esmo?
Uma semana depois da violenta operação policial que deixou 8 mortes no Conjunto Esperança, e que marcou o início desses 7 dias de terror que os moradores da Maré têm vivido, a Delegacia de Homicídios realizou perícia nos pontos onde essas 8 vidas foram executadas. Em casos de homicídios, as perícias são importantes para garantir que as investigações sejam consistentes e que os culpados sejam responsabilizados pelas mortes. Não pode ser diferente em territórios favelados. Não pode ser diferente na Maré.
Hoje estiveram presentes peritos do Ministério Público e a Delegacia de Homicídios realizando perícias em duas casas no Conjunto Esperança onde ocorreram 8 das mortes, decorrentes da operação do dia 6 de maio. A associação de moradores e a equipe do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré acompanharam a visita e as perícias que aconteceram na manhã de hoje sem nenhum registro de confronto. É importante registrar que durante a visita e perícia, a equipe da Redes da Maré foi hostilizada por policiais da CORE. Seguimos acompanhando as ações das polícias na Maré e ressaltamos sempre que lutamos por uma política de segurança pública que garanta direitos e preserve vidas.
Repercussão na mídia[editar | editar código-fonte]
“Mais uma vez, a política ao combate às drogas faz vítimas sem nenhuma perspectiva de construir a paz nas favelas”, cita trecho da nota publicada no Maré Online, portal de notícias da Redes da Maré.
- Operação deixa oito mortos no conjunto de favelas da Maré, na Zona Norte do Rio
Crianças precisaram se esconder no corredor da Orquestra Maré do Amanhã por causa dos confrontos. Equipes da Coordenadoria de Recursos Especiais contam com apoio de helicóptero na ação.
- Polícia do Rio faz operação na Maré
Oito pessoas morreram durante uma operação da Polícia Civil do Rio no Complexo da Maré, na zona norte da cidade, na manhã de hoje. Ainda não há informações sobre a circunstância das mortes na favela. A polícia também ainda não divulgou o motivo da operação no local.
- Complexo da Maré é alvo de operação da polícia e acaba com ao menos oito mortos
Pelo menos oito pessoas morreram durante operação da Polícia Civil no Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, nesta segunda-feira (6). A polícia disse que as oito vítimas eram traficantes que chegaram a ser encaminhados para o Hospital Geral de Bonsucesso, mas morreram.
- Tiroteio durante operação policial na Maré deixa oito mortos
Oito pessoas morreram na manhã de hoje (6) em tiroteio durante operação da Polícia Civil no Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro. A informação foi confirmada pela assessoria da corporação.
- Operação da polícia no Complexo da Maré deixa oito mortos no Rio
Operação da polícia no Complexo da Maré deixa oito mortos no Rio; moradores dizem que tiros partiram de helicóptero.
Referências[editar | editar código-fonte]
https://mareonline.com.br/uma-semana-de-acoes-violacoes-e-mortes-na-mare/
https://anovademocracia.com.br/no-223/11033-policia-civil-invade-complexo-da-mare-e-promove-chacina
https://mareonline.com.br/a-ordem-e-matar/
Ver também[editar | editar código-fonte]
Chacinas policiais (relatório)