Chacinas policiais (relatório): mudanças entre as edições
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Por meio dessas medidas seria possível o enfrentamento às chacinas policiais, que infelizmente são marcas da democracia brasileiras que devem ser apagadas com a máxima urgência a fim de prevenir mais perdas de vidas humanas, como aquelas 28 mortes no dia 6 de maio de 2021, na favela do Jacarezinho. | Por meio dessas medidas seria possível o enfrentamento às chacinas policiais, que infelizmente são marcas da democracia brasileiras que devem ser apagadas com a máxima urgência a fim de prevenir mais perdas de vidas humanas, como aquelas 28 mortes no dia 6 de maio de 2021, na favela do Jacarezinho. | ||
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Edição das 13h59min de 25 de setembro de 2024
Autoria: Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF). Informações retiradas de site oficial.
Contextualização
Jacarezinho não é um caso isolado
Um ano depois da chacina do Jacarezinho, a maior da história do Rio de Janeiro, estudo revela que o caso não é um episódio isolado, mas, sim, um desfecho frequente das operações policiais. De acordo com o relatório Chacinas Policiais, produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF), no período de 2007 a 2021, foram realizadas 17.929 operações policiais em favelas na Região Metropolitana do Rio, das quais 593 terminaram em chacinas, com um total de 2.374 mortos. Isso representa 41% do total de óbitos em operações policiais no período. Além disso, o estudo mostra que o Jacarezinho se destaca no triste ranking da letalidade policial, como o bairro com o maior número de mortos em chacinas. Em média, a cada 10 operações realizadas no Jacarezinho ocorrem 7 mortes.
O estudo revela que a Polícia Militar apresenta maior participação no total de chacinas, no entanto, a Polícia Civil é proporcionalmente mais letal com uma média de 4,8 mortos em chacinas frente à média de 4 mortos em chacinas decorrentes de operações realizadas pela Polícia Militar.
A presença de unidades especiais, particularmente o Batalhão de Operações Especiais (Bope) e a Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) – respectivamente, ligadas à PM e a Civil – tornam as operações policiais mais propensas a resultarem em chacinas. Quando juntas, ou seja, com a presença simultânea de BOPE e CORE em uma dada operação, temos uma probabilidade seis vezes maior da ocorrência de chacinas (18,2% frente a 2,9% dos batalhões e delegacias de área).
Para o pesquisador Daniel Hirata, coordenador do GENI/UFF, é surpreendente o fato de que as chacinas tenham em média 4 mortos quando realizadas pela Polícia Militar e 4,8 mortos pela Polícia Civil. “Como é possível que uma instituição que deveria atuar sob prerrogativas eminentemente judiciárias, ocasione mais mortes que aquela cuja atribuição é de policiamento ostensivo? Assim, pode-se dizer que a brutalidade se concentra em frequência na Polícia Militar, mas a Polícia Civil é proporcionalmente mais letal”, reforça Hirata.
Hirata também ressalta que é fundamental compreender as motivações das operações policiais que resultam em chacinas. Dentre as motivações classificadas na base do GENI/UFF estão: repressão ao tráfico de drogas e armas, disputas entre grupos criminais, mandado de prisão ou busca e apreensão, retaliação por morte ou ataque a unidade policial, fuga ou perseguição, recuperação de bens roubados, outros e sem informações.
“Quanto às motivações das operações policiais que resultam em chacinas, o caráter emergencial dessas ações e justificativas generalistas como a de guerra às drogas tendem a ser fatores de incremento de sua letalidade e da ocorrência de chacinas, ao passo que a realização de operações planejadas decorrentes de investigações, tendem ser menos letais e com menor ocorrência de chacinas”, completa a pesquisadora do Geni, Carolina Grillo.
Jacarezinho foi o bairro com mais mortos em chacinas policiais
Dentre os bairros da cidade do Rio, o Jacarezinho se destaca negativamente. Quando considerados os padrões históricos das ações policiais na Região Metropolitana, o estudo mostra que a chacina ocorrida no dia 6 de maio de 2021 na comunidade não foi uma casualidade. A ação da Polícia Civil resultou na morte de 28 pessoas, inclusive de um policial, sendo considerada a maior da história do Rio de Janeiro. O relatório mostra que as operações policiais realizadas naquele território têm 70% de probabilidade de resultarem em mortes.
“A visibilidade pública dos bairros, assim como a composição e dinâmica do controle territorial armado parecem ser as principais explicações para a distribuição espacial das chacinas no Rio de Janeiro. O que ocorreu no Jacarezinho não é um evento casual, apesar do número de mortos ter sido o maior da história do Rio de Janeiro, as suas características são típicas do que ocorre com regularidade ao menos nos últimos 15 anos”, ressalta Hirata.
