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Edição das 16h25min de 15 de maio de 2023
Este verbete reúne as publicações feitas pela equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco no Blog Outras Palavras.
Sobre
A partir de Janeiro de 2022, a Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco passou a publicar textos no Blog Outras Palavras como forma de divulgar os conteúdos presentes na wikifavelas e também de fomentar discussões junto aos veículos de comunicação. No presente verbete, reunimos os materiais publicados no Blog, para acesso público.
Rio: o que esperar das UPPs recauchutadas
Por Sonia Fleury e Juliana Kabad, em 24 de janeiro de 2022
Ocupação policial do Jacarezinho e Muzema repete erros velhos e graves: tentativa de controle, disciplinamento e subalternização da periferia. No Dicionário de Favelas Marielle Franco das Favelas, verbetes para compreender o desastre.
Foram muitos os erros que levaram ao fracasso do programa de pacificação das UPP nas favelas do Rio de Janeiro. Destacam-se a falta de planejamento da política pública, que levou a um grau exacerbado de improvisação, falta de treinamento adequado e de recursos que garantissem sua sustentabilidade, além de sua subordinação aos objetivos eleitoreiros dos políticos e aos interesses de lucratividade do mercado. A ocupação militar representou a instauração do estado de exceção nestes territórios, tendo sido identificada como pacificação apenas pela mídia e pelas classes médias e altas, ignorando os complexos problemas na raiz do crescimento da violência urbana.
Sem dúvida, o maior erro foi ter procurado mobilizar a população, organização e lideranças das favelas com o intuito de controlá-las, discipliná-las, subalternizá-las, fragilizá-las frente às ameaças de desforra pelos traficantes e milicianos. O começo de um novo programa que repete os mesmos erros mostra que os políticos não aprendem com os erros das políticas públicas. Mas o mesmo não se pode dizer da população das favelas, cuja frustração com os pífios resultados das UPPs tem sido um combustível para aumentar a consciência em relação às suas demandas.
Para acessar o texto na íntegra, clique aqui.
Rio: violência policial, UPPs e racismo
Por Lia Rocha, publicado em 02 de fevereiro de 2022
Uma pessoa negra é morta pela polícia a cada 4 horas no Brasil. E o Rio de Janeiro é o estado que possui o maior número de pessoas negras mortas pela polícia. É o que o relatório da Rede de Observatórios da Segurança traz de dados através do estudo “Pele alvo: a cor da violência policial”, de dezembro de 2021. A violência é uma realidade das sociedades contemporâneas marcadas por processos de opressão e aprofundamento de desigualdades. A violência policial, porém, reforça ainda mais as opressões e o racismo que estruturam a ordem social brasileira. Políticas públicas que promovem a militarização dos territórios de favelas e periferias são responsáveis pelos altos índices de letalidade produzidos por ações de agentes estatais, justificados pela impunidade e pela difusão de uma cultura racista e preconceituosa. No momento em que o país se prepara para um processo de intenso debate eleitoral visando passar a limpo a desastrosa experiência recente na política de segurança e formular propostas para reinventar o Brasil, precisamos encarar e discutir amplamente o racismo e a sua relação com a alta letalidade provocada pela ação policial.
O Dicionário de Favelas Marielle Franco pretende dar mais alcance a este debate, pois, a produção e divulgação de narrativas sobre as cotidianas violações e violências provocadas pelo Estado é também um instrumento para garantia de direitos de cidadania aos corpos e às vivências das populações negras. Na plataforma wikiFAVELAS, podem ser encontrados algumas dessas contranarrativas, disputadas por moradores(as) de favelas, defensores(as) de direitos humanos e pesquisadores(as) em verbetes como “Parem de nos matar!” e “Elemento suspeito”, da série de lives Favelas em Movimento. Em torno da palavra-chave “violência policial”, você também encontra cerca de 20 verbetes e outros debates relacionados.
As mortes cometidas por policiais muitas vezes são justificadas pela ideia de que vivemos “em guerra” nas cidades. Com essa mesma justificativa, intensifica-se cada vez mais, no Rio de Janeiro, um processo de militarização que inclui o uso de armas e equipamentos considerados “de guerra” na repressão ao crime, além de tecnologias de vigilância e controle para capturar elementos suspeitos. Tal militarização é apresentada como justificativa moral e ideológica que permite transformar todos os espaços em “campos de batalha”. Aqui, destacamos uma discussão sobre este debate, trazendo o verbete “Militarização”, publicado pela pesquisadora Lia Rocha.
Para acessar o texto na íntegra, clique aqui.
O WikiFavelas e a luta popular contra a covid
Por Victória Henrique, em 10 de fevereiro de 2022
No Dicionário de Favelas Marielle Franco, pistas para compreender um fenômeno social que marcou os últimos dois anos: a mobilização das comunidades, que resistiu à sabotagem do governo e organizou a prevenção e o cuidado na pandemia
Mais de 25.000 novos casos de Covid surgiram em favelas no Rio de Janeiro nas últimas duas semanas segundo levantamento realizado pelo Painel Unificador Covid-19 nas Favelas, em parceria com a Fiocruz e outras 23 organizações comunitárias. As favelas já somam mais de 159.992 casos e 7.978 óbitos desde julho de 2020. O rápido crescimento dos números do nas últimas semanas revela como a nova onda da pandemia vem atingindo moradores desses territórios da cidade.
As favelas no Brasil foram linha de frente no combate ao coronavírus desde o começo da pandemia. Em 2020, quando os primeiros casos de covid-19 foram diagnosticados no país, o Dicionário de Favelas Marielle Franco – wikifavelas.com.br – acompanhou a movimentações de instituições da sociedade civil e movimentos sociais para enfrentar a pandemia nos territórios onde os direitos fundamentais foram negados – inclusive o de se proteger contra a disseminação do vírus.
Criamos uma página especial sobre o coronavirus nas favelas, na qual mapeamos centenas de ações de solidariedade que foram organizadas para levar comida à casa de tantas famílias, além de iniciativas de comunicação comunitária que ajudaram a disseminar informações sobre o vírus, medidas de proteção e gestão do território. Reunimos também notícias sobre a pandemia nas favelas publicadas tanto pela mídia comercial como por mídias comunitárias. E divulgamos reflexões publicadas por moradores e pesquisadores sobre como o coronavírus afetou a vida nas periferias, além de cartas e documentos elaborados coletivamente para cobrar que o poder público produzisse algum plano para lidar com impactos da pandemia nas favelas e painéis com dados epidemiológicos sobre a incidência da doença e mortes, já que os dados oficiais subestimam a ocorrência nestes territórios. Veja os links para todas as páginas no final do artigo.
Em 2021, diferentes organizações reunidas no Painel Unificador que acompanha os casos de Covid-19 nas favelas subscreveram, por exemplo, uma carta ao poder público no Estado do Rio de Janeiro indicando medidas para conter a pandemia e estimular a vacinação nestes territórios. Um ano depois, poucas ações foram efetivamente implementadas pelos governantes nesse campo. Isso se refletiu no aumento da fome, da miséria, das taxas de desemprego e do acirramento da desigualdade no estado.
Algumas instituições, como a Fiocruz, lançaram iniciativas importantes de vacinação em massa (como o caso da Maré, feito em parceria com a Redes da Maré) e recentemente a testagem em massa nas favelas de Manguinhos e da Maré. Apesar de seu caráter restrito, puderam demonstrar que é possível desenvolver políticas públicas para vacinar e testar toda a população nas favelas e periferias. Mas, em 2022, começamos o ano com o preocupante aumento de casos, em razão da variante ômicron. Um novo ciclo de desafios se apresenta às favelas e periferias; agora sem apoio do auxílio emergencial e com uma baixa considerável nas doações realizadas às campanhas de solidariedade.
No Dicionário de Favelas Marielle Franco, podemos acompanhar um pouco dos rastros que a pandemia tem deixado pelas favelas do Brasil, como por exemplo no verbete que reproduz o artigo de Victória Henrique. O texto publicado originalmente pelo nosso parceiro RioOnWatch trata da importância do trabalho de organizações comunitárias diante do apagão de dados e do aumento de casos de Covid-19 causados pela ômicron.
Para acessar o texto na íntegra, clique aqui.
WikiFavelas: Radiografia do poder miliciano
Por Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos, em 16 de fevereiro de 2022
Moïse Kabagambe, refugiado africano, trabalhador precarizado, negro, foi assassinado à luz do dia e aos olhos de muitos em um quiosque na orla da Barra Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Seu assassinato, pelas mãos de homens brancos a marretadas, nos conta um tanto sobre como o racismo estrutural deste país impede qualquer tipo de interação social do corpo negro sem ser criminalizado ou estigmatizado. Além disso, nos conta sobre os ilegalismos e suas territorialidades na cidade do Rio de Janeiro, diante do fato que de tal crime carrega como marca ter sido realizado (e naturalizado) em área de controle territorial das milícias.
As reações das autoridades governamentais foram esclarecedoras: por um lado, a demora da polícia em tomar providências para abertura do inquérito, o que só veio a ocorrer quando houve mobilização da família e da sociedade e, por outro lado, a tentativa do Prefeito Eduardo Paes de fazer do limão uma limonada, entregando os quiosques onde houve o linchamento aos familiares e outros membros da comunidade de imigrantes africanos. Ou seja, ao invés de banir a milícia do controle do território público das areias da praia, fazer proselitismo político colocando os imigrantes congoleses, anteriormente intimidados por membros da PM, em situação de maior vulnerabilidade diante da truculência dos milicianos. Tudo isso já seria suficiente para compreendermos como o poder se exerce sobre os corpos negros neste país, não fora a catastrófica intervenção do governo federal, através do presidente da Fundação Cultural Palmares, guardiã do legado da raça negra à sociedade brasileira, que culpabilizou a vítima ao dizer que se tratava apenas de um vagabundo morto por vagabundos mais fortes.
Um fenômeno particular às formas de gestão da sociabilidade violenta e dos ilegalismos no Rio de Janeiro, as milícias, como aponta José Cláudio Souza Alves no Dicionário de Favelas Marielle Franco, são grupos criminosos formados e chefiados por agentes de segurança do Estado. Estes grupos estabelecem o controle e o monopólio de serviços e bens a partir do controle armado de favelas, comunidades, bairros e cidades. Sua origem remonta ao surgimento, no final dos anos 1960, em plena ditadura empresarial-militar de 1964, dos Esquadrões da Morte, posteriormente denominados Grupos de Extermínio, que cometiam execuções sumárias, assassinando supostos “bandidos” e cobravam taxas de segurança na Baixada Fluminense. Atualmente, se expandem em novas áreas, novos negócios e novas práticas político-gerenciais.
Segundo nota técnica da Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos, publicada na plataforma wikiFAVELAS – a qual destacamos abaixo – a expansão das milícias por diferentes territórios populares do Rio de Janeiro nos últimos 20 anos:
alterou profundamente as relações de força antes caracterizadas pelas disputas territoriais entre as organizações rivais do tráfico do varejo de drogas, e pelos conflitos entre elas e a polícia. Com presença crescente em favelas e bairros suburbanos, bem como nas cidades do Grande Rio, a expansão das milícias foi redefinindo os termos da própria metáfora da “guerra”, tão presente no debate público do Rio de Janeiro entre nos anos de 1980 e 2000. Desde sua origem, os grupos milicianos procuraram se posicionar junto às populações dos territórios onde atuavam com um discurso de escudo em face do jugo do tráfico. Nesse sentido, construíram sua identidade originária como a de antagonistas do tráfico, valendo-se, para tanto, do fato de que a lógica da guerra, entre polícia e traficantes, era uma fonte permanente de insegurança e de infortúnio para os moradores das favelas. Desse modo, as operações policiais e as ostensivas guerras entre traficantes retroalimentavam o acúmulo de legitimidade da milícia. A evolução dessa dinâmica fez com que a milícia ganhasse uma velocidade endêmica no Rio de Janeiro, em pouco tempo se tornando uma fonte de acumulação de poder político e social e de riqueza econômica.
Falar em militarização é também falar em “milicianização”. A participação de policiais militares em ações de extermínio e extorsão e o controle territorial de áreas cada vez mais extensas, como a orla da Barra da Tijuca e outros bairros nobres da cidade, só reforçam a urgência em tratar deste fenômeno e suas consequências para a sociabilidade e a vida política da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Para acessar o texto na íntegra, clique aqui.
