Chacina do Jacarezinho: o massacre, a dor e a luta (Relatório)
Parte de um extenso trabalho de pesquisa sobre chacinas que vem sendo realizado pela Instituto Vladmir Herzog, o relatório sobre a Chacina do Jacarezinho faz um trabalho de avaliação crítica da atuação da polícia e da justiça antes, durante e após o massacre que vitimou 27 civis e teve como provável ponto de partida a morte de um policial no começo da operação daquele dia, a qual contou com a participação de 294 agentes, cujos nomes podem ser consultados no verbete Laudos e Inquéritos da Chacina do Jacarezinho (2021).
Autor: Malu Stanchi Rafael L. F. C. Schincariol
Sobre[editar | editar código-fonte]
Este verbete faz parte de uma série de textos que apresentam relatórios de instituições acadêmicas, políticas ou estatais e que têm por objetivo a formação de um arcabouço teórico e técnico sobre chacinas policiais Brasil afora. Com isso, podemos facilitar o acesso de informações a pesquisadores de diferentes regiões do país e até apresentar um painel atualizado sobre essa forma de assassinato pelo estado de modo a servir de base para políticas públicas. Os relatórios do Instituto Vladmir Herzog são produzidos por pesquisadores muitas vezes ligados ao direito e usam como base informações de acesso público, como notícias e relatórios de defensoria e instituições de direitos humanos além de relatos oriundos de pesquisas de campo.
O relatório[editar | editar código-fonte]
Perderam suas vidas 28 pessoas no contexto de uma operação policial permeada por vários equívocos e que possivelmente teve a vingança como aspecto mobilizador, apesar do propósito oficial da ação ter sido cumprir mandados de prisão emitido contra 21 pessoas acusadas pelos crimes de tráficos de drogas e aliciamento de crianças e adolescentes. (...)
De acordo com testemunhas, boa parte dos assassinatos de civis (17 de 27) ocorreram após a morte de um agente da polícia civil, que liderou a ação. Ou seja, ao menos 17 vítimas foram fatalmente sentenciadas em retaliação à morte do policial. A modalidade “operação vingança” tem sido cada vez mais assídua na atuação policial em favelas Brasil afora e, somente no Rio de Janeiro, já deixou cerca de 380 mortes nos últimos 14 anos e já representa a terceira maior motivação de operações policiais, segundo dados da Universidade Federal Fluminense. (...)
As execuções sumárias e a prática de massacres, com aumento exponencial na história recente do Rio de Janeiro, longe de serem enquadradas como “danos colaterais” das operações, são partes constitutivas e racionalizadas do modus operandi das forças de segurança do Estado. Isto porque o preço da segurança para alguns é o fogo cruzado como um modo de vida para muitos. Os massacres não seriam, portanto, consequências casuais de operações isoladas dos agentes de segurança do Estado, mas uma tecnologia racional do governo, orientada para o massacre que vitimiza, majoritariamente, pessoas negras e faveladas. Estado que não criou protocolos seguros, uniformes e em respeito aos direitos humanos para o uso da força policial. Além do maior índice de letalidade contemporâneo19, as incursões policiais nos territórios das favelas também exercem um impacto simbólico, ensejando medo, terror e insegurança diária nas populações atingidas20: corpos executados extrajudicialmente são exibidos às comunidades, relatos de tortura são cada vez mais frequentes e o endosso de operações letais pelas autoridades públicas é reiterado como plataforma eleitoral. Às mortes e graves violações dos direitos humanos soma-se o legado do sentimento de medo e terror para aqueles que perdem seus parentes, constantemente alvos de ameaças, dando azo a lutas imensuráveis em busca de responsabilização por parte do aparato estatal, muitas vezes preenchendo as lacunas dos processos investigativos negligenciados Estado. (...)
Além das 27 execuções resultantes da operação, o policial André Leonardo Mello Frias, de 45 anos, foi assassinado, e quatro moradores do Jacarezinho, sobreviventes da chacina, foram presos sob a acusação de tráfico de drogas. Durante sua audiência de custódia, todos relataram ter sofrido tortura e maus-tratos no momento de sua prisão30. Também relataram que os policiais os forçaram a carregar cadáveres para o camburão. Soma-se a isto a narrativa dos familiares das vítimas sobre os traumas sofridos, já que alguns dos corpos foram expostos nas ruas e vielas da favela e a polícia executou algumas das vítimas dentro das casas dos moradores e na presença de crianças, além dos relatos sobre a omissão dos paradeiro dos corpos das vítimas pelas forças policiais. Importante pontuar que as investigações dos graves abusos de direitos humanos que foram cometidos durante a Operação não tiveram caráter imparcial e independente, já que foram empreendidas a princípio exclusivamente pela própria Polícia Civil. Em 25 de maio de 2021, foi decretada, pela Polícia Civil, a confidencialidade do processo de investigação por 05 anos31. Embora o Ministério Público também tenha iniciado procedimentos investigativos autônomos sobre o massacre em momento posterior, as investigações sobre 24 mortes foram arquivadas e apenas três denúncias foram apresentadas em juízo — dentre elas, duas foram rejeitadas e apenas uma deu ensejo a processo em curso atualmente. (...)
Vários elementos nos relatórios médicos apoiam a intencionalidade e natureza extrajudicial dos assassinatos ou, no mínimo, a falha da Polícia Civil em prestar assistência às vítimas. Todos os relatórios médicos indicam que as vítimas já chegaram às instituições de saúde sem vida e comprovam a grande quantidade de tempo (ao menos duas horas) entre as mortes e o registro de primeiro atendimento nos hospitais. Diante das gravidades das lesões, o resultado da não prestação imediata de socorro era a morte. Os registros mostram que no Hospital Souza Aguiar, que recebeu a maioria das vítimas (20 homens), pelo menos três documentos descrevem corpos eviscerados. Os relatórios do Hospital Evandro Freire também indicam que cinco vítimas tiveram seus “rostos lacerados”. (...)
Relatório completo[editar | editar código-fonte]