O relatório também apontou que das 593 chacinas policiais ocorridas entre 2007 e 2021, 64,6% ocorreram na capital (383 ocorrências, com 1599 mortos), 21,4% na Baixada Fluminense (127 ocorrências, com 475 mortos) e 14,0% no Leste Fluminense (83 ocorrências, com 300 mortos), portanto, a região que concentra o maior número de chacinas é a capital, seguida da Baixada Fluminense e do Leste Fluminense.
Enfrentamento das chacinas da cidade
Para o GENI/UFF, o enfrentamento das chacinas só será possível por meio do controle democrático da atividade policial com o monitoramento da atuação das forças policiais nos momentos de confronto entre grupos armados, situações predominantes nas ocorrências de chacinas. Segundo os pesquisadores, é necessário repensar o modelo do policiamento repressivo da Polícia Militar e reforçar o caráter judiciário da Polícia Civil, além de questionar a eficácia das unidades especiais das polícias militar e civil;
“É preciso ampliar o controle democrático sobre o uso da força pelo Estado, em particular, sobre as operações policiais, sob as quais deve pesar amplo e específico monitoramento e controles internos e externos. Por meio dessas medidas seria possível o enfrentamento às chacinas policiais, que infelizmente são marcas da democracia brasileira que devem ser apagadas com a máxima urgência a fim de prevenir mais perdas de vidas humanas, como aquelas 28 mortes no dia 6 de maio de 2021, na favela do Jacarezinho” reforça Carolina Grillo.
Chacinas policiais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (relatório)
Apresentação
No início dos anos 1990, o Brasil celebrava ainda os seus primeiros passos em direção à democracia após o fim do regime militar, quando o Rio de Janeiro testemunhou uma sucessão de chacinas que constituíram marcos preocupantes do princípio da chamada Nova República. Nos anos posteriores à constituinte e as primeiras eleições diretas para presidente, 11 jovens (dos quais 7 menores) foram assassinados na favela de Acari (1990), 8 moradores de rua (dos quais 6 crianças e adolescentes) foram assassinados enquanto dormiam em frente à Igreja da Candelária (1993) no Centro do Rio, 22 pessoas (incluindo uma família inteira) foram assassinadas dentro de suas casas na favela de Vigário Geral (1993) e 13 pessoas foram mortas por policiais na Chacina de Nova Brasília (1994). A recorrência desses eventos seria posteriormente reiterada com as chacinas do Maracanã (1998), do Borel (2003) e do Via Show (2003), que resultaram, cada uma, na morte de quatro jovens, a Chacina da Baixada Fluminense (2005) deixou 29 mortos e a chamada “Chacina do Pan” (2007) resultou na morte de 19 pessoas durante uma operação policial no Complexo do Alemão. Mais recentemente, 15 pessoas foram assassinadas pela polícia no Morro do Fallet-Fogueteiro (2019) e, finalmente, a Chacina do Jacarezinho (2021) resultaria em 28 mortes. Lembramos aqui algumas das chacinas mais emblemáticas que ocorreram na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, mas em outras partes do país uma série de eventos semelhantes – como os massacres do Carandiru (1992) e de Eldorado dos Carajás (1996) - deixariam evidente que as chacinas são parte constitutiva da democracia brasileira.
A presença de policiais nas chacinas ocorridas em todo o período deve ser destacada. Esta presença se fez, ora de forma velada – ainda que visível – pela participação de policiais em grupos de extermínio, principalmente nos massacres dos anos 1990, e ora de forma explícita, com operações policiais oficiais e/ou de Garantia de Lei e Ordem (GLO) resultando em massacres, principalmente a partir dos anos 2000. Nos anos 2010, torna-se ainda mais frequente a conversão de operações policiais em chacinas. Segundo dados do datalab Fogo Cruzado, das 305 chacinas ocorridas entre agosto de 2016 e 2021, com 1184 mortos, 223 foram realizadas em “ações policiais” (878 mortos) e 82 em “ações criminais e não oficiais” (306 mortos). Isto significa que as ações oficiais produziram quase três vezes mais chacinas que os grupos armados e vitimaram praticamente o triplo de pessoas. Estas breves considerações iniciais, a serem melhor desenvolvidas em outros relatórios específicos, já apontam para a centralidade (e) gravidade das chacinas policiais, ou seja, aquelas realizadas com a anuência e participação direta dos poderes públicos tendo como resultado três ou mais mortes.