Direito à Moradia, à Terra e à Cidade
Por Movimentos Sociais Populares de Jacarepaguá e Fiocruz-Mata Atlântica, publicado em 23 de fevereiro de 2022
Mais de 300 entidades de todo o país estão organizando coletivamente a Conferência Popular pelo Direito à Cidade, que acontecerá nos dias 03, 04 e 05 de junho de 2022, em São Paulo. A conferência tem o objetivo de construir democraticamente uma plataforma de lutas urbanas voltada para o combate à desigualdade social e à predação ambiental. As entidades envolvidas na construção da conferência defendem a ideia de que não é possível se pensar na redemocratização do país sem que ocorra uma articulação nacional de agentes, atores e entidades vinculados à vida urbana e produção das cidades. Como é dito na carta que apresenta o Encontro Nacional pelo Direito à cidade:
“Nesse momento de sobreposição de crises e regressões, é nosso papel recolocar horizontes e desbloquear o futuro que hoje se encontra interditado. É preciso fortalecer a luta pela democracia desde as cidades: nos bairros, nas escolas, nas igrejas e também nas universidades (…) É preciso disseminar a informação e travar a batalha de ideias, resgatar a utopia das cidades como lugar do viver juntos, como o espaço da vida em comum, onde todas e todos podem ser socialmente iguais, humanamente diferentes e livres de opressões, explorações e discriminações. Este horizonte de cidades justas é utópico, mas também realista e necessário”. Leia na íntegra a carta clicando aqui.
O tema das cidades no projeto nacional precisa ser debatido com urgência, especialmente, neste ano, por ocasião das eleições de 2022. E para subsidiar esse debate é fundamental lembrarmos de experiências antigas e recentes, acertos e erros, novos caminhos e formas de luta e organização da vida urbana.
No Dicionário de Favelas Marielle Franco reunimos várias experiências de lutas pela moradia como a organização de moradores da Região de Jacarepaguá no Rio de Janeiro que foram ouvidos pela equipe do projeto “Histórias, Memórias, Oralidades e Cartografia da Luta Social por Terra e Moradia na Região de Jacarepaguá“, realizado pelo PDCFMA – Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz Mata Atlântica.
O projeto reuniu depoimentos de lideranças e protagonistas que estão na resistência das tensões dos interesses dos grandes investidores, do desenvolvimento especulativo e predatório. Esses depoimentos mostram como “o lugar dos pobres agora é o lugar dos ricos. E os ricos contam com a ação da polícia e de grupos armados para garantir seus negócios. Como também a grilagem e a milícia invadem e negociam terras públicas ou áreas de preservação ambiental, para especular e explorar os moradores”. Mais informações podem ser encontradas no verbete, disponível na íntegra na wikifavelas.
Em um desses depoimentos João Marco, diretor do CPJABA – Centro de Formação Profissionalizante do Jardim Boiúna e Adjacências conta que a luta dos moradores da região de Jacarepaguá por moradia envolveu a organização de diversas ocupações desde os anos 1970 até os anos 1990. Uma série de pressões e conflitos ocorreram tanto no momento da realização como no processo de manutenção das ocupações. Mas os moradores seguiram se organizando na região pois queriam (e muitos ainda querem) não apenas ficar no local, como também conquistar a documentação para regularizar a situação em que vivem. Como narra João:
No final de 1987 havia muitas pessoas pagando aluguel. Havia uma necessidade real, e pessoas do bairro eram contra. Muitas reuniões eram feitas na minha casa. Eram reuniões secretas e meu pai dava aprovação dele. As reuniões secretas tinham o objetivo de não vazar informações. Me lembro que a ultima reunião foi onze dias antes do meu casamento. E fechou-se que a ocupação no Boiúna seria naquele dia 13 de outubro de 1988, e aconteceu. E foi tratada toda estratégia de como ocupar, com resistir, tudo planejado. Não foi uma ocupação fácil. Teve polícia, com pessoas do bairro tentando comprar. Na época chegaram para mim perguntando por que eu estava andando à pé – “eu tenho um carro lá em casa que é sua cara”. Já naquela época, tentava-se comprar as pessoas, tudo para evitar pobres na Boiúna. Mas conseguimos consolidar. Hoje lá tem dez travessas – todas as dez travessas levam o nome de dez moradores, e já está registrada na SMTU (Secretaria Municipal de Transporte Urbano), que participaram ativamente. Uma delas teve o nome do Vavá, que era eletricista. Hoje nosso processo esta no urbanismo. Estamos sempre tentando reunião, mas nunca marca. (…) Naquela época eram trabalhadores que construíram suas casas, algumas ainda vivem no embrião. Acertamos com o secretário Jorge Bittar e estamos aguardando a escritura. Só depois de conseguir o RGI deixaremos de ser ocupação e nos tornamos parte da cidade como bairro.
As falas de João Marco e de outras lideranças como Maria Zélia Carneiro Dazzi, Presidente Associação de Moradores e Pescadores do Arroio Pavuna, evidenciam como parcelas mais pobres da população criam habitação, criam cidade diante da ausência de políticas públicas. No entanto, o poder público, por sua vez, ao invés de criar políticas de habitação, muitas vezes destrói habitações criadas com anos de suor e organização coletiva, torna ilegal a situação desses moradores e cria diversos ilegalismos com os quais eles têm que lidar. Como narra Maria Zélia a resistência se desdobra no tempo, envolvendo formas diversas de organização e politização:
O primeiro embate foi com o DNER (Departamento Nacional de Estradas e Rodagem). Depois veio em 1982, quando surgiu a primeira empreiteira que construiu o (Condomínio) Rio 2, demonstrando que nós incomodávamos. Como na época, ainda tinham muitos barracos, e muitos pescadores velhinhos, começaram os conflitos. Naquela época a gente não tinha conhecimento de que havia Defensoria Pública ou Ministério Público, a gente recorria aos políticos. Eles vinham, faziam reuniões, aí depois eles sumiam. A gente se acalmava. Em 92, um pouco antes da ECO, outro embate com as empreiteiras – ainda não era a prefeitura. Nós recorremos ao Saturnino Braga. E depois se acalma e a gente segue a vida. Quando foi em 2006, o embate foi mais forte. Retiraram parte da comunidade. Embora as pessoas falassem que foi por causa do PAN (Jogos Panamericanos), não teve nada a ver com o PAN: retiraram parte da comunidade, para fazer o acesso para o condomínio Rio 2 e para o que estão construindo agora, o Cidade Jardim. A comunidade, embora não fosse mais barracos e com casas até com piscinas, eles tiraram. As terras – antes eram da aeronáutica – nesta época já existia o ITERJ, mas a prefeitura veio derrubar e o ITERJ não fez nada. Saíram 68 casas. A comunidade foi sendo dividida aos poucos, com o ponto de madeira, concreto, depois outra. Em 2006, lá então foi demolido.
Todas as idas e vindas nesse processo de luta pela habitação, embora gere uma acumulação de saberes, gera também um enorme desgaste nos moradores que precisam viver com pressões, ameaças e uma constante indeterminação. Os processos de criminalização da luta marcam profundamente as experiências subjetivas dessas mulheres e homens como narra Maria Zélia:
Meu marido era um homem politizado desde a ditadura. Eu participava das lutas com ele. Em 2007, quando a prefeitura veio fazer o mesmo que fez do outro lado – porque sempre foi o desejo lá do outro lado que a gente saísse – eu já estava prevenida. Primeiro passo, depois que vieram fotografar, foi tirar medidas das casas, e a assistente social fazendo cadastro. Eu perguntei pra quê, ela não respondeu. Enquanto isto um funcionário da prefeitura entrou na casa, fotografando tudo. Eram 8 horas da manhã, meu marido ainda estava na cama. Entrou sem falar nada. Aquilo me deu uma revolta tão grande! E do meu lado, enquanto eu respondia as perguntas, estava um guarda municipal, com os braços cruzados pra traz, me olhava o tempo todo, como se eu fora uma criminosa. Choro até hoje, isto me marca profundamente.
Todas essas experiências fazem esses moradores sentirem que não tem direito à cidade. Como sintetizou Maria Zélia: “é como se a gente não pertencesse à cidade, como se nosso direito fosse só o de trabalhar pra eles. Mas nós estamos aqui prontos para enfrentar toda guerra para ficar aqui”. Apresentamos abaixo, a entrevista completa de José Jorge dos Santos de Oliveira, membro do MUP (Movimento de União Popular). O depoimento nos convida a repensar o modo como o direito à cidade pode e deve ser trabalhado a partir de práticas e conflitos cotidianos que permeiam a vida daqueles que precisam lutar para ter onde morar. Como bem sintetiza José Jorge:
“Eu costumo dizer que existem movimentos sociais por causa da ineficiência, da irresponsabilidade e da falta de caráter de quem tinha que cuidar daquilo que ele foi eleito para fazer mas não fazem, e ganham muito bem pra isto, com dinheiro dos outros. Então existem os movimentos sociais, onde não se tem tempo pra nada, tem que trabalhar desesperadamente pra comer e pra beber, mas tem que arrumar tempo para conversar sobre seus direitos.”
Para acessar o texto na íntegra, clique aqui.
WikiFavelas: para quem o Estado mostra os dentes
Por Silvia Ramos, Itamar Silva, Diego Francisco e Pedro Paulo da Silva, publicado em 16 de março de 2022
Somente nos últimos sete dias, dois casos de injúria racial cometidos no Rio de Janeiro ganharam espaço na mídia e nas redes sociais. Igor Palhano, dentista, de 30 anos, foi impedido de sair de um shopping da zona oeste antes de comprovar com documentos a propriedade de sua moto. Quatro dias depois, a empresária Sarah Fonseca, de 28 anos, foi interceptada por um segurança “da associação de lojistas do bairro” ao abordar seu próprio namorado e sua sogra, que tomavam café numa padaria de Ipanema, na zona sul do Rio, sob a alegação de que estaria “pedindo dinheiro ou importunando”. Talvez os casos não tivessem tanta repercussão se não envolvessem vítimas com alguma visibilidade: Igor é filho do sambista e humorista Mussum, e Sarah – que é influencer digital com mais de 600 mil seguidores no Instagram – mesmo muito abalada conseguiu reunir forças para denunciar o episódio racista em tempo real nas suas redes. Os dois casos foram registrados na Delegacia de Combate a Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), mas, conforme apontam os resultados da pesquisa Elemento Suspeito, realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), eles engrossam uma realidade comum e muito pouco notificada, pela qual os jovens negros passam diariamente ao ir e vir pela cidade.
Achille Mbembe (2014, p.197) explica que a raça é uma moeda icônica, que aparece por ocasião de um comércio dos olhares. “É uma moeda cuja função é converter o que se vê (ou o que prefere não ver) em uma espécie ou um símbolo no interior de uma economia geral dos signos e das imagens que se trocam, que circulam, às quais se atribui ou não valor e que autorizam uma série de juízos e de atitudes práticas”.
O verbete do Dicionário de Favelas Marielle Franco, sobre a pesquisa Elemento Suspeito destaca a dimensão do trauma coletivo que representam as abordagens infundadas e violentas a jovens negros no Rio de Janeiro, que só nos dias atuais vêm sendo explicitamente relacionadas à questão do racismo estrutural da sociedade brasileira. A incidência do indicador de Idade, Gênero, Classe, Cor e Território (IGCCT), criado pelos pesquisadores do CESeC, reforça essa dura realidade: apesar dos casos que ganharam espaço na mídia serem de jovens de classe média/alta, os “elementos suspeitos” de antemão, são mais homens do que mulheres, mais negros do que brancos, mais pobres, mais jovens e mais moradores de favelas e bairros de periferia do que a média da cidade.
Todo esse conjunto de evidências deveria ser mais do que suficiente para tornar inegável que o Estado brasileiro tem no racismo um pilar fundamental de sua lógica de funcionamento. A abordagem da polícia ou das forças de segurança privada é apenas uma ponta desse sistema, que se consolida no encarceramento em massa da população negra. Segundo Juliana Borges (2019), dois em cada três presos são negros, a maioria na condição de presos provisórios – ou seja, ainda aguardando julgamento. No outro extremo dessa engrenagem, por sua vez, encontramos a desmobilização e desconsideração da legislação antirracista por parte de promotores e juízes. Em 2016, pesquisadoras do Afro Cebrap analisaram os bancos de dados de decisões de tribunais de justiça de nove estados brasileiros, e identificaram que a maioria dos casos que envolviam o proferimento de insultos raciais acabavam classificados como “injúria simples” ou “ofensa à dignidade ou decoro de alguém”. Em geral os magistrados alegam ausência de provas sobre a intenção deliberada de discriminar racialmente para que esses casos fossem enquadrados como “injúria racial”.
