Fórum Social de Manguinhos
O Fórum Social de Manguinhos (FSM) é um coletivo de moradores e apoiadores fundado no ano de 2007, localizado na comunidade de Manguinhos, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. O FSM é um importante espaço de militância, articulação, mobilização e formação política. O Fórum surgiu a partir de chamadas públicas, realizadas pelos próprios moradores, que objetivavam juntar os membros da comunidades interessados em discutir e mobilizar-se politicamente para compor articulações políticas em torno do anúncio das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a serem realizadas na comunidade.
Autoria: Resultado de pesquisa realizada na disciplina extensionista da Faculdade de Educação da UFF, Educação Popular nas Favelas e Periferias (2024-1), ministrada pelo professor Reginaldo Scheuermann Costa.
Diferentes Momentos de Luta[editar | editar código-fonte]
A forma como programas como PAC e, posteriormente, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) foram executados em Manguinhos remete aos dispositivos de controle da classe trabalhadora, desde a imposição de códigos de posturas a imposição da forma de habitar baseados no estabelecimento do legal e do ilegal, quando os ilegalismos aparecem nas interações e dinâmicas sociais. Que para esta análise são relações territoriais que modificam os códigos, diálogos e acordos estabelecidos, bem como as características e funções e escalas atribuídas ao próprio Estado, neste caso, ente responsável pelas intervenções. Para Barros (2016)[1], tais dinâmicas constituem-se como partes inseparáveis à forma-execução destes programas nas favelas e periferias, e descrever e analisar os seus impactos nas relações cotidianas locais constituem os principais objetivos da análises das práticas estatais cotidianas em contextos situados, que são diferentes momentos da luta em que o FSM tem que buscar diferentes articulações.
O Programa de Aceleração do Crescimento[editar | editar código-fonte]
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é um programa do governo federal elaborado em janeiro de 2007, inserido em um planejamento que objetivava apoiar as condições de crescimento econômico do país. Ele estava dentro da proposta de execução de macro-objetivos que visavam a promoção do crescimento econômico por meio do aumento do emprego e da melhoria das condições de vida da população brasileira. Desta forma, o PAC implementou um conjunto de instrumentos para executar maciços investimentos destinados à execução de projetos de infraestrutura para atender a todas as regiões brasileiras. Dentro do contexto de crescimento econômico que vinha desde 2004 e da lógica que os mecanismos de mercado eram insuficientes para manter a trajetória de crescimento. Nesta abordagem o setor público assume os investimentos em infraestrutura e esta uma vez criada possibilitará a ação do capital privado (NUNES, 2018). As grandes desigualdades sociais, estruturadas na superexploração dos trabalhadores, tem a sua expressão mais evidente nos assentamentos precários. Valla [2](1986, p.24) ao citar Valladares[3] (1978, p.46) coloca “a favela é o resultado da exploração da força de trabalho em uma sociedade estratificada, onde as desigualdades tendem a se perpetuar e o processo de acumulação do capital é cada vez maior”, e as favelas se erguem, principalmente nas grandes cidades. Fato que levou a inclusão do tema em um dos eixos do PAC, eixo voltado para obras de infraestrutura urbana.
Entender a necessidade das obras de infraestrutura atravessa a dimensão das representações sobre estes espaços. Espaços de comunidades de baixa renda e favelas geralmente encarados o prisma dos problemas sociais e urbanísticos, com demonstrado por Valladares (2015). Tais representações sociais da favela são fruto de elaborações desenvolvidas no início do século XX, quando ocorre a sua “descoberta” e foram dominantes a partir da segunda metade do referido século, quando são encarados como problemas sociais e urbanístico. À época se debruçaram sobre o futura da jovem República, a saúde da sociedade, o saneamento do país e no embelezamento da cidade. Estes espaços habitados por trabalhadores, mas também, por vadios e malandros, uma classe perigosa, era necessário conhecer para denunciar e agir, o que atravessava medidas administrativas médico-higienistas por parte dos governos da cidade (VALLADARES, 2015). O PAC objetiva elaborar uma nova projeção para a urbanização de assentamentos precários dentro de um ciclo de investimentos no setor previstos para os quatro anos seguintes. Em tal perspectiva, busca-se reforçar o reconhecimento da moradia digna como meio de direito à cidade, especialmente para a população de baixa renda. O eixo contava com investimentos voltados à realização de ações integradas em habitação, saneamento e inclusão social.