Até recentemente, alguns analistas apontavam as últimas três décadas do Brasil como aquelas de “consolidação das instituições democráticas”. Mas neste mesmo período encontramos um volume e uma maneira de se realizar chacinas que aponta para um horizonte contrário ao da democratização. Como é possível que com o passar dos anos as chacinas tenham se tornado ainda mais frequentes e letais e tendendo a se caracterizar sobretudo pelas circunstâncias criadas por operações policiais oficiais? Não seria de se esperar que com o avanço do regime democrático o uso da força oficial fosse publicamente pactuado e limitado legalmente? Nossa hipótese é que, na área de segurança pública, as linhas de continuidade do regime militar com relação à transição democrática são mais fortes que aquelas de ruptura, porque a democracia formal e institucional se construiu de forma concomitante a uma máquina de mortes estatal que, atualmente, encontra-se no seu pior momento. Dada a gravidade dessas considerações, este relatório se dedica a caracterizar as chacinas policiais. Como uma primeira aproximação ao fenômeno, apresentaremos para o período entre os anos de 2007 e 2021 as principais características dessas chacinas, conforme os itens a seguir:
1. Relação das chacinas policiais com a letalidade violenta, as mortes por intervenção de agentes do Estado e a participação das mortes em chacinas no total das mortes em operações policiais;
2. Caracterização das chacinas policiais com relação aos locais de ocorrência, instituições partícipes e motivações.
Chacinas e letalidade policial
É necessário situar a ocorrência das chacinas policiais no contexto mais amplo do fenômeno da letalidade policial. Não apenas porque a definição estatística de chacinas policiais é de “mortes múltiplas com três ou mais óbitos decorrentes das ações policiais”, mas, sobretudo, porque encontramos uma correspondência entre o aumento da letalidade policial e a frequência de chacinas. De forma geral, quanto maior for a letalidade policial, mais frequentes são as chacinas. Isto porque quando é baixo o controle no uso da força por policiais ou são eles estimulados ao seu uso ilimitado, as polícias se tornam mais propensas a cometerem chacinas. Em contrapartida, quanto mais o uso da força é limitado, prescrito, respeitado e há responsabilização em casos de violações, menor é a probabilidade da ocorrência de chacinas. Em outras palavras, o controle democrático da atividade policial certamente é a melhor forma de enfrentamento às chacinas.
Mas o Rio de Janeiro vem atravessando um período que corre no sentido inverso do uso democrático da força oficial. Em relatório anterior mostramos que nos últimos oito anos foi percebido um aumento muito expressivo da letalidade policial. Entre 2013-2019 houve um crescimento de 313% das mortes por intervenção de agentes de estado, somente interrompido temporariamente em 2020 como efeito da decisão do STF, no âmbito da ADPF 635, de restringir as operações policiais. Este crescimento entre 2013-2019 esteve relacionado ao desmonte de políticas que haviam sido exitosas na redução da letalidade policial (como as UPP’s e o sistema de metas) em 2014, a crise socioeconômica de 2015, a intervenção federal em 2018 e a extinção da Secretaria de Segurança Pública em 20191 . Com a crescente desobediência à decisão do STF por parte das autoridades políticas e policiais, a letalidade volta a aumentar em 20212 . As chacinas em operações policiais acompanharam esta tendência de crescente descontrole do uso da força no Rio de Janeiro.
Caracterização das chacinas policiais
Lugares de ocorrência das chacinas policiais
Durante o período entre 2007-2021, a base de dados do GENI/UFF registrou um total de 593 chacinas policiais, com 2374 mortos. Desse total, 64,6% ocorreram na capital (383 ocorrências, com 1599 mortos), 21,4% na Baixada Fluminense (127 ocorrências, com 475 mortos) e 14,0% no Leste Fluminense (83 ocorrências, com 300 mortos), portanto, a região que concentra o maior número de chacinas é a capital, seguida da Baixada Fluminense e do Leste Fluminense. No Leste Fluminense, os municípios que concentram o maior número de chacinas foram São Gonçalo (44 chacinas) e Niterói (35 chacinas), na Baixada Fluminense Belford Roxo (39 chacinas) e Duque de Caixas (32 chacinas) apresentaram a maior frequência de eventos registrados.