Se uma das grandes vitórias dos movimentos negros brasileiros é o fato de que racismo aparece como crime inafiançável e imprescritível na Constituição Federal, a realidade nos mostra que ainda estamos muito longe de fazer valer a letra da lei. Em artigo de opinião magistral, Conrado Hubner argumenta que existe uma “Constituição não escrita da brutalidade brasileira” onde “todos são iguais perante a lei, exceto pretos, etc.”; e onde “preto se presume suspeito até prova robusta em contrário”. A pesquisa Elemento Suspeito se debruça exatamente sobre as manifestações dessa norma “oculta” que organiza os comportamentos das forças do Estado brasileiro, retroalimentando desigualdades a partir da discriminação racial.
Introdução elaborada pelo Dicionário de Favelas.
Para acessar o texto na íntegra, clique aqui.
WikiFavelas: O avanço do racismo algorítmico no Brasil
Em diferentes cidades do Brasil, avançam propostas de utilização de mecanismos de reconhecimento facial nas políticas públicas de segurança. Em Vitória, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e vários outros locais, com preocupação vemos o sistema de reconhecimento facial servir como uma ferramenta de impulsionamento do encarceramento em massa.
Pesquisadores e ativistas apontam que tais mecanismos têm um problema estrutural: são alimentados por bases de dados que reproduzem desigualdades raciais, fazendo com que mais pessoas negras sejam identificadas como suspeitas, descortinando uma discussão em torno do “racismo algorítmico”.
Um breve retorno à história da criminologia no Brasil nos revela que não é nova a constituição de um perfil que seria considerado criminoso apenas por existir; um arquétipo suspeito. E, com um olhar cuidadoso aos atores mobilizados pelas políticas contemporâneas de segurança pública, podemos notar que Lombroso, Garófalo e Ferri [pensadores da Escola Positiva Italiana] não morreram; pelo contrário: se fazem presentes nos bancos de dados que alimentam os sistemas de reconhecimento facial, se fazem presentes nos operadores das políticas públicas de segurança e se fazem presente na estrutura de Estado. Em 2019, mais de 90% dos presos por reconhecimento facial no Brasil eram pessoas negras. O combo racismo + proibicionsimo segue tornando a liberdade um horizonte distante da vida de jovens negros e pobres no nosso país.
No Dicionário de Favelas Marielle Franco, podemos entender alguns dos efeitos do encarceramento na vida da população pobre, negra e moradora de favelas e periferias. Um dos exemplos é o verbete “Lutar não é Crime”, onde fica explicitado como a estrutura de estado, por meio de sistema de justiça e sistema prisional, age nas favelas e periferias em um horizonte de violação de direitos e inviabilização da existência digna de determinadas populações, notadamente negros e negras. Nem sempre tais ações foram arquitetadas a partir das tecnologias de reconhecimento facial, mas, sem dúvidas, os receios tornam-se ainda maiores com o desenvolvimento tecnológico do aparato de repressão.
Cabe-nos ampliar a discussão, deslocando os olhares que pensam que, a priori, a tecnologia de reconhecimento facial é boa ou ruim, convocando todos e todas a discutirem do que é constituída tal tecnologia, descortinando jogos de interesse, entendendo quem as controla e quais objetivos diferentes tecnologias podem assumir numa sociedade estruturada pelo racismo. Muitas discussões tentam abrir caminhos para o tema, seja pensando uma moratória no reconhecimento facial, seja pelas acusações de tecnoautoritarismo. Talvez, para o começo de uma conversa franca sobre o assunto, a gente tenha que assumir duas bandeiras como comuns: não podemos aceitar reedições da ideia de “perigosos natos” nem podemos aceitar movimentações no campo da segurança pública que aprofundem desigualdades e injustiças sociais.
Para acessar o texto na íntegra, clique aqui.
WikiFavelas: cursinhos populares e as rotas rebeldes
Por Angela Cristina da Silva Santos, publicado em 06 de abril de 2022.
No Dicionário Marielle Franco, as lutas para democratizar o Ensino Superior através dos pré-vestibulares. Eles vão além do conteúdo curricular: tornam-se espaço de afetos e resistências — e instigam jovens periféricos a se conectar ao mundo
O ano de 2022 será decisivo em vários aspectos. No contexto das campanhas eleitorais, campanhas para as juventudes participarem da política também se somam, através de artistas, ativistas e educadores, a uma onda de necessária conscientização sobre a importância das eleições deste ano para o Brasil. E é também neste momento que a comunicação com as juventudes e o próprio acesso a uma educação crítica e transformadora ganham destaque no debate público: 2022 é o ano da implementação do Novo Ensino Médio, e da revisão da política de cotas nas universidades públicas.
A “lei de cotas” – como popularmente é conhecida – foi sancionada em agosto de 2012, após experiências consideradas satisfatórias em instituições públicas de ensino superior. O texto prevê que: i) 50% das vagas oferecidas em cada curso de graduação devem ser destinadas a alunos que cursaram o ensino médio integralmente na rede pública; ii) dessas vagas, pelo menos 50% devem ser preenchidas por estudantes com renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo; iii) o preenchimento dessas vagas deve seguir a mesma proporção de pessoas pretas, pardas, indígenas e com deficiência da unidade da Federação onde fica instituição de ensino, seguindo os dados do censo mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nestas duas décadas, houve um aumento de 9,8% no número de estudantes negros e pardos, de 10,7% de estudantes de escolas públicas e 14,9% de estudantes de nível socioeconômico mais baixo em universidades, segundo a revista Economics of Education. Além disso, pela primeira vez na história, a maior universidade pública do país, a Universidade de São Paulo (USP), tem mais alunos que vieram de escolas públicas. Em 2021, eles foram 51,7% do total de estudantes. Alguns desses resultados podem ser acompanhados através do verbete “Ações Afirmativas no acesso ao Ensino Superior”, de Laís Müller. Parlamentares favoráveis à pauta, por exemplo, têm receio de que o debate em meio à campanha eleitoral deste ano provoque “retrocesso” na lei e defendem o adiamento da revisão.
Ao mesmo tempo, os caminhos que levam os jovens ao ensino superior, para além do filtro social do vestibular, têm sido mais afunilados. O Novo Ensino Médio é resultado da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBI) por meio da lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, e começa a ser implementado de forma gradual a partir deste ano nas redes públicas de ensino. Entre as mudanças, estão o aumento da carga horária, uma nova grade curricular pautada em “itinerários formativos” e um ensino voltado para a formação técnica e profissional. Sem diálogo com professores(as) e estudantes(as), parte das mudanças dão margem ao desenvolvimento de currículos muito distintos entre os estados e, assim, podem aprofundar a desigualdade educacional regional, sobretudo para jovens pobres e periféricos.
No centro dessa disputa sobre os rumos da educação brasileira, é fundamental considerar a influência de um dos mais importantes movimentos populares do Brasil do começo do século XXI: o movimento de pré-vestibulares populares, ou pré-vestibulares comunitários. Desde os anos 2000, acompanhando a criação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e fortalecendo as lutas pela democratização do acesso ao ensino superior no país, os pré-vestibulares populares emergiram e se consolidaram como espaços fundamentais de formação profissional e cidadã, onde as juventudes periféricas se conectam não apenas com os conteúdos curriculares mas com o mundo à sua volta. É, inclusive, na atuação de pré-vestibulares populares nas favelas e periferias do país, por meio de iniciativas da sociedade civil organizada, que a política de cotas encontra seus resultados – levando mais jovens pretos e pretas para as cadeiras das universidades. Como aponta Angela Cristina da Silva Santos, do Fórum de Pré-Vestibulares Populares do Rio de Janeiro, “a atuação dos pré-vestibulares populares tem sido extremamente importante, tanto na formação política desses sujeitos, quanto na contribuição para que eles acessem à educação superior e se desenvolvam na educação, pesquisa e extensão, resgatando ou construindo novas epistemologias”. A formação política é indissociável da prática de pré-vestibulares populares, atuando também na cena política nacional como ator político na defesa da inclusão racial e social dos jovens das periferias, como é o caso da Rede Educafro.
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No WikiFavelas, a potência da Comunicação Popular
Por Luisa Santiago, publicado em 20 de abril de 2022.
Em ano eleitoral, será preciso superar o atraso e disputar a internet com a ultradireita, sugere o Dicionário Marielle Franco. Teia de mídias alternativas será crucial na batalha para desbaratar fake news e articular a resistência das periferias
“A potencialidade política da internet ainda não chegou a muitos processos de resistência” – alerta o verbete sobre a Teia de Comunicação Popular do Brasil, no Dicionário de Favelas Marielle Franco. Em tempos de “pós-verdade”, onde bastam pouco cliques para que se multiplique a desinformação promovida pelas “fake news”, a frase chama atenção para uma das principais pautas a serem reforçadas na contemporaneidade: mais do que nunca, é preciso fortalecer, apoiar e qualificar as iniciativas faveladas e periféricas no campo da comunicação popular contra-hegemônica.
Embora ainda pouco conhecidas pelo grande público, as iniciativas de comunicação popular de favelas e periferias têm uma extensa trajetória histórica, que vai desde a produção por mimeógrafos – como foi a da Revista Nós, da Cidade de Deus, entre 1977 a 1980 – à realização de pesquisas locais, com produção de dados e outros insumos audiovisuais para disputar narrativas com a imprensa formal e o próprio Estado sobre o que acontece, de fato, nas favelas. Esse é o objetivo, por exemplo, do LabJaca – Favela Gerando Dados, criado em 2020 na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro.
Tais iniciativas, portanto, não se propõem apenas a comunicar, mas também a organizar politicamente seus(as) leitores(as) para percepção, crítica e transformação da realidade em que vivem. No contexto de dois anos de combate à pandemia de covid-19 no Brasil, por exemplo, o Dicionário de Favelas Marielle Franco buscou contribuir para essa luta histórica, apoiando os coletivos envolvidos na produção de informação popular sobre a emergência sanitária, e reuniu pesquisas, reportagens, fotos, vídeos, comentários, artigos, ensaios e reflexões acadêmicas sobre os impactos do coronavírus nas favelas. No âmbito desse projeto, foi possível construir uma base de dados aberta com 783 notícias sobre coronavírus nas favelas, ordenadas segundo os tipos de veículos onde foram publicadas – mídia comunitária, imprensa comercial, imprensa alternativa (que não necessariamente possui vinculação territorial) e portais institucionais públicos e privados.
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WikiFavelas: as tecnologias reinventadas pela periferia
Por Pâmela Passos, publicado em 04 de maio de 2022.
Elas são essenciais à formação cidadã, aponta o Dicionário Marielle Franco. De inovações na economia solidária a lan houses, alçadas a espaços de encontro e cultura digital das juventudes, elas mostram saídas às distopias tecnológicas
As tecnologias são marcadas por uma ambivalência. Podem ser tanto utilizadas para dominação como para libertação. Em outra matéria relatamos casos de racismo algorítmico e monitoramento por vídeo, o que mostra como as tecnologias digitais podem ter um papel de repressão e impulsionamento do encarceramento em massa da população favelada. Por outro lado, as tecnologias digitais também podem se configurar como meios para visibilizar as potências e denunciar os problemas das favelas. Neste artigo apresentamos algumas iniciativas que utilizam as tecnologias digitais para promover a sociabilidade nas favelas e expressar a realidade dos moradores.
Conforme Beatriz Carvalho explica, “a forma que a internet chega nas periferias cariocas quase sempre é precária”, assim, o projeto Mulheres de Frente produz cursos, consultorias, palestras e oficinas que envolvam tecnologia digital, com objetivo de prover às mulheres acesso à cultura digital na Baixada Fluminense e na Zona Oeste. O Pipas Labs Casa Voz por sua vez atua com crianças e jovens do Complexo do Alemão na “experimentação lúdica e inovação tecnológica”. A maioria dessas iniciativas são realizadas por organizações sociais, sendo que algumas recebem apoio de governos ou empresas. Um exemplo de iniciativa em parceria com governo são as Fábricas de Cultura que realizam atividades artísticas, mantém bibliotecas e também produções de artes digitais. Essas iniciativas são um ponto de encontro da juventude e, assim, possibilitam a exploração de novas formas de sociabilidade, utilizando a internet como meio de expressão.
