Papo-Reto (coletivo)
O Papo Reto é um coletivo de comunicação independente composto por jovens ativistas moradores dos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro.
Autoria: Papo Reto
O Coletivo[editar | editar código-fonte]
O Coletivo Papo Reto usa de ferramentas alternativas para fortalecer a favela. Isso se dá a partir da disputa de narrativas, onde os grandes veículos de comunicação, na maioria das vezes, só falam do nosso lugar em uma ótica de nos mostrar a partir da violência.
Nossa comunicação denuncia a violência, mas propõe soluções. E cria vários conteúdos audiovisuais, expondo os pontos positivos existentes na favela e mobilizando ações diversas dentro do Complexo do Alemão. Já realizamos oficinas para a juventude local, no campo do audiovisual e de direitos. Assim como denunciamos violações graves do Estado, a partir de abuso do poder. A comunicação independente é uma importante ferramenta para fortalecer territórios que só são observados como locais de onde surgem problemas de segurança pública. Não somos isso e as pessoas precisam saber.
História[editar | editar código-fonte]
2013 sem dúvidas foi um ano marcante para muitos brasileiros que acompanharam a política nacional. E foi também quando nascia a semente do Coletivo Papo Reto. Em novembro daquele ano, chuvas pesadas caíram sobre o Rio de Janeiro deixando muitos estragos em toda cidade. No Complexo do Alemão, aproximadamente 30 casas desmoronaram e outras ficaram com risco de cair.
Vendo as famílias desabrigadas, um grupo de instituições se uniu para criar uma super força tarefa e ajudar aquelas famílias. A mobilização em torno desta causa se mostrou tão eficiente que foi possível colaborar com famílias de outras favelas. No ano seguinte, avaliando toda aquela mobilização, algumas pessoas envolvidas refletiram e concluíram: é preciso continuar.
E foi assim que em 2014 nasceu o Coletivo Papo Reto.
Muito do que realizamos a partir dali refletia nossas insatisfações com a Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, que segue cometendo os mesmos equívocos até os dias de hoje, sobretudo nas favelas. Desta forma criamos uma metodologia para chamar atenção sobre os casos de violência cometidos pelo Estado. Foi possível fazer bastante barulho, trazendo visibilidade para esse contexto e casos e colaborando com investigações importantes. Ampliamos nossas ações para o campo da educação com o objetivo de compartilhar o que havíamos aprendido sobre Direitos Humanos e metodologias de mobilização em favelas.
Atualmente o Coletivo Papo Reto conta com uma estrutura que permite ampliar o campo de ação, com espaço de aulas, reuniões e administrativo que fortalece nossas ações no campo dos direitos humanos, educação e cidadania favelada.
Pautar direitos humanos em diferentes frentes de atuação é o atual objetivo do Coletivo Papo Reto. Fazemos isso pensando a educação, a comunicação, a arte e a cultura como ferramentas que possam garantir que todas as pessoas moradoras de favelas e periferias tenham conhecimentos diversificados sobre garantia plena de direitos em toda sociedade.
Projetos[editar | editar código-fonte]
Antirracismo.lab[editar | editar código-fonte]
O antirracismo.lab é uma realização do Coletivo Papo Reto que tem como foco compartilhar ferramentas, para fomentar novas lideranças jovens no Complexo do Alemão, com letramento em política antirracista.
Apoiado pela Ford Foundation, tem como objetivo engajar essas novas lideranças a partir do compartilhamento de conteúdos que irão estartar consciência crítica, estratégias de comunicação e formação de rede numa ótica antirracista, de direitos e construção de perspectivas futuras.
As metodologias e ferramentas do Antirracismo.Lab tem como inspiração a ESPOCC - Escola Popular de Comunicação Crítica (desenvolvido pelo Observatório de Favelas). Acreditamos que esse projeto servirá de guia para quem deseja se engajar no seu território e participar diretamente da construção de ações que possam melhorar a realidade local tendo o antirracismo como ponto de partida de suas ações.
Fala cria. Educação favelada: o direito à favela[editar | editar código-fonte]
Educação favelada: o direito à favela
Desde 2014 o Coletivo Papo Reto vem trabalhando a comunicação para denunciar violações de direitos humanos dentro do Complexo do Alemão e jogando luz sobre assuntos relevantes que acontecem dentro da favela. Colocando o foco sobre esses assuntos no Complexo do Alemão foi possível disputar direitos, encontrar potências e lutar por recursos para a favela.
Acreditamos que a comunicação é um direito que ajuda a disparar outros direitos. Por esse motivo, multiplicar as ferramentas de comunicação é imprescindível para o pleno direito à cidadania favelada.
O Fala Cria é um projeto que pretende reunir jovens do Complexo do Alemão para discutir cidadania favelada e as ferramentas de comunicação para disputar a favela. O Fala Cria discutirá e fomentará o direito favelado.
Oficinas e encontros[editar | editar código-fonte]
As oficinas e encontros que acontecem no Espaço Papo Reto tem como principal objetivo abrir possibilidades de conhecimento em diferentes campos para as moradoras e moradores de favelas. Nosso foco é utilizar a educação, comunicação, arte e cultura como ferramentas para garantir que todas as pessoas moradoras de favelas e periferias tenham conhecimentos diversificados para garantias plenas de sociedade.