Assim que foram anunciadas as favelas selecionadas para receber os recursos do PAC, e que Manguinhos estava entre elas, inicia-se a construção de um coletivo de moradores com a participação de setores da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), das Igrejas e das Associação de Moradores. O coletivo orienta-se para exigir das empresas e esferas governamentais envolvidas nas obras do programa maior participação e esclarecimento sobre os impactos das obras. Com este objetivo o FSM por meio da articulação dos diferentes grupos sociais presentes no território buscava ampliar os espaços de participação popular, e a partir deste ponto, que os interesses dos moradores fossem ouvidos e atendidos diante das ameaças de demolição de moradias e remoção dos moradores. Nesta perspectiva o Fórum entende que a vivência política possibilita a moldagem da experiência de classe, uma vez que, no sistema capitalista, existe uma oposição objetiva entre as inclinações e interesses dos proprietários e os dos despossuídos. Tal oposição, adquiri novos formas, pois os despossuídos ao venderem sua força de trabalho em troca de um salário, se submetem a experiência comum da exploração, e assim, conquistam a consciência da identidade entre seus interesses, e que estes se opõem aos interesses de seus exploradores. De tal oposição surge o conflito (a luta de classes), assim constroem a consciência de classe (MATOS, 2009[4]).
Neste conflito o FSM busca articulações que visem atuar para pressionar os órgãos governamentais para minimizar os efeitos das remoções e garantir a construção de moradias para todos e a execução das obras de saneamento básico. O Fórum propõem um comitê intersetorial, onde se pudesse realizar debates dos diversos setores que estão relacionados com as obras em Manguinhos. Frente as constantes tentativas do Estado de impedir da efetivação das normativas democraticamente instituídas para a participação social (BARROS, 2016, p.131) O estado recorre a práticas clientelistas e justifica anão instalação do comitê foi de que “ um parecer feito pela Procuradoria Geral do Estado desobrigava o governo do estado da instituição do comitê nos moldes sugeridos pelo movimento social, já que não havia nada descrito nas normativas do Ministério das Cidades que o obrigaria a fazê-lo.” (BARROS, 2016, p. 131).
Unidade de Polícia Pacificadora[editar | editar código-fonte]
Em 2007 o Brasil é escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e em 2009 a cidade do Rio de Janeiro é eleita para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Logo, torna-se premente preparar a cidade para se tornar apta a receber tais eventos. Dentro destes preparativos no final do ano de 2012, o complexo de Manguinhos é ocupado pelas forças da Polícia Militar e da Marinha do Brasil, como uma etapa preparatória para a instalação das bases da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Em janeiro de 2013 ocorreu a inauguração da Unidade de Polícia Pacificadora.
Tal programa visava por meio da ocupação permanente e patrulhamento ostensivo por parte de agentes da Polícia Militar [5]desarticular grupos criminosos que controlavam o território. Mas ao alterar o ordenamento político, social e espacial, modificando a rotina dos moradores, as articulações e ações políticas, fez também surgir e emergir outros conflitos e discursos em torno das disputas de poder, conflitos de difícil mensuração devido às suas diferentes esferas de atuação e complexidades.
Desta forma o FSM colocou-se contrário e crítico a “política de pacificação” que desde o seu início em pouco alterou para melhor a vida dos moradores, mas estes viram-se agora, além das forças que já dominavam o território, diante da Polícia Militar “policiando”, vigiando fiscalizando o território, tentando manter uma ordem que não fazia sentido para aquele espaço e pouco, ou em nada, alterava os antigos poderes que por lá permaneceram ainda dominantes. Mesmo no momento de auge da política o Fórum, já muito alterado em sua formação, se manteve crítico e alertando que tal política não se manteria após os grandes eventos, fato que se conformou e em 2024 quando metade das UPPs foram extintas e as que ainda funcionam, não funcionam, os policiais permanecem presos em suas bases, sem condições de segurança de fazer patrulhamento pelas comunidades.