O empreendedorismo digital é outro elemento que mobiliza as favelas. A Favela Inc realiza capacitações nas áreas de “gestão de negócios, educação financeira, marketing digital e desenvolvimento pessoal”. A plataforma digital Transformadores também busca “trabalhar o fortalecimento da imagem das comunidades e de seus moradores, enfatizando casos de sucesso e o potencial dessas áreas urbanas, com o intuito de atrair mais negócios, ampliar os que já existem nessas regiões e mitigar o preconceito na contratação de moradores de comunidades”. O empreendedorismo é uma questão controversa. Embora a ideia de autoempregabilidade possa ser vista como uma nova forma de precarização, não se pode ignorar que esse assunto é parte das realidades nas favelas e as tecnologias digitais são um meio para realização dessas atividades empreendedoras. Uma alternativa é pensar o desenvolvimento econômico e a resiliência local a partir da economia solidária, como faz, por exemplo, o Banco Comunitário do Preventório.
Por fim, a expressão digital também é marca das favelas. Uma vez que as comunicações digitais diminuíram os custos para produção e emissão de conteúdo (hoje pode-se fazer um vídeo e rapidamente divulgá-lo no YouTube), diversas iniciativas de comunicação digital emergiram nas favelas. Um exemplo é a plataforma Bombozila que surgiu quando “durante as Olimpíadas de 2016 do Rio de Janeiro, um grupo de jornalistas e midiativistas de toda a América Latina se uniram para documentar os abusos cometidos antes e durante o megaevento”. Outro exemplo é a rádio Web Manguinhos Livre, uma iniciativa do Ecomuseu de Manguinhos em parceria com estudantes de ensino médio do Colégio Estadual Clóvis Monteiro.
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WikiFavelas: O racismo religioso de cada dia
Por Carolina Rocha, publicado em 18 de maio de 2022.
No Dicionário Marielle Franco, a perseguição às religiões de matrizes afros. Mais que “ignorância” ou “resquício da escravidão”, ela é produto das engrenagens do capitalismo — e de ordem social e racionalidade coloniais que buscam legitimá-la
Exu venceu o carnaval. A história do orixá do movimento e da comunicação foi contada na avenida em uma homenagem feita pelo Acadêmicos do Grande Rio neste ano que acabou ganhando o título do carnaval carioca. Depois de um ano sem desfile de escolas de samba, devido à pandemia da covid-19, o samba-enredo da Grande Rio ganhou destaque não só na avenida, mas também no debate público que passou a ter Exu como foco.
Muitos jornais, revistas, programas televisivos e sites passaram a falar sobre essa complexa entidade que, com frequência, é temida e pouco compreendida. Carolina Rocha, que é doutora em sociologia, historiadora, escritora e pesquisadora, explica em sua tese a dificuldade que muitos possuem de compreender Exu. Ela lembra que as sociedades de matriz africana possuem conjuntos de valores, de crenças e uma forma de construção de conhecimento e sentido de mundo que não opera em uma lógica binária e dualista, tal como a lógica ocidental. Compreender Exu torna-se difícil nas sociedades ocidentais porque nelas o pensamento baseia-se, com frequência, em binarismos e dicotomias como bem e mal, Deus e o Diabo, certo e errado, homem e mulher, público e privado, sagrado e profano, etc.
“O orixá transgride os padrões vigentes ao representar o movimento, a comunicação, o corpo, a fluidez e a expansão, em detrimento de padrões simétricos com vistas à homogeneidade e à previsibilidade. A encruzilhada extrapola e desobedece às expectativas de controle, tal como as práticas humanas, que, mesmo sujeitas a tantas violências, a formatações, a institucionalizações e a regras, se contorcem em manobras, por vezes sutis, inesperadas e insurgentes, nas frestas, nas brechas e nas lacunas”, aponta Carolina Rocha.
A partir da brecha aberta pela vitória da Grande Rio, Exu virou não só centro das atenções no debate sobre carnaval, mas também tema de um projeto de lei apresentado na Câmara do Rio de Janeiro. O vereador Átila Nunes (PSD) propôs que a entidade se torne patrimônio do Rio. A ideia é que o projeto de lei ajude a desmistificar a imagem da entidade e com isso contr Vale lembrar que, em março desse ano, a vereadora Benny Briolly (PSOL) apresentou, um projeto de lei na Câmara de Niterói, na Região Metropolitana do Rio, para a criação do dia municipal de Maria Mulambo, entidade das espiritualidades de matriz africana que representa proteção e abertura de caminhos. Ela sugere que a pombagira se torne a protetora do município de Niterói, por ser símbolo de força feminina negra e também apoio aos mais vulneráveis em uma sociedade excludente. Na ocasião de apresentação do projeto na Câmara, contudo, ela foi vaiada e xingada. E afirmou: “Salve Jesus Cristo, Salve Buda, Salve Nossa Senhora, mas salve também a minha senhora Maria Mulambo, rainha, e salve o Estado Laico”.
Esse episódio expressa um pouco da intolerância e o racismo religioso que perpassam a vida de moradores de favelas e periferias do Rio de Janeiro e do Brasil constantemente, uma vez que boa parte de terreiros que sofrem violência localizam-se nesses territórios. Todavia, como lembra Carolina Rocha, em texto publicado originalmente no blog do ISER, a ideia de que o grande algoz dos cultos afro-brasileiros é o “traficante” ou o pastor, que as manchetes dos jornais sugerem, é insuficiente para dar conta de um fenômeno tão complexo e extenso, com raízes tão profundas em nossa mentalidade e em nossa história.
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WikiFavelas: Nos slams, a voz insubmissa das quebradas
Por Marcos Lopes Campos, publicado em 15 de junho de 2022.
Dicionário Marielle Franco radiografa batalhas de poesia marginal. Como elas borram fronteiras entre arte, cultura e política. A “responsa” de jurados e poetas. Porque são espaços de cura e solidariedade, apesar da competição.
“A cultura é uma necessidade invisível. Ninguém fala, ninguém faz… mas quando alguém faz a coisa se alastra” (Mauí)
Cultura é a linguagem, a estética, o cotidiano, os vínculos e as produções coletivas que representam a sociabilidade de um grupo (ou povo). E, como parte da cultura de favelas e periferias, sujeitas e sujeitos periféricos têm criado formas autênticas de arte e denúncia a partir das brechas deixadas pelo Estado. Em seus trabalhos, Tiaraju D’Andrea, por exemplo, conta essa história de afirmação e positivação da identidade das juventudes faveladas e periféricas. Tais identidades são construídas cotidianamente mais além da polarização entre carências e potências, e se concretizam sob a forma de manifestações culturais e estéticas que problematizam questões de classe, raça e gênero. São múltiplas as formas em que essas questões são abordadas em letras de música e dança, numa estética poética própria ligada a movimentos como o hip-hop e o funk, e chegam, dentre outros tantos formatos, até as batalhas de slams e do passinho.
O premiado filme SLAM: Voz de Levante, das diretoras Tatiana Lohmann e Roberta Estrela D’alva, apresenta o fenômeno dos “poetry slams” americanos e sua recepção na cena brasileira desde 2008. O documentário registra o crescimento das Batalhas de Slam no Brasil e acompanha a campeã brasileira de 2016, Luz Ribeiro, até a Copa do Mundo de Slam em Paris, representando a nova onda feminista e negra que tem feito dessa manifestação artística um veículo de politização no campo popular.
De fato, apesar das dificuldades envolvidas na ausência de incentivo e valorização da cultura favelada e periférica, movimentos culturais proliferam-se movidos principalmente pela ambição de superar o imaginário social de favelas e periferias como lugares de carência, reafirmando-os como espaços de resistência e potência. É o que contam algumas e alguns dos artistas com os quais o Dicionário de Favelas Marielle Franco conversou nos últimos anos.
Na live Cultura e Políticas nas favelas e periferias (Live), que integra a série Favelas em Movimento, organizada entre 2020 e 2021, Andrea Bak, multiartista e estudante de química, fala dos aprendizados que atravessaram sua participação nos grupos de Rap Neftaris Vandal e no coletivo Slam das Minas RJ. Segundo ela, a arte chegou na sua vida a partir de uma ação política, quando em 2017, no contexto dos movimentos de ocupação das escolas de ensino médio da rede pública, ela – então estudante da Faetec – conheceu o Movimento de Slam. “O movimento social me levou ao movimento cultural e hoje eu não consigo fazer um sem fazer outro”, diz ela.
Andrea explica que o movimento slam surgiu nos EUA e, ao chegar no Brasil, acabou tornando-se um fenômeno entre a juventude, principalmente a juventude de favela. Os temas das poesias declamadas e interpretadas nesses espaços reivindicam a vida da população preta e de todas as minorias. Ela destaca, ainda, que em 2018, no contexto da mais conturbada eleição política da história recente, o movimento slam foi essencial para recuperar aquela juventude que estava sendo manipulada pelas ideologias fascistas a partir da onda das fake news. Diante da enxurrada de (des)informações das redes sociais, as batalhas de slam de bairros e favelas promoveu, na prática, uma disputa de narrativas, possibilitando a troca de informações e a defesa de valores ligados aos direitos humanos. Tudo isso através da fala, das rodas, do olho no olho – “ou seja, na nossa linguagem”, completa Andrea.
“A cultura é um agente transformador, tanto para expressar e vomitar o que às vezes tá sufocando, quanto pra se conscientizar, pra se organizar” (Andrea Bak)
Cria do morro da Caixa D’água, em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro, Sabrina Azevedo é mais uma artista que começou a movimentar seu território porque viu que existia um vazio cultural no lugar, e descobriu no slam uma forma de combater o racismo. Na Live Cultura na Periferia, que integra a série Favelas, pandemias e cidadanias (um projeto conjunto da Universidade da Cidadania da UFRJ, do Urbano – Laboratório de Estudos da Cidade do IFCS/UFRJ e do Dicionário de Favelas Marielle Franco), ela discutiu ao lado de Oberdan Mendonça, de Realengo, e de Mauí, de Duque de Caxias, a importância e os desafios da juventude promotora de cultura nas favelas e periferias.
Sabrina se autodenomina “artivista” e destaca que foi através da poesia e do stand up que começou a se entender como mulher preta, com uma ligação com a favela. Foi politizando o seu discurso para brancos e pretos que ela começou a desconstruir o chamado “racismo recreativo” da maior parte das piadas mais comuns na sociedade, e entendeu que nunca foi tímida: na verdade ela estava silenciada. Seu ativismo é fazer a galera “pegar a visão” através de um humor de qualidade e antes de tudo, antirracista.
Sabrina destaca que os investimentos em cultura geralmente não são direcionados para a zona oeste do Rio de Janeiro, e que diversos movimentos já tentaram ser implementados, mas acabaram sendo interrompidos. Ela diz que tomou a iniciativa de movimentar culturalmente a região da Taquara e logo percebeu que “envolver a molecada” é um ato de resistência que vale a pena e logo se multiplica. Para Mauí, os movimentos culturais começam com poucos, mas logo se deparam com uma demanda muito maior de pessoas interessadas. E destaca: “fazer cultura é uma luta emocional, financeira… é uma quebração todo dia na cabeça do jovem”.
É neste sentido, por exemplo, que Marcos Campos discute a vida das juventudes periféricas como um “entre-slams”: o sociólogo reflete sobre a experiência de um poeta periférico a partir de sua fala, que destaca a centralidade do slam na interpretação do ritmo de sua vida. Isto é, as batalhas de slam possibilitam a inserção da vida cotidiana em uma temporalidade particular e produtora de horizontes de futuro. A arte é também “trampo”, “cura”, “responsa” e faz parte do “corre” de sujeitas e sujeitos que sistematicamente têm sido jogados em um mundo sem trabalho e sem muitas expectativas.
E, para trazer um pouco mais dessa reflexão e do cotidiano dos “corres”, destacamos o verbete “Batalha de slam”, produzido por Marcos Campos para o Dicionário de Favelas Marielle Franco.
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WikiFavelas: Convite à política e poética dos mutirões
Por Mariana D. Bittencourt Nepomuceno, publicado em 13 de julho de 2022.
Dicionário Marielle Franco mostra: construção autogestionada de moradia pode ser ponto de partida para a emancipação. Desafia as lógicas de alienação do trabalho — e comunidades tornam-se guardiãs do território, a partir do Comum e do direito à cidade
“Fortalecemos a ideia de que uma nova concepção de cidade vem sendo construída todos os dias a partir dos saberes indígenas, das experiências das ocupações urbanas, hortas familiares e comunitárias, feiras populares, grupos e movimentos de base, saraus, atividades socioculturais, artísticas, esportivas e recreativas periféricas, quilombos, iniciativas de economia solidária e tantas outras formas de construção do poder popular”
Carta da Conferência Popular pelo Direito à Cidade (2022)
O mês de junho de 2022 esteve marcado por discussões nacionais em torno da pauta da reforma urbana através da construção de uma Plataforma de Luta Popular pelo Direito à Cidade. Após mais de dez meses de debates, eventos preparatórios e uma construção coletiva que envolveu milhares de pessoas, de todos os cantos do país, a Conferência Popular pelo Direito à Cidade, que aconteceu em São Paulo no mês de junho, reuniu mais de 600 delegados e resultou em 16 propostas claras rumo à democratização do espaço urbano e à defesa do direito à cidade no Brasil.
