Maranhão - modelo de segurança reativo tem como alvo a juventude preta

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

As dinâmicas acompanhadas no primeiro ano de monitoramento de 16 indicadores no Maranhão, apontam para observações alarmantes sobre os caminhos escolhidos para a condução das políticas de segurança. A lógica tem sido a valorização de um modelo reativo, focado no embate bélico ao crime e que acaba por reproduzir violências contra grupos específicos (jovens, negros e moradores dos bairros periféricos do estado). Tal direcionamento tem impedido que o tema seja tratado como uma política social fundamental para a construção de um país que preza por princípios verdadeiramente democráticos.

Autoria:  Silvia Ramos
Esse verbete faz parte do relatório "Máquina de moer gente preta: a responsabilidade da branquitude", produzido pela Rede de Observatórios da Segurança.

Relatório[editar | editar código-fonte]

Neste primeiro ano, foram monitorados 2.474 eventos relacionados à segurança e violência no Estado. E, desses eventos monitorados, 1.679 foram relacionados ao indicador policiamento – que representa 67,9% de todos os registros. Foram 49 mortes, duas de crianças e adolescentes e 19 feridos nestas ações. Analisando esses números é possível afirmar que o governo tem entendido segurança como sinônimo de policiamento e repressão.

No Maranhão, as ações policiais são voltadas principalmente para operações de “combate ao tráfico de drogas”. Tais operações se ocupam majoritariamente em reprimir e encarcerar pequenos varejistas que atuam em bairros de baixa renda, com apreensão de quantidades de drogas muito pequenas. Os efeitos mais nefastos dessas operações, justificadas pelo falso discurso de “guerra às drogas”, tornam-se evidentes no abarrotamento das cadeias e no policiamento militarizado nas periferias, cujo alvo prioritário é a juventude pobre, preta e periférica.

O modelo bélico e militarizado também coloca em risco a vida dos agentes de segurança. No período observado foram registrados 12 eventos relacionados à vitimização de agentes do Estado no Maranhão. Oito foram no contexto de homicídios e execuções e dois foram suicídios. Apenas um deles ocorreu quando o agente estava em serviço. O que pode indicar que, mesmo quando não estão trabalhando, apesar de estarem mais vulneráveis, policiais continuam agindo como se estivessem de farda.

Vale ressaltar que os assassinatos de policiais no Maranhão são seguidos de ondas de execuções e assassinatos nas periferias. As características e o modus operandi que se repetem nesses eventos dão fortes indícios da atuação de grupos de extermínio formados por agentes da área de segurança, atuando na clandestinidade, realizando expedições de vingança.

Também chama atenção nesse período os números da violência contra a mulher, sendo este o terceiro indicador mais monitorado no estado. Foram registrados 161 eventos, 75 se configuraram como tentativa de feminicídio e 42 como feminicídios. A maior parte desses crimes foram cometidos por companheiros e ex-companheiros. Quando as motivações são informadas, as que mais aparecem são as brigas e os términos de relacionamento. Vale destacar que, no contexto da pandemia, essa violência foi intensificada devido ao maior tempo de convívio doméstico – o que dificultou ainda mais a atuação de redes de proteção à mulher que combatem a violência doméstica.

Ainda em relação a violência no âmbito doméstico, destacam-se também aquelas cometidas contra crianças e adolescentes. Os tipos mais comuns são a violência sexual e o estupro, que tiveram 44 registros, representando quase a metade do total dos 93 eventos violentos contra crianças e adolescentes que monitoramos. A violência sexual e o estupro estão relacionados às dinâmicas da violência doméstica – contexto que, assim como o anterior, foi fortemente impactado pela pandemia, pois crianças e jovens ficaram fora da escola e tiveram um maior tempo de permanência no ambiente domiciliar.

Também foram monitorados 24 eventos violentos em que crianças e adolescentes foram vítimas de homicídios, destacando-se como a segunda maior forma de violência contra criança e adolescente registrada no Maranhão. Estes casos de homicídios, em geral, não se diferem da dinâmica dos homicídios entre adultos, com uma concentração desproporcional entre pretos e pobres do sexo masculino e estão geralmente relacionados ao conflito entre facções criminosas.

No Maranhão, facções como Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e Bonde dos 40 (B.40) têm expandido a sua atuação para além da capital e da região metropolitana, alcançando também as pequenas e médias cidades do interior do estado. Nesse contexto de expansão e disputa violenta entre estas organizações, cada vez mais crianças e adolescentes são recrutados para os seus quadros.

Poucos foram os registros de violência contra a população LGBTQIA+, no total foram sete. No entanto, isso não significa que esse tipo de evento é incomum no estado. Muito possivelmente estamos diante de uma subnotificação, uma vez que esses números podem refletir o pouco interesse tanto do Estado quanto da imprensa sobre a questão. Desses, cinco eventos tiveram como tipo de violência o homicídio e o transfeminicídio. O que pode levar à afirmação que a violência homofóbica quando chega no espaço público aparece mediante o signo da morte.

Ver também[editar | editar código-fonte]