Luiz Alberto de Jesus - Entrevista

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Entrevista com Luiz Alberto de Jesus, morador da Cidade de Deus, localizada na Zona Oeste do município do Rio de Janeiro. A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz- Mata Atlântica, em parceria com a Cooperação Social da Fiocruz. Neste episódio, a conversa é com Luiz Alberto de Jesus, gestor social e sócio fundador da Casa de Cultura.

Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Material de pesquisa do Projeto do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao Dicionário de Favelas Marielle Franco.

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Entrevista

Transcrição da entrevista

Sou Luiz Alberto de Jesus, 48 anos, aposentado como comerciário. Em 2004, eu peguei uma bactéria chamada sarcohidrose, fiquei encostado. E minha esposa trabalhava na ABOSEP - Associação Beneficente Estrada da Paz. Ela me viu muito frágil e me convidou para participar. Na época era o Sr. João Batista, presidente, e a Sandra Rosa, vice. A visão da ABOSEP era trabalhar com as famílias, os idosos, e na gestão dos esportes e na luta por saúde na APJ - Área de Planejamento de Jacarepaguá.

Eu vim do Curicica que era chamado de roça. Era zona rural. Do Novo Mundo até Vargem Grande era roça. Para comprar alguma coisa, tinha que ir à Taquara. Eu vim morar na Cidade de Deus em 1985, como morador antes de participar de instituições, a gente vai vendo algumas mudanças, os moradores precisando de espaços, ir melhorando (sic) suas casas. Na época tinha o Julio Bogoricin Imóveis, Sergio Dourado, Irmãos Araújo e todos pleiteavam a Cidade de Deus, para tirar a Cidade de Deus – remover a Cidade de Deus para construírem os impérios deles. De 70/80. E um relato que soube há poucos anos atrás é que a CDD foi construída com um contrato de 50 anos. Esse contrato eu não tenho como comprovar. Os idosos falam sobre isso. A especulação imobiliária atua até hoje. GARFI, aqui do lado na Treze, houve uma área desmatada, tem um galpão mas ainda não fizeram nada. Isso é agora. Retomando os anos 70 e 80, a Cidade de Deus nasceu com uma estrutura, escolas, embora até hoje só temos (sic) uma escola de ensino médio, posto de saúde, usinas de tratamento de esgoto, e foi se transformando. E muitos moradores - que estão descrentes até hoje, na área das triagens, uma pequena casinha de parede e meia dos dois lados – já fizeram obras para aumentar e fizeram o segundo andar. São mudanças. Você vê em determinadas vielas o morador levando sua casa, esticando até a calçada, ampliando tanto horizontal quanto na vertical.

Poder público

O poder público, agora no final, depois da pacificação, agora quer atuar, mas impedindo as instituições. Em vez de buscar as instituições para uma parceria, eles fazem do jeito que eles querem. Não param para perguntar como pode ser feito. Porque na luta do Comitê Comunitário, dentro da sua visão, que trabalha por políticas públicas estruturantes, [tem o] plano de desenvolvimento que foi criado pelo Comitê justamente para o poder público fazer. Mas estamos para monitorar. Tem que perguntar.

Já está surgindo um assunto, que vão construir um shopping aqui do lado. E tudo que estão propondo fazer, nós já tínhamos proposto, quando tivemos uma parceria com o arquiteto Jauregui. E estão construindo os prédios de “Minha Casa Minha Vida” para tirar os moradores das triagens. A Cidade de Deus é uma área Estadual, com partes municipais. O Estado e Município se omitiram esse tempo todo.

Antigamente, a CDD foi alvo da ambição da especulação imobiliária, para ampliar o aeroporto de Jacarepaguá. A Cidade de Deus está na rota e o assunto não foi adiante. Mas fica a preocupação do que ainda pode acontecer. Não ter direito – e ver os seus direitos violados.

1) Educação: Às vezes não temos professores preparados para interferir nesta realidade.

2) Posto de Saúde: O diretor do Posto já está caducando de tanto tempo, e o Secretário Municipal de Saúde, não troca. Ele não absorve nenhuma campanha.

3) Moradia: Muita gente precisando de casa. Na Rocinha 2, tivemos a construção das casinhas, e do lado uma favela, com barracos no Pântano, chamado Mangueirinha.

Temos três áreas de triagem: Barro Vermelho perto da Linha Amarela, a Triagem do 15 perto do Prezunic e a 13 perto do Rio. Anos lutando por moradia digna. São direitos violados. Até agora o Estado não fez nada. Estão lá até o início esperando o projeto para ter moradia digna. Sai família, morrem pessoas e nada se modifica. São galpões, dormitórios, que serviu no início da construção Civil na época da construção.