Num contexto de recuperação da importância da trajetória histórica de organizações e povos que impulsionaram essa luta, o Dicionário de Favelas Marielle Franco une-se à essa bandeira e convida os leitores do Outras Palavras a conhecerem um pouco mais sobre uma das mais genuínas tecnologias sociais que dão materialidade à luta por direito à cidade no país: o Mutirão.
No verbete elaborado por Mariana Diniz Bittencourt Nepomuceno, e reproduzido abaixo, a autora conta a história desse modelo tipicamente brasileiro e latino-americano de auto-organização social e coletiva. Focado na construção e produção de melhorias em habitações populares, nos dias atuais, o mutirão é um dos pilares da práxis dos maiores movimentos sociais latino-americanos, indo desde a construção de espaços coletivos comuns – como praças, quintais, áreas de lazer e cozinhas comunitárias – até a pactuação de regras e a construção de infraestrutura para uso e distribuição de recursos naturais, como a água. Seus usos e desdobramentos dialogam diretamente com o tema do Comum, um dos assuntos mais candentes do debate sociológico contemporâneo.
Termo de origem indígena, a palavra “mutirão” reflete a tradição de trabalho coletivo solidário que remonta aos povos originários e rurais da América Latina, tendo sido utilizado já no século XIX por associações de ajuda mútua e coletivos negros na luta por autonomia ao longo do inacabado processo de abolição da escravidão, e desembocando nas favelas e periferias de todo o país, no século XX, como alternativa às dinâmicas opressoras da expansão do capitalismo associado à urbanização seletiva.
Segundo Stavros Stavrides, um dos principais teóricos do Comum aplicado ao urbano, que pesquisou a fundo os movimentos de moradia no Brasil, Argentina e México, os mutirões são uma tecnologia social participativa, de traços decoloniais, que na perspectiva do “buen vivir” latino-americano, coloca a comunidade não como usuária ou proprietária dos espaços, mas como guardiã do território. Para além do esforço legítimo em demandar direitos ao Estado, o mutirão na construção de espaços e recursos comuns representa uma inovação nas formas de viver, atuando enquanto instrumento do poder público (em sentido amplo), e sem a intenção de produzir ilhas de isolamento comunitário. Fernanda Pernasetti resume o pensamento de Stravides ao apontar que sua compreensão do Comum não se refere a coisas, serviços ou recursos: trata-se de relações sociais definidas para si por comunidades específicas. O que está em questão para a construção dessas comunidades, portanto, é “o que” compartilhar entre seus membros e “como”, ou seja, quais seriam as regras a orientar esse compartilhamento.
Essa perspectiva se diferencia da ideia original de Commons, da economista americana Elinor Ostrom, ao afastar-se de uma imagem que remete a comunidades estáveis, com regras comuns definidas de maneira funcional, de modo a construir fronteiras de proteção. A abordagem de Stavrides propõe repensar a ideia de recursos, de regras e até mesmo a noção de comunidade, aproximando-se do entendimento do Comum como um caminho para a emancipação social humana, uma vez que enfatiza a prática da organização social que vai além dos padrões capitalistas, visando superá-los. Nessa, recursos não são dados, são relações dinâmicas cujas condições demoram a ser construídas e deflagram processos. A água, por exemplo, não é um common good (bem comum) nesse caso, mas torna-se um tema de comunização quando um contexto específico estabelece os recursos hídricos como uma necessidade, definindo sua distribuição sob determinadas condições e sob determinadas relações sociais. Comunidades rurais, por exemplo, vão falar de água de forma diferente das sociedades urbanas, e isso se aplica de forma geral a diversos outros recursos naturais sob a égide da comunização. Outro elemento fundamental que integra essa concepção de Comum é o fato de que as regras que regem as relações sociais nesses contextos devem ser feitas por aqueles que realmente participam das comunidades e não por membros de instituições externas. Para Stavrides, regras são processos em si mesmos, um trabalho a ser feito. Já a comunidade não se refere à tradicional imagem de grupos fechados ou estáveis: não importa quão democrática internamente ela seja, se suas relações sociais são limitadas e a comunidade se torna um enclave, a ideia de comunização morre. Sendo assim, o Comum só pode sobreviver em comunidades emergentes e criativas, que constroem sua autonomia num sentido não-tradicional. Um importante traço desse tipo de perspectiva é que as comunidades constroem sua independência ao definir suas próprias regras e permanecerem abertas às potencialidades de novos membros. Sendo assim, a comunidade se cria, se sustenta e não apenas repete tradições, mas segue aberta ao mundo exterior, explorando formas de autogoverno e de compartilhamento sob contextos de solidariedade e mutualidade.
Nos mutirões do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), por exemplo, ficam evidentes tanto o caráter pedagógico-freireano dos canteiros de obra – como momentos de grande aprendizagem para os participantes mutirantes – quanto a importância de que os produtos desses esforços coletivos não sejam circunscritos a determinados indivíduos ou usuários. Nesse sentido, os mutirões autogestionários são produtores de ideias e de formas valiosas de entendimento sobre como uma sociedade emancipatória deve ser construída. Um instrumento metodológico e prático fundamental na luta pela reforma urbana e pelo direito à cidade no Brasil.
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WikiFavelas: Cartografias insurgentes nas periferias
Por Mapeadores Comunitários do Preventório, publicado em 27 de julho de 2022.
O Dicionário Marielle Franco mostra caso emblemático de mapeamento comunitário. Propõe antropofagia digital: combater apagamentos e resssignificar tecnologias livres através de ativismo local, escuta coletiva e desejo de transformação.
Os mapas historicamente foram construídos por especialistas. Inicialmente produzidos por viajantes e depois por cartógrafos, com advento das tecnologias digitais atualmente são produzidos por satélites e complexas infraestruturas tecnológicas que registram, processam e disponibilizam imagens cartográficas, como, por exemplo, mapas de países, de cidades e até do desmatamento na Amazônia.
Se mapas por um lado possuem um caráter científico e tecnológico, por outro, podem evidenciar ou invisibilizar possibilidades econômicas, sociais e políticas. Dependendo da informação registrada, um mapa pode mostrar pontos comerciais de anunciantes, ou ignorar serviços públicos e projetos sociais que não possuem recursos financeiros ou técnicos para se apresentarem nessas tecnologias.
Assumindo que as tecnologias de construção de mapas não são neutras e podem ser usadas pela sociedade, os mapeadores comunitários da equipe do projeto Urbelatam, conforme descrito no verbete Mapeamento no Preventório, se propõem a fazer cartografias em favelas. Como eles dizem: “nosso trabalho é desenhar ou melhor redesenhar mapas nesses territórios” e assim “produzir coletivamente conhecimentos em favelas”.
“Apesar dos ‘fazedores’ de mapas cidadãos produzirem mapas abertos de forma colaborativa e voluntária, algo de grande valor, eles são adeptos de uma visão de mundo mais alinhado com a crença que as ciências e tecnologias são neutras e positivas, enquanto nós acreditamos que os efeitos positivos, negativos ou nulos das ciências e das tecnologias dependem de onde, de quando e por quem elas são desenvolvidas.
Os mapeadores comunitários, contudo, não se opõem às outras iniciativas. Na verdade, se apoiam nas tecnologias existentes (Open Street Maps, Kudos, HOT Tasking Manager, entre outras) e buscam “transgredir algumas assimetrias e opressões embutidas nessas ferramentas em favor de uma produção de conhecimentos que faça sentido para o território, que tenha a cara, o jeito e a voz de quem vive o território”. Assim, usando tecnologias livres, cria-se um espaço comum de construção de saberes com abertura para novas pessoas.
O mapeamento comunitário do Preventório se disseminou por outras favelas, como são os casos dos coletivos participantes do projeto Tamo Junto. Cinco coletivos produziram mapas comunitários nas favelas da Cidade de Deus, Providência, Borel, Santa Cruz e Rocinha. Por meio desse diálogo com outros grupos, os mapeadores comunitários buscam, além de aumentar a visibilidade dos territórios, ampliar a redes de mapeadores. Para tanto, baseiam-se em uma proposta sociotécnica que a comunidade e a tecnologia se co-constroem em movimentos conjuntos e emergentes.
Além disso, as iniciativas de mapeamento comunitário se assemelham a outras cartografias e mapeamentos registradas no Dicionário de Favelas, como o Mapeamento de Favelas “desconhecidas”, os Mapas Afetivos, o Mapa da Rede Favela Sustentável, o Mapa dos Grupos Armados no Rio de Janeiro, a Cartografia da Luta Social na Região de Jacarepaguá, e o mapa de Homenagens à Marielle Franco. Essas iniciativas buscam registrar e apresentar espacialmente diferentes aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos das favelas. Ela se complementa e evidencia informações a partir do olhar dos próprios moradores.
Em um contexto mais amplo, os mapeadores comunitários se juntam a outras formas de transformação social que foram relatadas aqui no Outras Palavras e estão registradas no Dicionário de Favelas Marielle Francos. Por exemplo, a Comunicação Popular, os cursinhos populares, as tecnologias reinventadas e os mutirões. Essas iniciativas se apropriam de tecnologias existentes para transformar as realidades das favelas.
As iniciativas listadas mostrar como as tecnologias cartográficas, inicialmente criadas para serem usadas por engenheiros e cientistas, podem ser reinventadas e democratizadas pela sociedade e assim potencializar as ações de grupos que lutam pela melhoria da vida nas favelas.
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WikiFavelas: Memórias e lutas das mulheres na refavela
Por Cleonice Dias, publicado em 10 de agosto de 2022.
Dicionário Marielle Franco narra a trajetória combativa de uma liderança da Cidade de Deus. Ela mostra que o resgate da história local, a alegria e o senso coletivo podem coser lutas sociais e comunidade. Mulheres e jovens estão na linha de frente desta trama.
“Um símbolo de resistência e de amor”. Assim Anielle Franco define a estátua de Marielle Franco inaugurada no Centro do Rio de Janeiro no último dia 27 de julho. Na data, Marielle completaria 43 anos. Leonina, como ela gostava de lembrar sempre, a vereadora tornou-se símbolo de milhares de lutas por justiça mundo afora e agora Marielle está eternizada no Buraco do Lume, local que foi intensamente ocupado por ela, toda sexta-feira, em suas prestações de conta semanais de seu mandato como vereadora da cidade do Rio de Janeiro pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). A inauguração da estátua nos lembra que as mulheres negras estão ocupando o poder mais do que nunca e têm um papel histórico na linha de frente das resistências Brasil afora.
Ao longo das últimas décadas, tornou-se impossível falar em resistência e memória nas/das favelas sem fazer referência à organização de mulheres como forma de resposta à violências que são perpetradas diariamente pelo estado. Em função do acirramento das políticas públicas de segurança altamente letais, vemos mais coletivos surgindo como resposta às duras e violentas chacinas. Um exemplo são os movimentos criados em resposta às chacinas ocorridas no Rio de Janeiro no último período, quase integralmente protagonizados por mulheres, muitas delas mães vítimas de violência de estado.
Algumas das protagonistas dessas lutas foram homenageadas, na semana em que se comemorou o Dia da Mulher Negra, Latinoamericana e Caribenha, com a inauguração do Memorial Mulheres Negras e Faveladas na Luta Contra a Militarização. Situado na subida do Morro da Mangueira, o memorial – idealizado pela Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial – ratifica e reconhece a luta das mulheres que estão na linha de frente pelo direito à vida nos territórios favelados, além de transformar as nossas lutas em memórias vivas, como sintetizou Gizele Martins, uma das homenageadas.
A estátua de Marielle e o memorial das Mulheres Negras e Faveladas na Luta Contra a Militarização são exemplos de muitas outras iniciativas que têm surgido nos últimos anos para fortalecer a luta pelo direito à memória e pela celebração da identidade favelada. Vale lembrar que a memória é um processo em construção permanente que ocorre por meio dos atos de transmitir e de receber, passando pela nominação que expressa o reconhecimento da existência do outro (Candau, 2016). Já o processo de identificação se situa no binômio transmissão (via socialização) e recepção, de forma transitória e incompleta, mas não passiva, já que implica no acionamento, seja do esquecimento, seja da lembrança. Como aponta Hall, “a identidade torna-se uma “celebração móvel” formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente” (Hall, 2006 apud Souza, 2014: 13).