Instituições que realizam chacinas policiais
A Polícia Militar apresenta uma maior participação em chacinas quando comparada com a Polícia Civil. Entre 2007-2021, a Polícia Militar tomou parte em 525 chacinas, sendo partícipe de 88,5% dessas ocorrências, enquanto a Polícia Civil esteve presente em 95 chacinas, totalizando 16,0% do total. Ainda que este volume seja inaceitável para padrões democráticos de policiamento, pelo caráter ostensivo e repressivo da Polícia Militar não chega a ser surpreendente que a imensa maioria das chacinas tenha a presença desta instituição. Isso porque fica sobretudo a encargo da Polícia Militar realizar operações policiais em favelas, que são as principais situações em que ocorrem chacinas policiais. Por outro lado, a participação relativa de cada instituição é próxima, pois encontramos notificação de chacinas em 3,7 % das operações da Polícia Militar e em 2,5 % das operações da Polícia Civil. Ainda mais surpreendente é o fato que as chacinas tenham em média 4 mortos quando realizadas pela Polícia Militar e 4,8 mortos pela Polícia Civil. Como é possível que uma instituição que deveria atuar sob prerrogativas de funções eminentemente judiciárias, ocasione mais mortes que aquela cuja atribuição é de policiamento ostensivo? Assim, pode-se dizer que a brutalidade se concentra em frequência na Polícia Militar, mas a Polícia Civil é proporcionalmente mais letal.
Motivações das chacinas policiais
É fundamental compreender as motivações das operações policiais que resultam em chacinas. Por meio da descrição das motivações dessas operações é possível inferir que tipo de circunstância antecede ou desencadeia uma chacina. Dentre as motivações classificadas na base do GENI/UFF estão: repressão ao tráfico de drogas e armas, disputas entre grupos criminais, mandado de prisão ou busca e apreensão, retaliação por morte ou ataque a unidade policial, fuga ou perseguição, recuperação de bens roubados, outros e sem informações.
Conclusões
Este relatório procurou demonstrar a importância do fenômeno das chamadas chacinas policiais e descrever suas principais características. As chacinas policiais se relacionam intimamente com a letalidade em operações policiais, tanto no que se refere à variação tendencial ao longo do tempo, como também pelo peso no total de mortes em operações policiais. Segundo os dados apresentados, no período de 2007-2021 foram realizadas 17.929 operações policiais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, sendo que 593 se converteram em chacinas (3,3% do total de operações). Nas operações policiais que se converteram em chacinas, foram notificados 2374 mortos, que representam 41% do total de óbitos em operações policiais no período. A alta concentração das mortes em chacinas policiais indica que as chacinas são um fenômeno altamente representativo para o computo geral de mortes em operações policiais, nas mortes por intervenção de agentes de estado e na letalidade violenta do Rio de Janeiro. Contudo, a distribuição das chacinas policiais e de suas mortes correspondentes é feita de forma desigual quando observadas as suas principais características, resumidas a seguir:
1. Quanto ao local de execução, há claramente um predomínio das chacinas policiais na cidade do Rio de Janeiro, notadamente na Zona Norte, e de forma específica no bairro do Jacarezinho. A visibilidade pública dos bairros, assim como a composição e dinâmica do controle territorial armado parecem ser as principais explicações para a distribuição espacial das chacinas no Rio de Janeiro;
2. Quanto às instituições envolvidas, a Polícia Militar apresenta maior participação no total de chacinas, mas a Polícia Civil é proporcionalmente mais letal. A presença de unidades especiais, particularmente o BOPE e a CORE, tornam as operações policiais mais propensas a resultarem em chacinas, além de muito mais letais;
3. Quanto às motivações das operações policiais que resultam em chacinas, clivagens sociais estereotipadas e operações emergenciais tendem a ser um fator de incremento de chacinas e de sua letalidade, ao passo que o respaldo judicial e a realização de operações planejadas tendem diminuir a ocorrência de chacinas e torná-las menos letais.
Esta breve caracterização das chacinas policiais nos permite apontar alguns caminhos para minimizar esses eventos. O controle democrático da atividade policial, expresso no uso da força limitado, prescrito, respeitado e tendo suas violações responsabilizadas, induziria a uma menor probabilidade da ocorrência de chacinas. De forma mais específica, recomenda-se, tendo por base as características das chacinas policiais:
1. Estabelecer protocolos específicos e especial monitoramento da atuação das forças policiais nos momentos de confronto entre grupos armados, situações predominantes nas ocorrências de chacinas;
2. Repensar o modelo do policiamento repressivo da Polícia Militar e reforçar o caráter judiciário da Polícia Civil, além de questionar a eficácia das unidades especiais das polícias militar e civil;
3. Mobilizar operações policiais com respaldo judicial e de caráter planejado em detrimento daquelas emergenciais, sob as quais deve pesar amplo e específico monitoramento e controles internos e externos.
Por meio dessas medidas seria possível o enfrentamento às chacinas policiais, que infelizmente são marcas da democracia brasileiras que devem ser apagadas com a máxima urgência a fim de prevenir mais perdas de vidas humanas, como aquelas 28 mortes no dia 6 de maio de 2021, na favela do Jacarezinho.