4) Saúde: Morando desta forma, não é possível ter saúde. No início, na CDD, em cada rua nas calçadas tinha uma árvore. Isso é saúde. E elas purificavam o ar, refrescavam as casas. Hoje não tem nenhuma árvore. As que têm são as que os moradores plantaram em seus quintais. Tem 6 meses que eu estou tentando plantar árvores na porta de minha se casam, mas tem sempre alguém que tira. Saúde é ter moradia digna com toda estrutura, com esgoto. Aqui na maioria das casas, os tampões de esgoto estão dentro de casa. Os moradores aumentaram as suas casas e os esgotos ficam dentro de casa.

Eu fui visitar uma família ontem e quando o dono levantou o tapete, o esgoto vazava no quarto. As filhas estavam doentes e eles não sabiam o motivo. André, Marcia, e a filha. E não adianta acusar os moradores. O sistema foi construído errado. É preciso haver monitoramento. Isso é prevenção e isso é saúde.

Luta

O que me move é a vontade de lutar, de motivar os outros para lutar, de ter uma casa digna, que ele possa chegar do trabalho, para ficar com seus filhos. É saber que eu posso lutar e estimular outros para lutar também. Porque esta luta não é de curto ou médio prazo. É de longo prazo. Os desafios são tão grandes. Quanto mais o tempo passa, mais tempo eu quero lutar - pela saúde, pela educação, moradia e tudo que move esse bairro que é a Cidade de Deus.

Nesse momento, a ABOSEP participava do Comitê Comunitário da Cidade de Deus e tinha várias instituições locais, com foco das políticas públicas, educação, saúde, moradia, esporte lazer. Eu me integrei também na luta do Comitê Comunitário. Hoje eu também sou sócio fundador da Casa de Cultura que também tem o mesmo trabalho, com crianças, adolescentes, artesanato e informática. Dentro do Comitê, participamos em parceria com a FIOCRUZ, de participar deste projeto sobre a história das lutas pela moradia.

Memória

Minha avó, dona Josefa, tinha um orfanato, parte do Colégio das Freiras, no Pechincha, perto do Planalto. E foi transferido para a Cidade de Deus, onde hoje é o CIEP João Batista. Ali tinha um casarão antigo, pertencia ao Barão. Mas eu morava na Curicica. Em 2004, quando comecei a participar da ABOSEP, eu vi que antes eu já trabalhava com o social. Eu ajudava no orfanato, levava e trazia crianças do orfanato, levar para os colégios. Acolher filhos de mães doentes. Eu não gosto quando me chamam de liderança. Eu sou gestor social.

No Comitê, minha primeira experiência na moradia foi a luta de habitação. Foi uma luta árdua, dolorosa, dependia da Prefeitura. Era a construção de 618 casas, na Rocinha 2. Uma área pantanosa. A Prefeitura não quis fazer a infraestrutura. Nós conseguimos a verba em Brasília para construir essas 618 casas. A Prefeitura se negou a fazer obras de infraestrutura, foi necessário fazer o aterramento, hoje as casas estão rachando, mas porque era pântano e é acomodação do solo. Tinham 3 pessoas do comitê fazendo o serviço social, cadastramento. O modelo não é o original. Precisou ser modificado. Para fazer a infraestrutura do terreno, foi preciso modificar o projeto das casas. Precisou de muito aterro, bate estaca.

Em 2007, pela SENASP, como legado social do PAN Americano, eu fiz trabalho de revitalização de praças, Praça XV. Mas aí os traficantes começaram a organizar e definir quem podia usar, e eu tive que sair. Atualmente, ela esta recebendo mais obras, e em outras praças da CDD.

Eu nasci em 65. Não participei do inicio da CDD. Mas ouvi muitas histórias das famílias removidas. A maioria veio da Zona Sul, chegaram aqui, os que não tinham dinheiro para pagar as 240 prestações, se houvesse atraso, vinha um carro da Prefeitura e removia os moradores para outro local. E aqui tinha a CEHABE, do Estado. As pessoas, às vezes, conseguiam com alguma ajuda trocar sua moradia, casas. As triagens que eram dormitório para os trabalhadores da obra. A Cidade de Deus era para funcionários públicos naquela época. As duas coisas, o que estava previsto, mas as enchentes de 66 fizeram o Lacerda definir por trazer as pessoas para a CDD. E as pessoas vieram em construção, vieram pra cá, Taquara e Praça Seca.

A moradia passa a ser uma luta, desde o momento que eu passo a acompanhar, dentro do Comitê, essa luta por moradia, eu ouvia falar. Foi a luta do Comitê Comunitário que me ajudou a prestar atenção nessas questões. Despertou-me. Eu vi um fantasma que eu nunca tinha visto, e aquilo foi um choque. A situação desumana em que as pessoas viviam nos barracos, córrego, temos que nos juntar e fazer alguma coisa para melhorar a vida das pessoas. E com as técnicas do serviço social, nós nos unimos e enfrentamos essa questão.

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