Trata-se de um processo dialógico dentro de uma comunidade que partilha sentidos. Sendo a memória mais um enquadramento do que uma reconstituição fiel, memória e identidade se entrecruzam, pois não há busca identitária sem memória, assim como a busca memorial é sempre acompanhada de um sentimento de identidade (Candau, 2016: 9 e 19).
No processo de construção de identidades, é possível notar “o fenômeno no qual cada vez mais há a incorporação de grupos tidos como marginais à memória nacional por meio de sua mobilização em um contexto de construir caminhos para obtenção de direitos” (Amoroso, 2015: 106). Na visão de Grynspan e Pandolfi (2007), essa situação tem alterado a própria noção de patrimônio histórico e cultural, uma vez que novas memórias, como as das moradoras de favelas, têm reivindicado seu espaço para existir na arena pública (Heymann, 2007).
Como lembram Fleury e Menezes (2022), no caso das favelas, a permanente construção de uma memória coletiva sobre esses territórios é parte do processo de positivação da identidade da população favelada, bem como da luta pelo reconhecimento e pelos direitos de cidadania a uma cidade inclusiva. Nesse sentido, a luta pelo direto à memória nas — e das — favelas não pode ser compreendida sem que lembremos o quanto os moradores desses territórios tiveram — e ainda têm — de lutar para (re)existir e mostrar que a favela e os favelados, além de carências, também possuem múltiplas potências. Isso ainda é necessário porque, há mais de um século, esses territórios fazem parte da paisagem carioca e são tratados no debate público como um problema para a cidade.
O pesquisador do Dicionário de Favelas Marielle Franco, Gabriel Nunes, em seu Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – intitulado “Memórias faveladas: as narrativas de Cleonice e Marilene sobre si e seus territórios” – defende que para lutar contra o epistemicídio e a subalternização dos saberes negros, femininos e periféricos, é “fundamental iniciativas que dêem visibilidade para outras experiências de vida e de saberes, ultrapassando a lógica colonial da individualidade e fortalecendo o senso de coletividade. Este fortalecimento passa necessariamente pela tomada de consciência da memória ancestral dos territórios e dos povos, processo que revela potencialidades e permite pensar novos caminhos para um outro futuro”.
No Dicionário de Favelas Marielle Franco, podemos acompanhar muitas histórias de resistência de moradoras de favela. Destacamos hoje uma entrevista publicada no Wikifavelas que foi realizada por Gabriel Nunes – como parte de seu TCC – com Cleonice Dias, importante liderança comunitária da Cidade de Deus, que foi uma das idealizadoras do Dicionário de Favelas e faz parte da equipe do projeto. A entrevista apresenta Cleonice não só a partir de suas singularidades, mas principalmente a partir de seus pertencimentos, de seus fortes vínculos com a família, os vizinhos, a comunidade e a cidade. Apresentar essa história repleta de conquistas, afetos, solidariedade, lutas e resistências, a partir da própria voz de Cleo é uma opção política que visa dar espaço a outras narrativas de construção da cidade que não retratam as favelas somente a partir do signo da falta ou da morte, mas sobretudo a partir a vida que pulsa nas favelas e em suas moradoras.
Verbete: Cleonice Dias, a aprendiz da Cidade de Deus (entrevista)
Autor: Gabriel Nunes Nobre
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WikiFavelas: Mitos e engodos da favela-empreendedora
Por Fernanda Pernasetti, publicado em 24 de agosto de 2022.
Alguns a reivindicam como potência periférica e contraponto aos estigmas de carência, mostra o Dicionário Marielle Franco. Mas ela instrumentaliza a precariedade — e substitui lutas coletivas e políticas sociais pela competição neoliberal.
O combate à pandemia consagrou a potência e a criatividade dos moradores das favelas e periferias, bandeiras defendidas pelos militantes desses territórios nas últimas décadas, recusando sua identificação exclusivamente pelas carências que, se bem existem e devam ser superadas, não são o núcleo definidor de suas identidades. O êxito das iniciativas de lideranças e moradores foram lastreadas na vivência de problemas comuns e na mobilização da solidariedade, que sempre se constituíram no maior recurso propulsor das ações coletivas nas periferias. Fazem parte desse cenário a emergência de inúmeros coletivos de jovens, reunidos em torno de manifestações político-culturais, que proliferaram mesmo diante da hegemonia do neoliberalismo e da difusão dos valores individualistas. O próprio uso do termo coletivos indica uma posição política voltada para o Comum e a solidariedade.
Chama atenção que a intensa organização nas periferias no combate à pandemia – mobilização de recursos, gestão territorial, comunicação e difusão de informações, produção de dados epidemiológicos – não tenha gerado maior investimento por parte dos partidos políticos, renovando suas práticas tradicionais de relação com as populações das favelas, em busca da construção de soluções de economia solidária e de inovações nas práticas e formas sociabilidade em torno do comum. Ao que parece, empresários de dentro e fora das favelas passaram a tratar esses territórios como uma boa oportunidade de expansão do mercado, propugnando as vantagens da busca de lucro como forma de melhoria da qualidade de vida daqueles contemplados com financiamentos para suas iniciativas empresariais.
O combate à pandemia consagrou a potência e a criatividade dos moradores das favelas e periferias, bandeiras defendidas pelos militantes desses territórios nas últimas décadas, recusando sua identificação exclusivamente pelas carências que, se bem existem e devam ser superadas, não são o núcleo definidor de suas identidades. O êxito das iniciativas de lideranças e moradores foram lastreadas na vivência de problemas comuns e na mobilização da solidariedade, que sempre se constituíram no maior recurso propulsor das ações coletivas nas periferias. Fazem parte desse cenário a emergência de inúmeros coletivos de jovens, reunidos em torno de manifestações político-culturais, que proliferaram mesmo diante da hegemonia do neoliberalismo e da difusão dos valores individualistas. O próprio uso do termo coletivos indica uma posição política voltada para o Comum e a solidariedade.
Chama atenção que a intensa organização nas periferias no combate à pandemia – mobilização de recursos, gestão territorial, comunicação e difusão de informações, produção de dados epidemiológicos – não tenha gerado maior investimento por parte dos partidos políticos, renovando suas práticas tradicionais de relação com as populações das favelas, em busca da construção de soluções de economia solidária e de inovações nas práticas e formas sociabilidade em torno do comum. Ao que parece, empresários de dentro e fora das favelas passaram a tratar esses territórios como uma boa oportunidade de expansão do mercado, propugnando as vantagens da busca de lucro como forma de melhoria da qualidade de vida daqueles contemplados com financiamentos para suas iniciativas empresariais.
A importância de discutir a ideologia do empreendedorismo é amplificada pela conjuntura eleitoral, na qual o debate político deveria estar bebendo da experiência das favelas e periferias para pensar a possibilidade de uma política do cotidiano, que valorize a construção de práticas comuns e solidárias, articulando as políticas públicas com as inovações que germinam nas periferias e precisam ser sustentáveis. No entanto, o que estamos observando é a contaminação da ideologia do empreendedorismo nos programas dos candidatos e a expansão da lógica mercantil da acumulação nos territórios das favelas.
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Wikifavelas: Eleições e a máquina de moer gente preta
Por Observatório do Cidade Integrada, publicado em 19 de outubro de 2022.
O Dicionário Marielle Franco apresenta análise do programa Cidade Integrada — uma ocupação territorial de comunidades cariocas. A pretexto de coordenar ações do Estado, polícia invade casas, revista celulares, pratica furtos e abusos de menor.
São muitas as máquinas de moer gente preta em funcionamento no Brasil. Há poucas semanas, discutimos aqui sobre como as chacinas em favelas no Rio de Janeiro se tornaram uma prática rotineira no campo das políticas públicas de segurança, especialmente nos últimos anos. No entanto, ainda que a cidade carioca ocupe um lugar particular nessa dinâmica nacional de militarização da vida, as violações de direitos repetem-se em todo o país, em maior ou menor intensidade, com diferentes tecnologias e orientações. O que não muda é seu alvo comum: a população negra.
Em recente levantamento realizado pela Rede de Observatórios da Segurança nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo é possível observar como as práticas de violência articulam-se em rede e assumem múltiplas feições: guerra às drogas, naturalização das violências, vitimização e encarceramento de jovens negros, violência contra mulheres, aumento das taxas de violência, recordes de mortes e efeitos das violências de gênero nas crianças. Cada uma dessas temáticas reflete o perfil predominante (e não exaustivo) da violência identificada em cada estado. Apesar das diversidades regionais, as violações de direito no Brasil se conectam por dois elementos: o primeiro, como já dito, é o perfil das vítimas de violência (inclusive letal) concentrado na população negra, em especial o jovem homem negro. A partir dos dados mapeados é possível entender como o racismo opera sobre as práticas sociais de modo a estruturar e incidir violentamente sobre corpos de forma seletiva. O segundo elemento, um pouco menos discutido, está ligado à persistência do colonialismo na nossa sociedade, uma vez que a branquitude, enquanto racionalidade dominante, não apenas protege pessoas brancas da vulnerabilidade às violências, como transforma práticas violentas em instrumentos de manutenção de privilégios e de uma hierarquia social baseada no critério racial. Neste país, pessoas negras e pobres têm seus locais sociais muito bem delimitados. Por muito tempo, estiveram fora das universidades e dos espaços de produção do conhecimento, fora dos papeis de destaque na mídia e fora da política institucional, ou seja, fora de qualquer espaço de poder e prestígio.
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WikiFavelas: O presente do futuro dos jovens periféricos
Por Dicionário de Favelas Marielle Franco, publicado em 05 de outubro de 2022.
Dicionário Marielle Franco mostra os dramas e anseios das crias da quebrada. A escola é espaço de disputa – e mobilização. “Tirar venda dos olhos” vai além de luta por políticas públicas: alia sonhos coletivos e novas lógicas solidárias.
Nascido e produzido por jovens militantes das periferias do Rio de Janeiro, o Programa Papo na Laje se apresenta como um programa televisivo interessado nas múltiplas experiências de protagonismo das juventudes de favelas e periferias do estado. Diante das diferentes linguagens da comunicação popular e comunitária, seus idealizadores promovem encontros entre diferentes atores com distintas inserções sociais para “resenhas” que se transformam em episódios temáticos. Como o nome do programa evidencia, o cenário dessas resenhas é a favela, do topo das lajes das casas de moradores(as). Por isso, toda quinta-feira, às 18 horas, estreia um novo episódio no canal da TV Comunitária do Rio de Janeiro (TVCRio) e no YouTube, e o programa já está em sua segunda temporada de gravações. Dando destaque para a trajetória de cada um(a) dos convidados(as), o programa visa conhecer as ações e os sonhos que os movimentam, além de visibilizar organizações que já atuam nesses territórios, fortalecendo o contato e intercâmbio entre os movimentos sociais em atuação.
Segundo seus idealizadores, o Papo na Laje surgiu da convergência de percursos formativos e de vida de alguns sujeitos envolvidos na produção: alguns ligados ao Movimento Sem Terra (MST) e ao Brasil de Fato, e outros que já acumulavam diferentes experiências com juventudes, como a participação no Levante Popular da Juventude e em programas do governo federal, como o ProJovem. Dessa convergência surgiu a vontade de debater não somente as violências praticadas por agentes do Estado que os jovens sofrem nas grandes regiões metropolitanas, mas também as violências ligadas à negação de direitos como o direito ao trabalho, ao lazer, à cultura, à educação e à saúde. Essas são as primeiras preocupações, inquietações e conversas da equipe do projeto.
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WikiFavelas: A chacina sem capuz
Por Daniel Hirata, Carolina Grillo, Diogo Lyra e Renato Dirk, publicado em 21 de setembro de 2022.
Dicionário Marielle Franco analisa a estatização da morte no Grande Rio. Com premiação de policiais violentos, massacres tornaram-se cotidianos – e converteram-se em arma contra qualquer tentativa de controle democrático da segurança pública.