As UPPs eram a ponta de um projeto e que o Estado deveria ter entrado, além da segurança pública, com serviços de educação, saúde e obras de infraestrutura. Quando os demais serviços não entram e a própria segurança sofre com falta de estrutura, uma vez que o Estado expandiu o projeto além das suas possibilidades administrativas e financeiras, chegando 38 UPPs, a maioria sem a mínima estrutura operacional (CESEC[6], sem ano). Atualmente 16 ainda funcionam as demais foram extintas ou fundidas aos batalhões (O GLOBO, 2024[7]). Em agosto de 2024 a UPP Manguinhos foi unificada com a UPP Arará/Mandela.
Momento Atual[editar | editar código-fonte]
Atualmente o Fórum atua e apoio ao movimento social Mães de Manguinhos no combate a violência e aos terrorismo de Estado. Outra frente é em articulação com a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE[8]) atuando em projetos junto aos jovens de comunidades carentes da cidade do Rio de Janeiro como o projeto Se Liga no Território. Este projeto tem o foco na formação e pesquisa sobre o tema da Segurança Pública através de conversas, relatos e pesquisas de jovens moradores das favelas da cidade do Rio de Janeiro. Desta forma o Fórum atua nas atuais discussões sobre educação e favela, dentro da perspectiva analisada por Valla (1986), abordando as favelas como consequências óbvias e radicais do processo de expansão e consolidação do capitalismo no Brasil, com fator do êxodo rural e da necessidade da proximidade da moradia com o local de trabalho, elas são palcos tradicionais das intervenções institucionais entre fases “populistas” e fases “antipopulistas”. Desta forma, o Se Liga no Território, ao fornecer meio para que os jovens sistematizem as experiências, trabalha na concepção de descer ao concreto procurando ilustrar como se efetuam programas de educação popular/desenvolvimento comunitário, como apontado por Valla (1986).
Portanto, o projeto possibilita ao FSM manter suas ações e espaços de discussão sobre a produção da própria cidade, com ênfase no direito e acesso à moradia e nas políticas de segurança pública temas centrais para as comunidades e favelas. Assim, mantendo a sua missão de lutar em pelos direitos e pela cidadania ativa dos moradores das favelas, atuando na denúncia e no combate às violações, com centralidade as violações cometidas pelos agentes do Estado. Desde as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), atravessando as políticas de segurança pública, “pacificação”, o FSM segue no enfrentamento para que os moradores de Manguinhos tenham um lugar onde possam viver com dignidade (FASE, 2022).
Ver também[editar | editar código-fonte]
Conselho Comunitário de Manguinhos
Arte, Cultura e Saúde Mental - cidadania, emancipação e criatividade (Manguinhos)
Estratégias culturais em Manguinhos
Notas e referências
- ↑ BARROS, R. de O. Urbanização e “pacificação” em Manguinhos: um olhar etnográfico sobre sociabilidade e ações de governo. Tese. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2016.
- ↑ VALLA. V. V. Educação e Favela. Petrópolis: Editora Vozes, 1989.
- ↑ VALLADARES, L. do P. A invenção da Favela: do mito a origem a favela.com. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
- ↑ MATOS, M. B. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2009.
- ↑ PMERJ. Reestruturação das UPPs libera mais de mil policiais militares para reforçar patrulhamento nas ruas do Rio. Disponível em:https://sepm.rj.gov.br/2024/08/reestruturacao-das-upps-libera-mais-de-mil-policiais-militares-para-reforcar-patrulhamento-nas-ruas-do-rio/ Acesso em: 03/02/2025
- ↑ CESEC. UPPs serão extintas para reforçar policiamento de outras regiões. Disponível em: https://cesecseguranca.com.br/participacao/upps-serao-extintas-para-reforcar-policiamento-de-outras-regioes-do-rio/#:~:text=RIO%20DE%20JANEIRO%20O%20ministro,e%20das%20unidades%20que%20permanecerem. Acesso em: 29/01/2025
- ↑ O GLOBO. Rio. Polícia Militar oficializa fusões e fechamento de UPPs do Rio. 05/11/2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2024/11/05/policia-militar-oficializa-fusoes-e-fechamento-de-upps-do-rio.ghtml. Acesso em: 29/01/2025
- ↑ FASE. Se Liga no Território: Experiência de Formação e Pesquisa com Jovens Moradores de Favelas. Rio de Janeiro: FASE, 2022.