A história sociojurídica das favelas cariocas
Estudo relacionado ao curso Clássicos e contemporâneos sobre favelas, realizado no âmbito do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O curso teve objetivo de debater o lugar das favelas no Rio de Janeiro, estabelecendo diálogos entre estudos clássicos e contemporâneos. Este verbete registra a apresentação e o debate realizados na aula aberta sobre o tema "A história sociojurídica das favelas cariocas".
Autoria: Cintia Maria Frazão.
Aula aberta com participação de Rafael Gonçalves.
Sobre Rafael Soares[editar | editar código-fonte]
Rafael Soares Gonçalves possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001), mestrado em Dynamiques Comparées des Sociétés en Developpement -Université de Paris VII - Denis Diderot (2003), doutorado em Histoire et civilisations - Université de Paris VII - Denis Diderot (2007) e pós-doutorado no Laboratório de Antropologia da escrita da École des Hautes Études en Sciences Sociales - EHESS (2008).
Desde 2009 é professor do Departamento de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (professor associado 2).
Jovem Cientista do Nosso Estado pela FAPERJ (2012-2021), bolsista de produtividade do CNPQ (atualmente PQ 1D-CA Psicologia/Serviço Social) desde 2016 e Cientista do Nosso Estado pela FAPERJ desde 2021.
Coordena o Laboratório de Estudos urbanos e socioambientais (LEUS) desde 2010 e é associado ao INCT PROPRIETAS (UFF) e ao LAVUE/CNRS (Paris).
É editor científico da Revista O Social em Questão (A1-Serviço Social) e coordena o GT de História Urbana da ANPUH-Rio.
Foi professor visitantes nas Universidades de Paris VII, Paris I, Pontifícia Universidad Javeriana de Cali (Colômbia), EHESS, Universidad Nacional deTrés de Febrero (Argentina), Universidad Nacional General Sarmiento (Argentina) e Université Paris-Cité.
Em uma perspectiva interdisciplinar, suas pesquisas se concentram sobretudo no campo dos estudos urbanos (História Urbana, Sociologia urbana e Direito Urbanístico). (Texto informado pelo autor)[1].
Compreendendo as obras do Rafael Soares e alguns conceitos, tais como o presentismo[editar | editar código-fonte]
O autor apresentou o seu livro Favelas do Rio de Janeiro: história e direito. Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2013.[2], na abertura da aula aberto Rafael fala sobre as dificuldades que ele acredita que a história teve em encarrar algumas questões, dentre elas as favelas e como o direito contribuiu para a formação do conceito, que tem uma longa e rica história e pontuou que é notável que muitas edificações desses locais foram influenciadas por conexões sociais, políticas, afetivas e de pertencimento.
Dessa forma, esses espaços se configuram como locais onde as pessoas dedicaram tempo, esforço, carinho e investiram em relações pessoais e afetivas. É evidente que esses lugares possuem uma história, o que ele considera extremamente fascinante, além disso, quando esse tema é abordado, costuma ser com um certo presentismo.
Por exemplo, ao trabalhar com jornais e cobrir as datas associadas à história do Rio de Janeiro, como as décadas de 10, 20, 40 e 80, ou os dias da semana passada, às vezes temos a sensação de estar lidando com um mesmo momento histórico, nem sempre relacionando esses espaços e seus habitantes como parte integrante da cidade, muitas vezes sendo vistos como "outros", "marginais" ou até mesmo como um perigo, como acontece com as favelas no caso do Rio de Janeiro.
O presentismo, citado pelo autor, está muito voltado e muito marcado pela relação da história das favelas e da cidade. Mais do que isso, existe também uma percepção que as favelas, de alguma forma, formaram um rio de janeiro e é importante.
Buscar compreender que esses espaços não deformaram espaços urbanos, não deformaram as nossas cidades, mas eles conformaram a sociedade, construíram essa cidade em várias dimensões e não apenas no caso do Rio de Janeiro. As favelas tem um papel central na cultura, lazer e também construíram uma forma de se fazer o direito.
O autor destaca que no início do século 20 o perigo epidêmico, na década de 40 e 50 o risco social do medo dos comunistas subirem as favelas, a partir da década de 80 a questão da da violência urbana eram os tópicos do que se falavam sobre favelas, e que nos dias atuais a questão ambiental em conjunto com a violência urbana são os temas que permeiam os noticiários sobre favelas.
Com a apresentação do texto podemos perceber que diversas questões de hoje já se produziam antes, como os jornais do inicio do século XX que tratavam as favelas como problema, bem como em 1927 o termo pacificação já era utilizado para se falar de favela em documentos públicos. No Rio de janeiro o modo de se lidar com as favelas é muito ambíguo, por exemplo, nos jogos olímpicos houveram varias remoções e violações de diretos, mas na festa de abertura a favela era destaque na apresentação.