Um dia antes de ser assassinada a tiros na região central do Rio de Janeiro, em 2018, Marielle Franco, cria da Maré, defensora dos direitos humanos e vereadora pelo PSOL na cidade do Rio de Janeiro, entoou em suas redes sociais a pergunta que ecoa em nossos ouvidos até os dias atuais: “Quantos mais vão precisar morrer para que esta guerra acabe?”. De lá até aqui, a política de segurança pública do estado do Rio experimentou intervenções federais, operações policiais e programas de militarização que sitiaram as cidades e foram capazes de promover um fenômeno ainda mais perigoso na Região Metropolitana: a expansão das milícias. Segundo o relatório “Mapa Histórico dos Grupos Armados” (2022), produzido pelo GENI/UFF em parceria com o Fogo Cruzado, as áreas dominadas pelas milícias cresceram 387% em 16 anos, e milicianos já dominam mais da metade das áreas controladas por grupos armados na região. Os ilegalismos e a perpetuação da “guerra às drogas” têm produzido graves consequências para a vida dos moradores e moradoras do Rio de Janeiro.
Em tempos decisivos para a democracia, como o período das eleições, precisamos compreender a centralidade que o direito à vida deve ter para o Estado brasileiro e fortalecer construções que sejam capazes de estancar a epidemia de mortes causadas pelas forças de segurança. A defesa do direito à vida não deveria ser uma bandeira de esquerda ou de direita, mas uma pauta urgente, única capaz de sustentar qualquer projeto de democracia. Enquanto os ilegalismos pautarem as estratégias de segurança, a democracia estará em risco. Todes nós somos vítimas desta “guerra” operada pelo Estado.
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WikiFavelas: A memória construída a partir das casas
Por Mauro Amoroso (professor associado da FEBF/UERJ e presidente da ANPUH-RJ), com participação de Juliana de Abreu, Paula Noronha, Juliana da Silva, Nathalia Knopp e André Amorim (FEBF/UERJ). Publicado 08 de setembro de 2022.
Dicionário de Favelas Marielle Franco apresenta projeto de história oral de uma comunidade da Baixada Fluminense. Pesquisadores registram como foi a construção e convivência nas moradias, recompondo a memória coletiva do lugar.
No último dia 29 de agosto de 2022, a Lei Federal n.º 12.711 de 2012, mais conhecida como a Lei de Cotas para o ensino superior, completou dez anos. Muito antes disso, no ano 2000, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) foi pioneira na reserva de 50% de suas vagas para estudantes da rede pública municipal, seguida da destinação de 40% de suas vagas para estudantes autodeclarados negros já a partir de 2001. Se o acesso à universidade pública se democratizou no Brasil das últimas décadas, a UERJ é parte fundamental dessa história. E não apenas do ponto de vista de sua composição: desde 1988 a Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF/UERJ), Unidade Acadêmica da UERJ na região, dá concretude aos esforços de interiorização do ensino superior no estado, agregando valor, cultura e simbolismo a uma das regiões mais periféricas do país. Sim, favela tem memória. A universidade também. E é em reconhecimento a essa potente união que a Wikifavelas abraçou o desafio de registrar e disponibilizar ao público, de forma integral, as entrevistas de um importante projeto sobre moradia e memória, desenvolvido pela FEBF/UERJ, na favela de Vila Operária, em Duque de Caxias, sob a liderança do professor e presidente da seção Rio de Janeiro da Associação Nacional de História, Mauro Amoroso (FEBF/UERJ). Com a palavra, o prof. Mauro:
“Existem diferentes formas de narrar o passado, sendo a História, aquela feita sobre bases científicas e não-negacionistas, uma delas. Uma outra seria a memória. Ao longo do tempo, diferentes pensadores têm refletido sobre o que é, como se dá e quais os significados do lembrar. Ele pode ser visto como uma faculdade inerente a qualquer pessoa, como escreveu o antropólogo francês Joël Candau. Mas os indivíduos não são seres que vivem de forma isolada, muito pelo contrário: eles constroem suas perspectivas, formulam e reformulam seus interesses e identidades a partir de interações sociais. Ou seja, a memória é um processo que ocorre dentro de um grupo e possui elementos que são compartilhados pelos seus membros, resultando em uma memória coletiva – conforme uma longa tradição de estudos inauguradas pelo sociólogo francês Maurice Halbwachs. E isso não ocorre de forma simples. O convívio em sociedade constantemente envolve conflitos e choques de diferentes interesses. Como não podia deixar de ser, isso afeta essas lembranças socialmente compartilhadas. Um tipo de manifestação desse impacto pode se dar através do apagamento e do esquecimento. Um exemplo, os livros didáticos são uma importante forma de construir uma memória coletivamente compartilhada, mas quantas vezes as favelas do Rio de Janeiro figuraram em suas páginas? Pois é, esse é um dos vetores que explicam como as favelas estão ausentes de uma memória oficial, mesmo em se tratando de uma cidade repleta delas.
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WikiFavelas: A quebrada e sua galáxia midiática
Por Pablo Nunes, publicado 03de novembro de 2022.
No Dicionário Marielle Franco, a importância das mídias comunitárias como forma de difundir o orgulho periférico e rebater a criminalização — como no caso do boné CPX de Lula. No Facebook, páginas e comentários se tornam os novos jornais de bairro.
Um simples boné com uma sigla que faz referência à palavra complexo, forma como o conjunto de favelas do Alemão é conhecido, virou arma de Bolsonaro contra Lula na disputa eleitoral deste ano. Como explicou em sua rede social a jornalista, doutoranda em comunicação e comunicadora popular, Gizelle Martins: “O termo ‘complexo’ foi inventado pela secretaria de segurança pública no final dos anos 1990 para 2000. Foi feito para estigmatizar a favela. No Alemão, os moradores ressignificaram o termo para a identificação da própria favela. Na Maré, a gente afirma que é Conjunto de Favelas. E está tudo bem! Houve uma ressignificação por parte dos moradores”.
Toda polêmica em torno do boné começou com a visita de Lula ao Complexo no dia 12 de outubro. Essa atividade foi articulada pelo ativista, líder comunitário e comunicador popular Rene Silva, em conjunto com outros mobilizadores de favelas. Antes da caminhada pela Estrada do Itararé, Lula se reuniu com o projeto Voz das Comunidades e ganhou o boné CPX das mãos de Camila Moradia, ativista e fundadora do Mulheres em Ação do Alemão. Logo depois, imagens do presidente com o acessório começaram a viralizar nas redes sociais e foram usadas por apoiadores do Presidente Jair Bolsonaro para divulgar desinformação. Como explica a jornalista e comunicadora popular Tatiana Lima: “na construção das fake news, a extrema direita tentou emplacar a teoria de que CPX, ao invés de complexo, representaria o termo cupinxa, que significa, na grafia correta da palavra, com ch (cupincha), ‘um indivíduo com quem se tem amizade, companheirismo, um camarada’, e que o boné representava uma ligação entre Lula, os moradores do Complexo do Alemão e o tráfico de drogas. Trata-se de uma prática de criminalização dos trabalhadores, da pobreza, de cunho racista — uma vez que majoritariamente a população das favelas é negra — conforme criticou a jornalista da GloboNews, Flávia Oliveira”.
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WikiFavelas: A difícil tarefa de aquilombar a política
Por Dicionário de Favelas Marielle Franco
Em abril de 2022, durante a pré campanha presidencial de Lula, uma foto chamou atenção na internet: 17 pessoas reunidas para decidir sobre a chapa presidencial, todas brancas e apenas duas mulheres. Mesmo que os governos anteriores do PT, de Lula e Dilma Rousseff, tenham sido os que mais incluíram mulheres e negros, foi inevitável refletir sobre como a fotografia do poder no Brasil, ainda que no campo progressista, democrático e popular, precisa mudar de forma mais significativa. Por sua vez, a foto da posse do presidente Gustavo Petro na Colômbia expressa a mudança desejada em toda América Latina, ao incluir os povos originários e firmar compromisso com a pauta racial. Em uma sociedade marcadamente elitista, Francia Marquez, mulher negra e mãe solo, passou a ocupar o lugar de vice-presidenta e ministra das relações interiores.
Nas eleições brasileiras de 2022 a Coalizão Negra Por Direitos lançou a campanha “Quilombo nos parlamentos”, trazendo a referência dos antepassados que resistiram à escravidão e se auto-organizaram em Quilombos. Aquilombar a política é a proposta de ampliar a participação negra tanto no Congresso Federal como nas Assembleias Legislativas nos estados. Segundo Sheila de Carvalho, integrante da Coalizão Negra, “construir uma democracia de fato exige equidade racial, justiça social e respeito aos direitos humanos. Como diz o lema da Coalizão Negra: enquanto houver racismo, não haverá democracia”. Já Vilma Reis, intelectual negra e militante dos direitos humanos na Bahia, também integrante da Coalizão Negra, sinaliza que “essa ação é histórica: 40 anos depois da primeira eleição de Benedita da Silva, a Coalizão Negra por Direitos entra na cena política para dizer que tudo que a gente falou lá é possível. Já em 1986, lutamos para eleger constituintes negros como Carlos Alberto Caó de Oliveira, que incluiu o racismo como crime inafiançável e imprescritível na Constituição de 1988. Estamos agora em uma reviravolta na política. […] Nós resolvemos pautar isso de forma estrutural e estruturante e assim, ‘aquilombar’ a política”.
Com muitas lutas em todo o país, o cenário ainda é complexo: apenas 94 das 513 cadeiras de deputadas federais eleitas em 2022 são ocupadas por mulheres (18% do total), sendo apenas nove mulheres negras: Áurea Carolina (Psol-MG); Daiana Santos (PCdoB-RS); Denise Pessôa (PT-RS); Carol Dartora (PT-PR); Erika Hilton (PSOL-SP); Benedita da Silva (PT-RJ); Dandara (PT-MG); Taliria Petrone (PSOL-RJ); Jack Rocha (PT-ES) e Marina Silva (REDE – SP – SP). Já entre os 27 governadores eleitos, há nove autodeclarados negros: Paulo Dantas (MDB-AL); Wilson Lima (União Brasil-AM); Coronel Marcos Rocha (União Brasil-RO); Ibaneis Rocha (MDB-DF); Gladson Cameli (PP-AC); Clécio Luis (Solidariedade-AP); Elmano de Freitas (PT-CE); Fátima Bezerra (PT-RN); Wanderlei Barbosa (Republicanos-TO). Cabe destacar que Ibaneis, Gladson e Clécio se autodeclararam como brancos nas últimas eleições e mudaram sua autodeclaração apenas em 2022.
Para piorar, em 2022, os partidos que mais elegeram candidatos autodeclarados negros — que se identificam como pardos ou pretos — para a Câmara dos Deputados são de direita. Fato esse que pode ser explicado pela mudança da regra (Emenda Constitucional 111) relativa à distribuição para os partidos de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que passaram a ter valor majorado pela eleição de parlamentares mulheres e negros a partir da eleição de 2022. Portanto, trata-se de uma nova frente de batalha, capaz de conjugar a luta racial com um projeto emancipatório no Parlamento.
No entanto, não se trata apenas de eleger parlamentares comprometidos com os direitos humanos e sociais das populações negras e periféricas, mas de criar condições de transformação das formas de exercício do poder cristalizadas nesta arena política. Os relatos daquelas que ocupam o parlamento sendo mulheres, negras, pobres, de favelas e periferias são assustadores. Em 2019, dois casos: tanto a deputada Monica Francisco (PSOL/RJ) como a deputada Dani Monteiro (PSOL/RJ) foram barradas ao tentar usar um elevador privativo para deputadas na ALERJ, Monica enquanto ia para a posse de um desembargador e Dani durante sua rotina de trabalho na casa. Logo depois, Dani também teve suas roupas criticadas por outro colega, também deputado. Por que nossas deputadas negras e faveladas não são vistas como deputadas quando começam a habitar as casas legislativas? O que há em comum entre elas? São duas deputadas negras e faveladas, corpos, vestimentas, cabelos e estética muito diferentes dos homens brancos de ternos pretos que habitaram sempre essa casa.
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WikiFavelas: um caminho para reconstruir o Brasil
Introdução: Clara Polycarpo, Caíque Azael
Verbete: Caíque Azael, Rosa Pedro e Pedro Paulo Bicalho
Encerramos a coluna do Dicionário de Favelas Marielle Franco no Outras Palavras em 2022 com esperança. O nosso texto falava sobre as dificuldades de aquilombar a política no Brasil, num cenário de sub-representação de pessoas negras, pobres e faveladas nos espaços da política institucional. Mas, apesar de enormes dificuldades, o primeiro domingo do ano nos abriu oportunidades: o povo brasileiro subiu a rampa do Palácio do Planalto em toda a sua diversidade. Teremos indígenas, mulheres negras, faveladas, pessoas com deficiência, trabalhadores e trabalhadoras, sem-teto, sem-terra e tantos outros setores estratégicos na refundação do Brasil.