De estudos de milhas, passando por oficinas de serviços de estéticas até encontros formativos com especialistas em empreendedorismo, artes cênicas e audiovisual.
No Espaço Papo Reto, as possibilidades são inesgotáveis. Você pode fazer parte também. Vamos?
Entrevista com Raull Santiago[editar | editar código-fonte]
Publicada pelo Blog da Anistia Internacional
Raull Santiago é um defensor dos direitos humanos no Rio de Janeiro. Em março de 2014, co-fundou o Coletivo Papo Reto, um coletivo de comunicação independente que documenta a vida no Complexo do Alemão. A intenção do grupo é chamar a atenção para o que está acontecendo na favela, destacando a violência policial e outros abusos dos direitos humanos que muitas vezes são ignorados pela mídia.
Como é a vida na favela?
A sociedade brasileira considera pessoas que vivem em favelas inferiores. A discriminação é forte e está presente em todo o país: no ano passado, 60 mil pessoas foram mortas e, destas, 70% eram pretas ou pardas. A população carcerária do Brasil é a maior do mundo: a maioria dos presos são negros e pobres, encarcerados sob o pretexto da guerra às drogas.
O Complexo do Alemão é uma favela com cerca de 70 mil habitantes, localizada na zona norte do Rio de Janeiro. Se você nasceu por lá, dificilmente vai se mudar. As pessoas trabalham duro para receber salários muito baixos, a educação é precária e o saneamento básico é muito deficiente. Nos últimos anos, a situação melhorou um pouco, mas ainda há esgotos a céu aberto e pessoas morando em casas de madeira sem nenhum tipo de tubulação.
Os moradores da favela saem pela manhã cedo para ir trabalhar e voltam muito tarde; quando ligam a televisão, a favela que veem é sempre um lugar onde pessoas inferiores vivem, diminuindo sua autoestima. É difícil mudar essa visão na sociedade brasileira. É importante mostrar que na favela não há apenas traficantes de drogas e que as pessoas que moram lá têm a mesma dignidade da população branca e rica do resto do Brasil.
Qual é a situação dentro do Complexo do Alemão?
Na favela há uma presença policial muito grande devido à guerra às drogas. Eles usam carros blindados para entrar, em que são montadas armas que podem disparar a 360 graus – conhecido como “Caveirão”. Entre janeiro e agosto de 2017, a polícia matou 712 pessoas no Rio de Janeiro e, a maioria delas, nas favelas. Na maior parte dos casos, nenhuma investigação foi aberta para identificar os responsáveis. Quando “uma pessoa da favela está morta”, a polícia declara que não foi intencional. A falta de interesse na vida das pessoas que vivem nas favelas pelo governo é, em parte, causa e consequência da violência em andamento. Na favela é possível encontrar as mais diversas armas utilizadas no tráfico de drogas, que vêm diretamente do mundo da corrupção; você pode ver uma criança com uma arma na mão, e a coisa surpreendente é que esta criança nunca está fora da favela e talvez nunca saia dela, enquanto a arma que ela segura chegou depois de uma longa jornada a partir de algum país distante no mundo. Nossa realidade é tão dura que a arma entra, mas a criança não pode sair.
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Que atividades o Coletivo Papo Reto realiza?
Papo Reto tenta fornecer informações e dados sobre violência dentro da favela que não são divulgados pela mídia convencional. Desenvolvemos tecnologias digitais e colaboramos com advogados e associações nacionais e internacionais (como Witness, Anistia Internacional e Front Line Defenders) e, graças ao nosso conhecimento de nosso território, ativamos uma estrutura de monitoramento da violência dentro da favela, por exemplo, que contraria a narrativa do governo que nos vê todos como criminosos.
Graças à Internet, criamos nosso próprio canal de comunicação, através do qual, com os celulares, podemos transmitir conteúdo audiovisual. Vamos às ruas para fotografar e registrar a violência, para mostrar que as mortes não são “não intencionais”, como alegam a polícia e o governo. Em 2015, conseguimos flagrar uma ação violenta da polícia contra uma criança.
Nosso grupo conseguiu registrar a ação e denunciá-la. Apesar disso, a justiça brasileira não nos levou em consideração, argumentando que a fotografia poderia ter sido feita em outro lugar, fora da favela. Witness nos ajudou a fortalecer nossos registros. Com eles, desenvolvemos um aplicativo que, durante a aquisição de fotos e áudio, permite gravar outras informações (localização geográfica e outros metadados) – informação útil para identificar quando e onde a foto foi tirada.
Graças a isso, conseguimos provar que o assassinato da criança aconteceu na favela. Imediatamente tivemos visibilidade e parte da imprensa passou a nos ver de forma diferente. Estamos estudando melhor o fenômeno da guerra às drogas e estamos percebendo que há um preconceito contra a população pobre brasileira que vive nas favelas, que muitos consideram que fazem parte do tráfico de drogas.
Um passo à frente que fizemos com nosso trabalho foi conectar o Complexo do Alemão com as outras favelas de São Paulo e do Rio de Janeiro, para criar dentro delas outros grupos de comunicação independente. Estamos estudando estratégias implementadas por outros países para combater a guerra às drogas sem usar armas e violência.
Fontes e Redes sociais[editar | editar código-fonte]
Site Oficial: https://www.coletivopaporeto.org/