As agências dos moradores de favelas também foi destaque da apresentação, como eles interviram para conseguir as condições de sobrevivência no cenário carioca, organização para obter serviços básicos como agua e luz, o associativismos nas favelas. Outro destaque, foi como a precariedade das favelas foram legalmente produzidas e o modo de vida dos favelados esteriotipado em um processo constante de desumanização, imputando a eles falta de civilidade, atraso e marginalidade.
Cabe destacar que, o trabalho dos assistentes sociais aparece no texto por diversas vezes, como esses profissionais contribuíram para a formação de algumas ideias sobre as favelas, como a igreja católica participou desse processo e o cunho moralizante de muitas dessas ações. A dimensão do trabalho era importante, e ainda o é, quando falamos de favelas, pois diversas moradores trabalhavam na informalidade, mas para o poder publico eles eram "vagabundos", arruaceiros, isso pode ser visto através das charges mostradas na apresentação, onde os moradores de favelas eram mostrados de forma animalizante, como piolhos[1] que contaminavam os morros, numa perspectiva higienista.
A aula aberta tratou das reformas que aconteceram no Rio de Janeiro, com a ideia de limpeza da cidade, sobre as demolições, inclusive no Morro do castelo, onde o Exercito brasileiro foi contra, pois servia de moradia para muitos soldados rasos. O autor foi mostrando que o desenvolvimento urbano das favelas nunca foi pensado para a urbanização do lugar, mas para sua retirada, como foi feito na Favela do Pinto, para atender a especulação imobiliária, a favela vista como um problema é combatida pelo o estado como um problema.
O autor destacou as nomenclaturas utilizadas pelo IBGE desde 1948, que foram modificadas cerca de quatro vezes ao longo da história. Mas o que é interessante e merece uma série de reflexões diz respeito aos nomes e expressões que são usados. Às vezes, é extremamente difícil tentar construir um conceito e classificá-las de forma homogênea, pois existe um fenômeno muito próprio de um tipo de construção, na maior parte das vezes, por autoconstrução, que de alguma forma não está completamente e diretamente direcionado pelo Estado, planejado dessa forma.
Talvez elas estejam um pouco à margem do próprio contexto jurídico, mas o interessante é que existem dimensões e nomes muito próprios. Por exemplo, o termo "favela" no Brasil é muito comum no Rio de Janeiro, um pouco em São Paulo, mas em Recife usa-se "mucambo", em Salvador "invasão" e em Porto Alegre "vila". É extremamente interessante a arqueologia desses nomes, pois acabamos por compreender uma série de reflexões internas.
Debate sobre a apresentação[editar | editar código-fonte]
No debate sobre a apresentação, podemos pontuar duas questões:
A primeira versou sobre o uso da abordagem do direito. O que essa abordagem traz de diferente ao estudarmos sobre favelas?
O autor respondeu ao questionamento dizendo que não tinha a intenção de entender a parte jurídica como um elemento central, que a ideia de passar pelo direito era ter mais um instrumento, uma ferramenta de compreender esse fenômeno social. É interessante no caso das favelas que, por exemplo, os assistentes sociais provavelmente foram os primeiros a discutir e compreender entrada desde a década de 40, os sociólogos a partir da década de 60.
Acredito que os sociólogos os arquitetos começaram a trabalhar muito com o tema, os advogados a partir da década de 70 e 80, vemos uma série de profissionais que começavam buscar entender esse fenômeno. Agora o que é interessante que por parte da História, provavelmente, como disciplina foi a última.
Tenho impressão que o direito à memória o direito a poder contar nossa própria história é um fenômeno extremamente importante para garantir inclusive o direito ao futuro. Então, o que é extremamente interessante no que diz respeito às favelas hoje, por exemplo, é o fenômeno do movimento social de museus sociais que está surgindo justamente para afirmar: "olha só, nós temos uma história e continuamos aqui." Na maioria das vezes, esses espaços são associados à marginalidade e vistos como um problema a ser resolvido, sendo difícil compreender que nasceram de maneira espontânea e têm um processo histórico. No que diz respeito ao direito, é extremamente difícil porque esse tipo de fenômeno não nos fornece dados, fontes ou documentos tradicionais. Ao atrair pelo direito, começamos a compreender que esses espaços, muito mais do que deformarem a cidade, de alguma forma a conformaram.
A segunda trata da metodologia de pesquisa, como que é realizado um estudo onde poucos documentos são encontrados, ou os registros oficiais estão perdidos?
Os pesquisadores precisam ser criativos em buscar outras formas e fontes, dados podem ser encontrados dados em empresas de energia elétrica, as vezes os dados estão em lugares que não esperamos. Um fonte de dados que seria preciosa caso tivéssemos acesso é da fundação Leão XIII, que esteve presente praticamente em todas as favelas do Rio de Janeiro.
A manutenção e guarda de documentos no pais ainda é precária, espera-se que isso se modifique, mas enquanto isso criatividade e perseverança.
Acesse o material completo da aula, clique aqui![editar | editar código-fonte]
Bibliografia[editar | editar código-fonte]
Bibliografia complementar[editar | editar código-fonte]
Ligações externas[editar | editar código-fonte]
Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)