Os ares que sopram nos abrem caminhos para uma discussão profunda, aliada aos importantes movimentos sociais insurgentes, sobre democracia e direitos humanos no Brasil. Silvio Almeida, nomeado ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, ao tomar posse reforça o reconhecimento e a dignidade que deverá ser a principal ação do atual governo para a garantia de direitos de tantos corpos marcados pela discriminação e pela exclusão na sociedade brasileira. Por mais que muitos e muitas tentem vilipendiar o sentido dos direitos humanos e limitar o acesso à dignidade, a cada dia fica comprovado que sem um sistema de garantia de direitos fundamentais para todas as pessoas, não conseguiremos avançar como sociedade. Num período histórico de intensa polarização, que, como vimos, não se esgotou com o fim das eleições presidenciais de 2022, tem-se disputado também o sentido dos direitos humanos. E precisamos utilizar desse espaço para posicionar os setores progressistas e de esquerda na consolidação dos direitos. Sem anistia! – é o clamor da sociedade!
O segundo domingo do ano nos deu muitos recados. Diante de ameaças (falidas) de golpe de Estado, uma malta fascista tomou a Praça dos Três Poderes, em Brasília, para destruí-la. Flávio Dino, Ministro de Justiça e Segurança Pública, buscou nas forças de segurança formas de conter os terroristas, porém as polícias, sob o comando do governador do Distrito Federal, cooperaram na invasão e se mantiveram dispostas a servir de base para o que há de pior no Brasil: o racismo e as violações de direitos humanos. Em seu histórico de violências em todo território nacional, percebemos que o Estado é forte quando impõe seu braço armado contra populações pobres e negras, por exemplo, na promoção constante e institucionalizada de chacinas policiais em favelas e periferias do Rio de Janeiro. A identificação de “bandido”, portanto, não reconhece homens brancos de meia idade vestidos com o uniforme da CBF quebrando vidraças e destruindo obras de arte. Caso o comando seja identificar criminosos que atentem contra a democracia, os policiais não sabem para quem olhar, já que terão que olhar também para si mesmos.
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WikiFavelas: um caminho para reconstruir o Brasil
Introdução: Clara Polycarpo, Caíque Azael e Palloma Menezes
Verbete: Douglas Almeida
Às vésperas de comemorar seu aniversário de 10 anos, Rafaelly da Rocha Vieira, uma menina negra moradora da Baixada Fluminense, foi morta por uma bala perdida no dia 25 de janeiro. Ela brincava com outras crianças perto de uma das vias mais movimentadas de São João de Meriti, por volta das 19h30, quando homens encapuzados invadiram a rua e começaram a disparar atingindo Rafaelly na altura do tórax. A menina teve a caixa torácica destruída por um tiro de fuzil que ninguém sabe quem disparou. Vizinhos contam que não sabem “quem foram os autores dos disparos nem para quem tinha sido”, só sabem que eles entraram na rua “atirando a esmo”.
O trágico episódio ocorrido na última semana insere-se em um contexto de violência que marca a vida de uma grande maior parte dos moradores da Baixada Fluminense. Infelizmente, tem crescido na Baixada não só o homicídio de jovens, mas também de crianças. Elza Menezes, madrinha de Rafaelly, faz um alerta: temos que parar de normalizar crianças sendo executadas. Segundo dados do Rio de Paz, divulgados em postagem do Fórum Grita Baixada em redes sociais, em um ano, de janeiro de 2022 a janeiro de 2023, além de Rafaelly, outras crianças foram baleadas no estado do Rio de Janeiro. Destacamos Kevin Lucas dos Santos Silva, de 6 anos, que foi morto por bala perdida em 6 de janeiro de 2022, em Queimados, na também Baixada Fluminense. Ele ajudava vizinhos numa mudança. Segundo testemunhas, PMs entraram atirando na comunidade. Outras duas ficaram feridas, uma delas em estado grave. Da mesma forma, há Juan Davi de Souza Faria, de 11 anos, foi morto em 1 de janeiro de 2023, nos primeiros minutos do ano, enquanto assistia aos fogos da virada do ano em sua casa na Chatuba, em Mesquita.
Os casos das crianças mortas de forma brutal no estado do Rio de Janeiro, em especial na região da Baixada Fluminense, no último ano se somam a tantos outros episódios de jovens negros, pobres e moradores de favelas e periferias que são capturados pelas redes de militarização nas favelas do Rio de Janeiro. Na pesquisa de dissertação intitulada Redes de Militarização no Rio de Janeiro: cartografias sobre juventudes, violências e resistências em favelas, Caíque Azael identifica que, durante a avaliação das cenas de jovens executados no estado do Rio de Janeiro, podemos concluir ao menos duas coisas: há um certo padrão racial (a maioria absoluta das pessoas executadas são negras) e também um padrão social/territorial (jovens pobres e moradores de favelas e periferias são praticamente o único perfil que comparece no painel dos jovens executados no estado). Na pesquisa, discute-se também o caso de Emily e Rebecca, também crianças negras da Baixada Fluminense executadas – estas em função da política pública de segurança do estado do Rio de Janeiro. Isso também diz muito sobre uma realidade de necropolítica e racismo que é constituinte das possibilidades de existir em territórios de favelas e periferias pelo Brasil.
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WikiFavelas: Exu e resistências no Sambódromo
Introdução: Caique Azael, Palloma Menezes e Sonia Fleury
Verbete: Faustino Teixeira.
Fevereiro é um mês intenso para aqueles e aquelas que curtem carnaval. Uma das maiores festas populares do mundo, o carnaval é uma expressão cultural diversa e vibrante. Um breve olhar aos enredos de 2023 das escolas de samba do Grupo Especial no Rio de Janeiro revela uma dimensão dessa festa: homenagens aos que vieram antes (Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho…), celebrações às religiões de matrizes africanas (com homenagens aos santos e orixás), questões de gênero e questões sociais em geral. A receita não é nova: a história do carnaval é uma história de lutas e resistência. Cada vez mais tem se fortalecido como crítica social e política. No carnaval de 2022 no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo, a Escola Rosa de Ouro encenou a transformação de Bolsonaro em jacaré, após tomar a vacina contra a covid-19. Já a Gaviões da Fiel apresentou um samba com uma crítica política direta ao governo, cantando: "Meu lugar de fala, a voz destemida / Cabeça erguida por nosso direitos / Quando o fascismo do asfalto / É opressor à militância por respeito".
Ao se perguntar como é possível um carnaval igualitário numa sociedade hierarquizada e autoritária, Roberto DaMatta encontra no princípio da inversão a explicação de como o carnaval suspende temporariamente as classificações e marcações sociais existentes, subvertendo as linhas de poder, em uma experiência controlada que irmana os fracos com seus poderes mágicos e místicos. Fugiram, assim, do poder fundado na força física e no monopólio da violência.
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WikiFavelas: Evoé, Santa Rosa Egipcíaca
Introdução: Sonia Fleury
Verbete: Carolina Rocha
O Dicionário de Favelas Marielle Franco homenageia toda as mulheres neste 8 de Março, com um tributo especial às mulheres negras, que nas favelas e periferias, se unem solidariamente para sobreviver, descortinar um futuro melhor para seus filhos e, assim, reconstruir, cotidianamente, o Brasil que os poderosos teimam em pilhar e destruir, desde a senzala até a favela.
As mulheres negras são as maiores vítimas do feminicídio, têm suas famílias destruídas pela violência estatal, pelo desemprego dos pais e pela falta de perspectivas de mobilidade social para os jovens. Foram as mais afetadas pela pandemia da covid-19, pois foram demitidas por suas patroas, tiveram que manter as crianças em casa sem escola e sem assistência, perderam renda familiar com a interrupção do trabalho informal, tiveram que cuidar dos doentes e enterrar seus mortos.
A maioria está situada no limiar da sobrevivência, sendo o maior contingente da população com os piores salários e que menos recebe benefícios previdenciários e, cuja expectativa de alcançar a aposentadoria se tornou cada vez mais distante com a reforma previdenciária que aumentou o tempo de contribuição e reduziu o valor dos benefícios. As mulheres negras não são protegidas por políticas públicas que reduza a carga de trabalho não remunerado, seja por meio do cuidado como direito previdenciário, seja com escolas de tempo integral, políticas de saúde e de assistência aos idosos com acesso efetivo.
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Marielle vive! O Wikifavelas celebra sua presença
Introdução: Equipe
Em março, se completarão 5 anos sem Marielle Franco. Meia década e ainda seguimos sem esclarecer o crime que assassinou Marielle e Anderson. O legado de Marielle inspira luta por justiça, memória e reparação. Em um cenário de disputas pela garantia dos direitos de cidadania, as favelas e periferias podem e devem contribuir para a reconstrução de um país mais justo e mais inclusivo. É com esta proposta que o Dicionário de Favelas Marielle Franco promoverá o evento “MARIELLE VIVE! Favelas na Reconstrução do País”, em 13 de março de 2023, na Biblioteca de Manguinhos, buscando refletir e repercutir o legado político coletivo de Marielle Franco. Conheça o projeto e saiba mais sobre a programação do evento:
O Dicionário de Favelas Marielle Franco tem se dedicado, desde o seu lançamento, em 2019, a impulsionar ações de preservação de memórias em favelas e periferias do Brasil, como parte do nosso compromisso com a expansão da cidadania e do direito à cidade. O projeto, sediado no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT-Fiocruz), baseia-se na criação coletiva de um espaço virtual capaz de reunir e divulgar os conhecimentos sobre estes territórios de forma interdisciplinar, interinstitucional e plural. Já são mais de 600 colaboradores cadastrados e 1.500 verbetes compartilhados na plataforma, abarcando os mais variados temas, como: cultura, sociabilidade, segurança, saúde, habitação, mídia, comunicação, juventude, relações étnico-raciais, violência, entre outros, além de uma área especial para acompanhamento dos efeitos da pandemia do novo coronavírus nas favelas e periferias do Brasil. Todos os conteúdos incluídos na plataforma do Dicionário de Favelas são chamados verbetes, quaisquer que sejam eles. Temos diferentes tipos de verbetes: textos, poemas, imagens, vídeos, filmes etc., desenvolvidos por usuários cadastrados que podem ser produzidos de maneira colaborativa.
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WikiFavelas: Oito vezes Marielle
Introdução: Clara Polycarpo e Palloma Menezes
“Eles combinaram de nos matar. E nós combinamos de não morrer.” Conceição Evaristo já nos ensina que, para romper com a política de morte, devemos forjar tecnologias insurgentes que partam da luta coletiva. E é também assim, reverenciando Conceição, que Anielle Franco, atual ministra da Igualdade Racial, inicia o seu depoimento “Ninguém solta a mão de ninguém”. Nesses cinco anos desde seu assassinato, Marielle Franco se faz presente como símbolo e como referência na luta pelos direitos de cidadania de todos, todas e todes, mulheres, negres, favelades, LGBQIAP+, quilombolas, indígenas e juventudes que acreditam, em especial, na luta pelo direito de se ter direitos. Como aguerrida defensora de direitos humanos, Marielle foi forjada na ancestralidade feminina que se mantém viva nas favelas e periferias do Brasil. Para os(as) moradores(as) de favela, a luta por direitos humanos é uma luta fundamental, porque se trata da luta pela própria sobrevivência. Por sua força e por sua garra, Marielle levou a voz de milhares de tantas outras do passado e do futuro para o palco da tribuna, exigindo ser ouvida. E assim ecoou.
Após a sua morte, a cidade já não é mais a mesma. A política já não é mais a mesma. Quem mandou matar Marielle Franco? Marielle inscreveu a favela como central na luta por cidadania e justiça. Quem mandou matar Marielle e tirou de nós a sua presença física, terá agora que lidar com a força coletiva que brota e traz para o centro da disputa a reconstrução de um país pela mão das mulheres negras. Como reforça Deley de Acari, poeta, animador cultural, militante de direitos humanos e afrocomunista, “A Marielle Presente será a Marielle Futura. Que depois que a justiça seja feita, há que cuidar que Marielle nunca se desvaneça e suma na fumaça, na névoa do esquecimento de cada um de nós e toda a gente. Há que cuidar que Marielle Futura terá sempre a Marielle Passada, Presente, perenemente. Há que cuidar que a Marielle Futura esteja sempre presente e que a Marielle nunca seja passada na vida da gente. Que Marielle sempre seja presente, para sempre.” A Marielle Presente é também a Marielle Futura. É também o nosso futuro possível, construído a muitas mãos.
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